Foi grande a variação internacional de respostas governamentais ao covid-19 em 2020, com resultados desastrosos em países como o Brasil, Índia e Estados Unidos. Enquanto isso, Vietnã, Alemanha, Coreia do Sul e Noruega tiveram mais sucesso no enfrentamento da doença. A análise das decisões políticas de países dos cinco continentes está no livro Coronavirus politics (“Políticas do coronavírus”) lançado em abril – e mencionado, alguns dias depois, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da pandemia.
Antecipada a jornalistas brasileiros pela Agência Bori, a obra foi organizada e liderada pela professora Elize Massard da Fonseca, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com Scott Greer e Elizabeth King, professores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan. O trio coordenou colaborações de mais de 60 autores.
Entre os principais achados está o entendimento de que na maioria dos países estudados as políticas de saúde adotadas estiveram dissociadas de políticas sociais. O livro foi uma das poucas evidências científicas mencionadas, além de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) e da ONG Conectas que analisou declarações de Jair Bolsonaro e de pesquisa da Universidade de Oxford com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para testes da vacina Oxford/Astrazeneca no Brasil.
Com base na publicação, o senador Humberto Costa (do Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT de Pernambuco) perguntou ao ministro Luiz Henrique Mandetta, no dia 4 de maio, se o governo teria adotado estratégia de deixar a maioria da população “se molhar” com o coronavírus – Bolsonaro teria dito que o covid-19 “é como chuva, todo mundo vai se molhar; quando 70% tiverem pegado, está tudo bem.” O ministro deteve-se à outra pesquisa mencionada na pergunta, da USP e da ONG Conectas, que analisou falas do presidente sobre a pandemia.
A pergunta foi repetida pelo senador, no dia seguinte, durante a sabatina ao ministro Nelson Luiz Teich: “O Presidente da República tinha todos os mecanismos para fazer face à pandemia e os teria utilizado no sentido oposto, [a pesquisa mostra] que há uma grande responsabilidade dele em relação a tudo o que está acontecendo. Eu pergunto se V. Sa. concorda ou não com essas colocações que foram feitas por esses pesquisadores.” O ministro respondeu que desconhecia o trabalho.
CALAMIDADE ANUNCIADA
Coronavirus politics expõe que líderes tidos por controversos como Donald Trump (Estados Unidos), Jair Bolsonaro (Brasil), Sebastián Pinera (Chile) e Boris Johnson (Reino Unido) agiram de forma autoritária – e excêntrica – na resposta ao covid-19 por causa dos poderes constitucionais em seus países. “O presidencialismo e os governos autoritários, em geral, garantem a esses líderes instrumentos poderosos, o que nas mãos de um negacionista-populista pode ter efeitos devastadores”, ressalta Fonseca.
O esforço comparado do livro também permite observar e compreender quais variáveis importaram (ou não) na resposta dos diversos países a uma crise que foi comum a todas as nações, como a capacidade do sistema de saúde, regimes de governo e políticas sociais de auxílio aos mais afetados. “Diversos governos poderiam ter respondido melhor à pandemia. Nações desenvolvidas como Itália, Reino Unido e Espanha, que têm expertise em saúde pública, tiveram suas capacidades estatais anuladas em detrimento de ações políticas”, comenta Fonseca.
Esta é uma versão de artigo originalmente publicado na revista PB #464. A edição completa está disponível na banca digital Go Read
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