Um primeiro ministro e um comediante de língua inglesa resumiriam bem os fatos recentes da conjuntura política brasileira. Tony Blair confessa que o poder é como violino: toma-se com a mão esquerda, mas se toca com a direita. Groucho Marx sintetiza a ética na política com um escárnio: esses são os meus princípios, mas, se houver necessidade, tenho outros.
A aliança Supremo, Lira e Lula de votação na Câmara, antes do recesso de julho, tem um simbolismo mais forte do que a decisão de Geraldo Alckmin em aceitar ser vice e possibilitar ao PT enfrentar de forma mais ampla a eleição passada. Como a vitória não foi por nocaute — vantagem de apenas 1,8% do ex-presidente —, a consolidação da governabilidade só veio agora, contando, para isso, com arquivamentos de processos na Justiça e os erros de Bolsonaro, dono de 49,1% dos votos, e de um temperamento incontrolável. No entanto, o que de fato se viu foi o retorno consolidado do modelo político brasileiro e seu letramento e mal-alfabetizado sistema de troca, barganha, compadrismo e uso e desuso de pessoas, fundamentos e ideias de sempre.
Contando com uma oposição centrada no tema desgastado da polarização ideológica, uma base interessada em recursos do orçamento para políticas locais e uma cobertura da mídia sentimental e eufemística, os três poderes puderam se movimentar livremente. Isso permitiu à Câmara dos Deputados colocar uma coroa de flores na cabeça do governo, desautorizando Deus de se surpreender ou condenar. Resta ao Senado continuar a análise de forma acelerada, ou avançar de maneira mais cautelosa. A celeridade da votação na Câmara foi obtida com expediente do voto virtual, concessões a diversos setores mais influentes e um enorme fluxo de recursos que sedimentou as relações do Executivo com o Congresso e chegará, neste ano, no mínimo, a R$ 11,7 bilhões distribuídos aos parlamentares e R$ 19,7 milhões como emendas individuais. O estoque de emendas se constitui no maior volume de dinheiro dado a um ordenador de despesa sem responsabilidade de acompanhar a sua execução. Em troca, a Câmara aprovou a Reforma Tributária sem conhecer detalhadamente o texto e, ainda, concedeu ao Estado a prerrogativa de garantir para si o poder de fazer mudanças desfavoráveis aos contribuintes que têm ação do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Embora esperada e necessária uma Reforma Tributária, ninguém tem condição de dizer com segurança o que vai acontecer com sua vida econômica quando entrarem em vigor as mudanças.
Vista em retrospecto, o cenário cria uma expectativa imediata sobre a sucessão presidencial de 2026 em virtude da reaglutinação de múltiplas forças partidárias, que foram oposição na campanha. Agora, diversos aspectos ideológicos se enfileiram em apoio ao governo. Embora isso restaure o equilíbrio político tradicional brasileiro — sustentado não por princípios ou programas, mas pela distribuição de cargos e verbas —, os interesses eleitorais regionais e municipais contrariados, ou novos, não asseguram estabilidade permanente.
O que parece certo é que terminou a eleição de 2022 sem ninguém saber direito se a economia vai melhorar e quanto de imposto os brasileiros vão pagar.
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