A função da campanha eleitoral é organizar, em primeiro lugar, as coligações partidárias e as forças políticas que farão parte da proposta de governo do candidato vitorioso nas urnas. A dinâmica de tal construção, em virtude do presidencialismo unipessoal que praticamos, depende fortemente do candidato a presidente como catalizador dos apoios que recebe. Pois, para governar com estabilidade e levar a bom termo as promessas de campanha, é preciso mais matemática do que filosofia, ou seja, maioria parlamentar sólida. E isso não é uma história que se possa deixar para o ano que vem.
Em segundo lugar, a campanha sempre é um repositório de sucessos e gafes, repetições, fantasias, emoções e, particularmente, um rasgar da fantasia dos candidatos diante do eleitorado geral. Exige, em especial, um esforço adicional diante daqueles que, em número crescente, sempre votam branco ou nulo – ou não comparecem. Na prática, o voto já não é obrigatório, uma realidade cultural nacional, escamoteada pela esdrúxula disposição constitucional de só ser considerado facultativo para menores de 18 anos e maiores de 70. Insensato demais, para ser sincero.
A campanha segue com o presidente e o ex-presidente liderando as pesquisas e o interesse do noticiário. Principalmente pela produção quotidiana de relíquias de opiniões, desmentidos, divergências e assustadoras convergências. Destas últimas, a mais preocupante é a identidade, sem antagonismo, de ambos em relação ao apoio a Putin na guerra contra a Ucrânia. Guerra é a negação da política, um autorizar-se a matar, engolir o sol do outro e desvalorizar o diálogo e a negociação; uma clara ofensa aos princípios constitucionais e à tradição democrática brasileira.
Outra convergência, esta parte da tradição política dos últimos anos (e já assimilada como inevitável) é querer o “Centrão” de seu lado. O grupo de parlamentares de vários partidos, pragmáticos, regionalistas e fixados no orçamento da União, e na nomeação de apadrinhados, é o DNA do Congresso Nacional. É ele que estabiliza e desestabiliza todos os governos desde a introdução da reeleição no calendário eleitoral.
Os principais candidatos, até agora, andam em torno de si mesmos. Bolsonaro usa a caneta de governante para benesses pontuais, conta com o milagre de pastores, seduz os militares para se desviarem da função e se envolverem com a apuração, é ágil nas redes sociais e anda de moto. Lula faz discurso analógico, enrola-se em suas hablaciones demasiadas, diz e desdiz, torce e teme pela amnésia do eleitor, além de “requentar o café” do seu jingle mais popular.
Eleição deveria ser uma engenharia em construção baseada em propostas e programas. No entanto, não é. No fundo, é um fenômeno psicossocial emotivo que rompe barreiras de classe e pretensas erudições intelectuais. Assim foi em 1989 e 2018. Por isso, pode, sim, surgir uma terceira via que rompa a polarização atual, desde que haja um mínimo de unidade entre os candidatos que largam mais atrás. E como o coração tem razão que a própria razão desconhece (e o inesperado é invisível), o espaço preferido para aparecer um “azarão” continua aberto.
Enquanto isso, a economia continua um problema do povo. E a inflação, este pernilongo que pousa, pica, e deixa os preços ali coçando, pode virar infecção, mantendo o curso do nosso destino de crise, instabilidade, insegurança jurídica e crescimento lento.
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.