Protestos em massa, crise econômica, impeachment de uma presidente, denúncias de golpe, escândalos de corrupção, ameaça de impeachment de outro presidente, crise política, polarização, prisão de um ex-presidente, ascensão da extrema-direita. Desde 2013, o Brasil passa por transformações radicais. O País, que era descrito como a “bola da vez”, vem enfrentando uma série de problemas, tendo a própria identidade nacional questionada em um processo descrito por alguns como “guerra cultural”.
Para entender as implicações desta longa transformação, em alguns momentos, é preciso ir além da autoanálise, do “olhar para o próprio umbigo”. Assim como uma pessoa precisa se olhar no espelho para se ver por completo, uma nação necessita de um reflexo de si mesma para compreender-se. A partir desse entendimento, a Revista Problemas Brasileiros e o Canal UM BRASIL buscaram entender este reflexo da realidade brasileira com base em olhares externos. Na série Brasil Visto de Fora, estudiosos e acadêmicos brasilianistas de centros de estudos, think tanks e universidades de todo o mundo deram suas impressões sobre o País. A ideia é ajudar os próprios brasileiros a entender a própria realidade.
Ao avaliarmos a polarização nacional a partir de um dos lados da divisão política, o retrato que se vê é um tanto mais complexo do que se pode pensar. Olhando de fora, como a série propõe, vê-se uma nação com questionamentos a respeito da sua identidade e imersa em problemas que impedem seu desenvolvimento. Ainda assim, desfruta de prestígio nas relações com outros países e tem forte potencial para buscar um lugar de destaque no mundo.
Oito entrevistas revelam um olhar diverso sobre a realidade brasileira. Destas análises, é possível discutir mais profundamente as origens da identidade nacional, as relações com outras nações, as crises pelas quais o Brasil passa e o seu lugar no mundo, hoje e no futuro.
A formação do Brasil baseada em influências externas foi tema de conversas com dois brasileiros que conhecem bem o olhar estrangeiro sobre nós: a diplomata Irene Vida Gala e o pesquisador, radicado no Líbano, Roberto Khatlab. As influências da África e do Oriente Médio foram apontadas como fundamentais para o Brasil, assim como as relações com o continente e a região da Ásia continuam importantes para o País conseguir entender seu relacionamento com o resto do mundo.
De olho nas relações atuais e futuras, Tatiana Prazeres, pesquisadora da Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, dissecou as conexões e falhas de tradução do Brasil com seu principal parceiro comercial, a China. Ela destacou a dificuldade de conhecimento entre as duas nações, e o predomínio de estereótipos e diagnósticos simplistas dos dois lados. As crises políticas do Brasil contemporâneo foram o foco da entrevista com Richard Lapper, escritor e consultor britânico, autor de Beef, Bible and Bullets – Brazil in the Age of Bolsonaro (“Boi, bíblia e balas – o Brasil nos tempos de Bolsonaro”, em tradução livre). Segundo ele, uma confluência de insatisfações sociais, problemas econômicos e contradições culturais ao redor do vasto território brasileiro ajudou a alimentar a chama do populismo que vivenciamos.
Entretanto, a longa crise econômica que afeta o País não desfez totalmente o prestígio nacional entre investidores estrangeiros, explicou Cristina Cortes, diretora do think tank britânico Canning House. Ainda há um otimismo cauteloso no resto do mundo em relação ao Brasil, pois suas potencialidades são reconhecidas.
A questão da identidade foi um dos temas da entrevista com Marshall Eakin, professor da Universidade Vanderbilt (EUA) e autor do livro Becoming Brazilians, em que aborda essa formação da chamada “brasilidade”. Segundo ele, a internet exagerou as divisões da população, não só no Brasil, criando crises no sentimento de identidade nacional homogênea em várias partes do mundo. Essa fragmentação ajudou a criar dificuldades na consolidação de um projeto nacional, o que se reflete na polarização política atual.
Avaliação similar foi feita pela diretora de pesquisas do think tank americano Geopolitical Futures. Allison Fedirka identificou uma dificuldade na definição de um projeto de Brasil no mundo. Segundo ela, o País precisa decidir o que quer na sua relação com outras nações, além de trabalhar o desenvolvimento interno para conseguir se projetar globalmente. Este processo de olhar para fora para entender a própria personalidade nacional e definir o que se quer do mundo tem justificativa na filosofia e nas relações internacionais. Estudos a respeito da identidade (de pessoas e de grupos) explicam que é o reconhecimento do outro que torna real a sensação da própria existência. Segundo o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), um sujeito só pode chegar à consciência de si mesmo se entrar em uma relação de reconhecimento com o outro.
De forma semelhante, nações precisam de reconhecimento externo para se sentirem realizadas nas relações com outros Estados. Mais do que isso, é necessário haver alguma conexão entre o que um país pensa sobre si mesmo e o que os que olham de fora pensam sobre ele, a fim de alcançar a segurança ontológica. Esse conceito é uma confirmação da autoidentificação que permite a um Estado manter uma identidade consistente nas suas conexões externas.
Ao olhar para o Brasil a partir do ponto de vista externo, avançamos na compreensão da realidade nacional, da identidade do País e do projeto que queremos construir para o futuro.
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