Duas pesquisas realizadas por cientistas brasileiros, lançadas em outubro, jogam luz sobre importantes questões ambientais: as consequências do aquecimento dos oceanos para as barreiras de corais e o efeito da restauração de áreas degradadas para impedir a extinção de espécies. Os dois artigos foram publicados em revistas científicas internacionais de ponta. Ambos os trabalhos tiveram o apoio do Instituto Serrapilheira.
O primeiro estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e publicado na Global Change Biology revela que os recifes de corais do Caribe e do litoral brasileiro podem sofrer uma transformação drástica nas próximas décadas por causa do aquecimento dos oceanos. A queda na densidade de peixes se alimentando na região
pode fazer com que estes ecossistemas percam a diversidade de espécies e virem recifes de algas já em 2050 – já que muitos peixes migrarão para outras regiões em busca de comida.
Para entender como a interação dos peixes com a alimentação se modificará ao longo das próximas décadas, os pesquisadores fizeram projeções com base em dados de interações de animais coletados de diversos recifes que se estendem da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, até o Estado brasileiro de Santa Catarina. “Esses dados servem para caracterizar como as interações estão distribuídas hoje, no clima atual”, explica o pesquisador Guilherme Longo, da UFRN. Por meio destas informações, os cientistas usaram modelo matemático para projetar o que vai ocorrer com a mudança de temperatura oceânica. Os modelos calcularam a probabilidade de as espécies de peixes serem encontradas no local, a estimativa da quantidade deles e, também, estimaram onde esses animais comerão mais.
“As interações dos peixes herbívoros diminuirão bastante na região tropical, do Caribe até o Sul do Brasil, e aumentarão no Norte do Caribe, indicando uma mudança na distribuição geográfica das interações”, comenta a pesquisadora Kelly Inagaki, autora principal do estudo. Com estas mudanças, a estrutura dos recifes pode ser ameaçada, já que os peixes herbívoros desempenham um papel ecológico importante no ambiente: eles são os responsáveis por controlar a quantidade de algas, possibilitando que corais prosperem, por exemplo.
Para Kelly, a pesquisa serve como alerta para os efeitos das mudanças climáticas globais. “Provavelmente, este cenário de abundância de peixes que encontramos nos recifes do Nordeste brasileiro não vai existir daqui a 30 ou a 70 anos. Isso pode impactar o turismo da região, a conservação e até a pesca, porque a preservação desses recifes é o que garante que tenhamos um estoque pesqueiro local e regional”, explica.
O foco nas interações ecológicas ainda é uma abordagem pouco usada por pesquisas de mudanças climáticas, o que faz com que o estudo seja pioneiro na área. “Normalmente, pensamos que as mudanças climáticas provocarão extinções em massa de espécies e deixamos de perceber que existem efeitos mais tênues. Mudar o local onde as espécies ocorrem ou mudar o que elas fazem nestes locais são mudanças menos dramáticas, mas que podem provocar efeitos em cascata e alterar o ecossistema como um todo”, reflete Longo.
O segundo estudo, publicado na revista Nature, foi encomendado pela Organização das Nações Unidas (ONU), realizado por 27 pesquisadores de 12 países e liderado por um pesquisador brasileiro da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Os resultados mostram que restaurar 30% dos ecossistemas degradados do planeta, de forma otimizada, pode impedir o desaparecimento de 71% das espécies que seriam extintas nas próximas décadas. Além disso, se restaurados, esses ecossistemas podem retirar 466 bilhões de toneladas de gás carbônico do planeta, o que equivale a 49% de todo o acumulado desde a Revolução Industrial.
A pesquisa é a primeira voltada à restauração de áreas prioritárias em uma escala global. Os pesquisadores investigaram quais regiões degradadas do planeta devem ser preferencialmente recuperadas, de modo a maximizar os benefícios e minimizar as perdas. Para isso, combinaram três critérios: preservação da biodiversidade, sequestro de carbono (a retirada de gás carbônico da atmosfera) e custos.
“Definir as áreas prioritárias é importante porque, dependendo de onde a restauração acontece, os resultados podem ser bem diferentes”, afirma Bernardo Strassburg, pesquisador da PUC-Rio que liderou o estudo. Recuperar 5% de terras em uma ou outra região do globo, por exemplo, pode reduzir a extinção de espécies em 7% ou 43%.
Outra descoberta: diferentes biomas importam para diferentes objetivos. Restaurar florestas tem um impacto grande para o clima e a biodiversidade, mas as zonas alagadas, como o Pantanal, são ainda mais importantes para a biodiversidade e têm papel-chave para o clima. Assim, de maneira inédita, o grupo buscou olhar para todos os biomas de forma combinada. Até então, a literatura e os acordos internacionais vêm focando sobretudo na recuperação das florestas.
De acordo com Strassburg, estas ações não prejudicam a agricultura. “Podemos recuperar até 55% das áreas degradadas do planeta e ainda manter a produção agrícola atual, provavelmente com vários impactos positivos, como conservações da água e do solo, além de melhorar a polinização”, comenta.
O estudo identificou um total de 2,9 bilhões de hectares de terras restauráveis, incluindo todos os biomas, de florestas a desertos. A Mata Atlântica se mostrou uma “hiperprioridade” global sob qualquer um dos critérios. “Para salvar as espécies da extinção ou para mitigar mudanças climáticas – e, em particular, para ambos simultaneamente –, a Mata Atlântica é especial”, destaca o pesquisador. O Brasil como um todo, aliás, tem muitas das regiões prioritárias a serem recuperadas, como o Cerrado, o Pantanal e a Floresta Amazônica. “A ONU declarou que 2021-2030 será a década da restauração ecológica. Este é o momento para voltarmos a discutir novas metas para os países”, alerta ele.
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