Artigo

Realpolitik × Mundo dos ursinhos carinhosos

Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.
U
Helga Almeida
é doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna “Ciência Política” da PB.

Uma tempestade de críticas a Lula veio abaixo na última semana. Comentários que não vieram só de adversários políticos e da imprensa, inclusive com muito “fogo amigo” vindo da militância de esquerda, os quais tinham a ver com as mudanças ministeriais que o presidente encampou no início de setembro. Márcio França do PSB, que ocupava a cadeira de ministro de Portos e Aeroportos, deu lugar a Silvio Costa Filho, do Republicanos. Mais comoção ainda veio com a retirada de Ana Moser (sem partido), que ocupava a cadeira de ministra dos Esportes, para entrar o controverso — para não dizer outra coisa — André Fufuca, do Progressistas. Além disso, o PT autorizou que, nas eleições municipais do ano que vem, possa haver alianças com o PL (partido de Jair Bolsonaro).

É de se estranhar que aqueles mesmos que criticavam a presidenta Dilma Rousseff por não conseguir articular, por não conversar com o parlamento e por não fazer política — o que, dentre outras variáveis, parece ter contribuído para o golpe que lhe foi dado — são também aqueles que agora condenam o jogo político de Lula.

É claro que ver Fufuca como ministro não é algo aprazível, mas não é disso que se trata. O ponto é que o mundo dos ursinhos carinhosos, em que o presidente da República nomeia apenas aqueles que ele próprio e sua militância querem, não existe em um presidencialismo de coalizão. E, assim, o xadrez que Lula tem se movimentado tem nome e se chama realpolitik. Essa expressão alemã, que surgiu na segunda metade do século 19, esteve muito associada ao modo de governar do chanceler alemão Otto von Bismarck — uma figura, digamos, problemática. O próprio Max Weber, em seu livro Parlamento e governo na Alemanha reorganizada, vai citar o quanto Bismarck conseguiu fazer pela Alemanha (a unificação do país, por exemplo) e ao mesmo tempo, como foi problematicamente centralizador. No entanto, algo interessante fica: Bismarck teve como guia a racionalidade e o pragmatismo, concomitantemente tinha uma flexibilidade própria e adaptava os atos a partir do que as circunstâncias lhe colocavam de novo, em vez de se apegar a princípios fixos. Além disso, algumas de suas grandes prioridades foram a estabilidade interna estatal e a maximização dos interesses do Estado alemão. Isto é, estamos falando aqui de políticas desenhadas a partir de uma análise empírica e objetiva — e que, a partir de circunstâncias concretas, vão se remofelando.

E qual é, hoje, a realidade concreta que o governo de Luís Inácio Lula da Silva enfrenta? A aprovação de Lula está em patamar confortável. De acordo com a Pesquisa Ipespe (Febraban), divulgada em 13 de setembro, o governo é aprovado por 55% dos brasileiros, 4 pontos a mais que o levantamento que haviam feito em junho de 2023. Além disso, 48% têm a percepção de que a economia melhorou. Mas nem tudo são flores, e Lula sabe que “camarão que dorme, a onda leva”, e todo cuidado é pouco.

Em pesquisa da Quaest, publicada em 19 de setembro, 47% do mercado financeiro avaliam o governo Lula como negativo, enquanto 41%, como regular. Pensando no parlamento, há também questões delicadas a se pensar. De acordo com o Índice de Governabilidade, indicador que se propõe a medir as condições do executivo federal de implementar sua agenda em diferentes atores (Legislativo, Judiciário e opinião pública), produzido por Humberto Dantas, José Mário Wanderley e Joyce Luz para a 4intelligence, em relação ao mês de agosto, Lula perdeu um ponto, atingindo 45% no índice. Isso significa que o governo está em uma situação delicada no trabalho de concretizar seus planos de políticas públicas. Além disso, Lula tem passado por dificuldades para transformar em norma legal as medidas provisórias que envia ao Congresso: Apenas 28,6% das MPs foram aprovadas até agora, sendo que, no mesmo período, Bolsonaro já tinha aprovado 30,8%; Dilma Rousseff, 75%; e o próprio Lula, em 2003 e 2007, impressionantes 100%.

E tudo isso por quê? Porque temos um Congresso Nacional conservador. Lula, no começo do mandato, contava com uma base aliada de aproximadamente 127 deputados federais e 12 senadores, ou seja, uma minoria. Com as mudanças ministeriais, Lula pretende ampliar a sua base para, assim, conseguir fazer o que prometeu na campanha eleitoral. E mais: a história recente nos mostrou que o presidente que não articular com o parlamento, tampouco fazer concessões de cargos e verbas, terá grandes chances de perder o mandato por meio de um impeachment justificado com desculpas estapafúrdias (pedaladas fiscais, por exemplo).  Não se trata de “toma lá, dá cá”, como a imprensa pejorativamente gosta de chamar. Estamos falando de um político profissional no mais alto cargo da República articulando com o parlamento para conseguir apoio para a aprovação de sua agenda política.

Assim, voltemos a Weber e lembremos que é importante que o Executivo seja partidário, ou seja, que faça política — e não que seja apenas burocracia.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.

receba a nossa newsletter
seta