Nesta semana, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, à unanimidade, declarou inconstitucional o uso da tese da legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra mulheres. Essa tese era, até então, utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulheres como argumento de defesa, uma justificativa social para o comportamento do acusado. O assassinato ou a agressão seriam socialmente aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor, a exemplo da violência resultante de traições e/ou situações socialmente vexatórias.
Para a ministra-presidente Rosa Weber, “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres” (ADPF 779). Já a ministra Carmen Lúcia salientou que a “tese jurídica de legítima defesa da honra não tem amparo legal”, sendo fruto de um “discurso proferido em julgamentos pelos tribunais” que se consolidou “como forma de adequar práticas de violência e morte à tolerância vívida na sociedade aos assassinatos praticados por homens contra mulheres tidas por adúlteras ou com comportamento que fugisse ou destoasse do desejado pelo matador”. (ADPF 779).
Num país onde anualmente crescem os números relativos a mortes de mulheres, motivadas por questões de gênero (feminicídios), a continuidade indefinida, por décadas, da admissão (por alguns magistrados e, principalmente, por aqueles que viessem a participar dos tribunais de júri) da tese de legítima defesa da honra deixou um rastro de impunidade e um sentimento de aparente justificativa na mente daqueles que pretenderam praticar atos de violência contra mulheres. O adultério não configura uma agressão injusta e suficientemente apta a excluir a ilicitude de um delito de agressão ou de um assassinato. Segundo o entendimento firmado pelo tribunal, o feminicídio ou o uso de violência não se prestam para reparar supostos danos decorrentes de um adultério: o acusado não estaria (naquele momento) a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. Prejuízos eventuais, resultantes de adultérios e/ou dos términos de relacionamentos devem ser resolvidos nos âmbitos civil, ético e moral, não havendo que se falar em um direito subjetivo de agir com violência contra as mulheres.
Já era urgente afastar do direito brasileiro, por flagrante inconstitucionalidade, a mera possibilidade de utilizar de uma falsa moralidade para justificar a prática de graves atos de violência de gênero e afastar, seletivamente, a punição de criminosos. Toda honra às vítimas!
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