Quando pensamos na Amazônia, é comum recorrermos ao imaginário da floresta densa, vasta e intocada. Porém, uma visão afastada nem sempre nos ajuda a entender os desafios e as potencialidades da região. Assim, trabalhos científicos que olham de perto fenômenos singulares contribuem para que a população brasileira perceba a realidade diversa da Amazônia brasileira. Esta foi a contribuição proposta pela Agência Bori ao disseminar dois estudos de pesquisadores de instituições amazônicas neste início de 2022.
O primeiro trabalho constata a maior recorrência de eventos hidrológicos extremos em Rio Branco, capital do Acre. A pesquisa, assinada por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (UFAC), foi publicada na Revista Brasileira de Meteorologia.
Com dados coletados entre 1970 e 2018, o estudo atesta que fenômenos naturais, como El Niño e La Niña, contribuíram para o aumento da frequência de temporais e cheias registrados na planície de inundação do Rio Acre. No entanto, as mudanças climáticas causadas pela ação humana intensificaram o impacto nos ciclos hidrológicos da região.
O artigo ajuda a explicar como as mudanças climáticas afetam o ciclo da água em um contexto regional. São informações fundamentais para a gestão dos recursos hídricos nos níveis municipal e estadual, pois as políticas públicas contribuem para a redução dos riscos sociais, ambientais e econômicos provocados pelos eventos extremos.
Genivaldo Moreira, pesquisador da pós-graduação em Ciência, Inovação e Tecnologia para a Amazônia da UFAC e um dos autores da pesquisa, ressalta: “todos os anos, pelo menos uma pequena parte da cidade é atingida por cheias, o que diferencia a cada ano é a sua magnitude”. Por isso, mecanismos de atenuação dos eventos extremos são urgentes para garantir a segurança da população diante do risco crescente.
Mensurar o impacto da ameaça dos ecossistemas na vida das populações humanas e não humanas é um desafio cada vez mais urgente para os cientistas da Amazônia. Isto, porque a devastação ambiental pode ser mais rápida do que o incansável trabalho de reunir conhecimento sobre a biodiversidade da maior floresta tropical do mundo.
É o que evidencia o segundo estudo divulgado pela Bori neste início de ano, que mostra como as atividades humanas interferem no hábitat de uma espécie de planta recém-descoberta no Amazonas. O trabalho foi publicado na revista científica Acta Botanica Brasilica e repercutiu na cobertura jornalística nacional.
Descrita por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a Tovomita cornuta é uma árvore de pequeno porte já em ameaça de extinção. Ela é típica das florestas de campinaranas, um tipo de vegetação que ocorre sobre solo arenoso na porção nordeste da Amazônia. Trata-se de uma formação ainda pouco estudada.
A expansão urbana não planejada, o desmatamento e a extração de areia para a construção civil são algumas das principais razões para a perda de hábitat da espécie. O processo é acelerado pela falta de investimentos do poder público na ciência e nas ações de fiscalização e de monitoramento da flora.
Neste sentido, Layon Oreste Demarchi, um dos autores da pesquisa, destaca: “Ainda existem muitas plantas não descobertas na Amazônia; e a única maneira de identificarmos e conhecermos mais da nossa flora é por meio da pesquisa de campo intensiva e de estudos taxonômicos detalhados.”
Ainda que o objeto de estudo e a área de conhecimento de ambas as pesquisas as tornem incomparáveis entre si, é possível traçar aproximações entre suas conclusões. Percebemos o risco de perdas irreparáveis na biodiversidade amazônica, essencial, sobretudo, para quem vive do que a floresta dá, e a crescente insegurança das populações que habitam as grandes metrópoles. No fim das contas, todas as formas de vida do maior bioma brasileiro estão ameaçadas.
Para notar a conexão entre esses problemas, devemos assumir um olhar clínico, capaz de identificar onde mora a ausência de precaução no cuidado com a floresta e a cidade. Afinal, a própria geografia da Amazônia é marcada por milhares de quilômetros de conexões entre rios e afluentes, que cruzam comunidades urbanas, indígenas, ribeirinhas e quilombolas e garantem a sobrevivência dos mais de 20 milhões de brasileiros que habitam a região.
As soluções, portanto, não devem ser isoladas. Uma atitude contra este ciclo de destruição da floresta exige visão de longo prazo e integração dos governos municipais, estaduais e federal. Em ano eleitoral, a gestão das águas e da biodiversidade amazônicas deve estar no centro do debate público. Mais que isto, deve ter como base o conhecimento de quem vive e pesquisa a região.
Sabendo da importância de fomentar o debate público e a formulação de políticas públicas à luz de evidências científicas, a Agência Bori inaugurou, em fevereiro, uma área voltada à temática da Amazônia. Apoiada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS), a agência apoiará a cobertura jornalística da região, por meio da disseminação de estudos inéditos, de cursos de sensibilização e outras ações, tendo como foco a produção de conhecimento científico das instituições de pesquisa do Norte do País.
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