Artigo

Três décadas instáveis

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

Em busca de uma consolidação para a política externa brasileira com vistas à promoção dos interesses nacionais democráticos no período após a ditadura militar – e em meio a transformações globais –, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) promoveu, no início de 1993, uma série de discussões que culminaram no documento Reflexões sobre a Política Externa Brasileira. O trabalho, publicado há quase três décadas, se aprofundava na relação que a diplomacia deve fazer entre as questões internas e externas na defesa e na promoção do interesse do Brasil, com diagnósticos e recomendações que soam perfeitamente contemporâneos.

Quase 30 anos depois, é possível se debruçar sobre alguns dos temas centrais do documento para entender avanços e retrocessos vividos pela presença do País no mundo no período. De forma marcante, vê-se, no trabalho desenvolvido pelo Itamaraty e na realidade nacional desde então, o quanto instabilidades no cenário doméstico acabam influenciando o papel desempenhado no exterior.

Esta importância do que acontece no ambiente interno para o que acontece com o País no cenário externo é uma constante em análises sobre o status internacional do Brasil. Observadores nas grandes potências frequentemente alegam que a busca por prestígio chega a parecer desconectada da própria realidade, como se o Brasil tentasse ter uma imagem externa melhor do que a existente. Para ser um ator global de peso, dizem, o País precisa ter o que mostrar concretamente, ter relevâncias econômica e política real, o que começaria com o desenvolvimento nacional.

Estava explícito na avaliação do MRE nos anos de 1990: “Não podemos deixar de lado o desenrolar da situação interna”, dizia o documento, argumentando que forças internacionais fogem ao controle local e podem até mesmo atrapalhar a projeção brasileira no mundo. “Nosso posicionamento internacional será, na verdade, mais fruto da superação dos problemas domésticos do que dos desdobramentos da cena global”, explicava.

É claro que esta atenção especial ao que acontece dentro do Brasil não deveria significar o abandono do trabalho de sua promoção e do seu posicionamento no exterior. Este diagnóstico indicava apenas que o alcance de fora seria pautado pelo que acontecesse no País. O sucesso ou o fracasso da situação interna determinaria o sucesso ou fracasso da sua política externa.

A interpretação da política externa explica perfeitamente o que aconteceu no Brasil e na sua relação com o mundo nos últimos 30 anos. Com avanços e retrocessos na política e na economia, a instabilidade regional se refletiu no status internacional alcançado. Foi assim que 1994 e o controle da inflação ajudaram a criar uma boa reputação para o Brasil, mas crises na virada do milênio voltaram a minar o seu prestígio. Foi assim que a consolidação democrática, o crescimento econômico e os avanços contra a desigualdade promoveram o País a “bola da vez” na década de 2000, mas que protestos, impeachment, mais uma crise econômica e ameaças autoritárias voltaram a desvalorizar a “marca” nacional.

Três décadas após o diagnóstico feito pelo MRE, o Brasil precisa tomar consciência da necessidade de organizar a própria casa, para poder obter sucesso fora dela. É preciso corrigir as disfuncionalidades da política que levam a instabilidades, ajustar a presença do Estado na economia para permitir que esta cresça, desenvolver trabalhos que ajudem a lutar contra a pobreza e a desigualdade e atuar para reduzir a violência. Neste momento de tensão, é necessário reforçar todas as garantias à democracia. Só assim o País poderá ter alguma relevância no mundo.

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