Artigo

Um conjunto de esforços para resistir a Bolsonaro

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Por vezes, na história brasileira, a Região Nordeste foi preterida pelos governos centrais. Concomitantemente, essa mesma região tem uma longuíssima história de resistências. Em 2019, mais um ciclo de abandono pelo Executivo federal – e auto-organização para o melhor cuidado de seu povo – se deu.

Ainda em 3 de janeiro de 2019, Bolsonaro, em uma entrevista para o canal de televisão SBT, falou a seguinte frase sobre os governadores da Região Nordeste brasileira: “Espero que não venham pedir nada para mim, porque não sou o presidente deles. O presidente deles está em Curitiba” – naquela época, Lula estava preso na capital paranaense. Em 19 de julho do mesmo ano, Bolsonaro disse: “Daqueles governadores de Paraíba, o pior é o do Maranhão. Tem que ter nada com esse cara” [i]. Em 9 de fevereiro de 2022, Bolsonaro, em um evento na cidade de Jucurutu, Rio Grande do Norte, se referiu a nordestinos como “cabeças-chata” [ii].

Ao longo do governo Bolsonaro, muitas foram as falas em tom pejorativo e xenofóbico em relação à população da região. A reação dos governadores nordestinos a estas manifestações, e a outras tantas indicações de que a região ficaria isolada sob o governo que se iniciava, foi construir o Consórcio Nordeste.

O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste foi criado em 14 de março de 2019 (SANDES-FREITAS et. Al., 2021) [iii], em uma ação pioneira de todos os nove governadores do Nordeste: Belivaldo Chagas (PSD), governador de Sergipe; Camilo Santana (PT), governador do Ceará; Fátima Bezerra (PT), governadora de Rio Grande do Norte; Flávio Dino (do PCdoB no momento da ativação do onsórcio, hoje do PSB), governador do Maranhão; João Azevedo (do PCB no momento da ativação do consórcio, hoje do Cidadania), governador da Paraíba; Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco; Renan Filho (MDB), governador de Alagoas; Rui Costa (PT), governador da Bahia; e Wellington Dias (PT), governador do Piauí. Estes representantes tinham em comum, dentre outras coisas, ideologias políticas próximas e localizadas ao centro e à centro-esquerda do espectro [iv], o que facilitou o alinhamento.

Nasceu, assim, esta interessante experiência nacional, que ficará registrada nos anais da história, cujos objetivos centrais são “atrair investimentos e alavancar projetos de forma integrada (…)”, além de possibilitar “compras conjuntas, a implementação integrada de políticas públicas e a busca por cooperação, também em nível internacional”. (CONSÓRCIO NORDESTE, 2020) [v].

Dentre as frentes de atuação do Consórcio Nordeste, a que mais chamou a atenção foi o conjunto de esforços empreendidos no primeiro e no segundo anos da pandemia de covid-19. Naquele momento, diante da descoordenação federativa, da falta de liderança do executivo nacional, do negacionismo e da conduta anticientificista do presidente da República (SANTANA et. al., 2021), o Consórcio Nordeste construiu um pacote importante de medidas para o enfrentamento da crise sanitária dentro do bloco. Inclusive, foi criado um comitê científico, inicialmente chefiado pelo cientista Miguel Nicolelis e por Sérgio Rezende, ex-ministro da Ciência e Tecnologia, que apresentava recomendações cotidianas para serem seguidas pelos nove Estados para a minimização dos impactos negativos da pandemia. Em dado momento, até insumos médicos foram buscados pelo Consórcio Nordeste para suprir a região [vi].

Enquanto a região Nordeste dava exemplo de coordenação, Jair Bolsonaro ofendia governadores, ignorava demandas estaduais e em nenhum momento construiu uma política pública nacional para a condução do enfrentamento da crise. Os efeitos da descoordenação na luta contra o vírus da covid-19, no Brasil, pelo Executivo nacional, podem ter seus efeitos vistos até hoje – e, certamente, perdurarão por anos. Um exemplo é a completa dissonância nas campanhas de vacinação nos municípios brasileiros. Pode-se ver cidades já aplicando a quinta dose da vacina e, ao mesmo tempo, municípios que ainda estão oferecendo a terceira dose.

O desejo é que o governo que assumirá em 2023 faça mais como o Consórcio Nordeste e nos faça esquecer o pesadelo que vivemos nos últimos quatro anos.


[i] https://www.poder360.com.br/governo/bolsonaro-chama-nordeste-de-paraiba-e-critica-governador-do-maranhao/

[ii] https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/cabeca-chata-bolsonaro-volta-a-usar-termos-pejorativos,6d800174da5eb3beda80420b3bfd1e417bx91dl3.html

[iii] SANDES-FREITAS, Vitor Eduardo; SANTANA, Luciana; GOMES, Fábio; PEREZ, Olívia Cristina.; ALMEIDA, Helga. “O Comitê Científico do Consórcio Nordeste como resposta dos governadores nordestinos à pandemia de covid-19”. In: Luciana Santana; Emerson Oliveira do Nascimento (org.). Governos e o enfrentamento da covid-19. 1ª ed. Maceió: Edufal, 2021, v. 1. 114-127.

[iv] DE Almeida, H. do N., SOUZA , R. M. P. D., & DIAS, M. S. A. (2022). “Elites políticas e o Twitter: um estudo sobre os governadores do Nordeste brasileiro”. Direito, processo e cidadania1(2), 1-28. https://doi.org/10.25247/2764-8907.2022.v1n2. p1-28.

[v] CONSÓRCIO NORDESTE. “O Consórcio”. http://www.consorcionordeste-ne.com.br/o-consorcio/

[vi] SANTANA, Luciana; ALMEIDA, Helga; SANDES-FREITAS, Vítor; PEREZ, Olívia. “A atuação do Consórcio Nordeste e os conflitos com o governo federal: um panorama do enfrentamento à pandemia de covid-19 nos Estados nordestinos”.

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