Artigo

Uma moral estranha

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

Nos últimos tempos, venho questionando com certo horror nossa capacidade de indignação com os fatos políticos que se apresentam todos os dias: mais precisamente com a indignação seletiva observada nos mais diversos grupos, independentemente de sua posição ideológica no espectro político. Certas condutas sabidamente imorais (quiçá ilícitas) são toleradas e, não raramente, incentivadas, dentro de certas esferas, muitas delas compostas por pessoas com alto poder aquisitivo, elevados graus de instrução e/ou certa fama ou distinção social.

Explícitos desejos de morte de adversários, elogios à violência alheia, defesa de condutas preconceituosas e o desprezo quanto à fiscalização de trânsito, neste sentido, são exemplos claros (e concretos) de posturas e posicionamentos, verificados em pensamentos, atos e omissões, quase sempre divulgados de forma ampla em redes sociais e declarações públicas, buscando a aprovação de outros que compartilhem a mesma bolha social.

Os agentes de tais condutas dizem ter suporte numa distorção coletiva, a partir de reiteradas mensagens em redes sociais, sobre uma alegada (embora inexistente) interpretação absoluta das liberdades de pensamento e de expressão, que afastaria a imoralidade e a ilicitude das referidas práticas se originadas nos ditos “cidadãos de bem”.     

Sem nenhuma surpresa, também se verifica nos mesmos grupos intensa indignação em relação a tudo que lhe seja diverso, especialmente quando são fatos lícitos e protegidos pela legislação, especialmente pela ordem constitucional, a exemplo de direitos sociais e de grupos vulneráveis. Em suas mentes polarizadas numa lógica do inimigo, tudo seria permitido na defesa de uma moral seletiva e particular, incluindo a disseminação de mentiras, agressões morais e físicas, depredação do patrimônio público e privado.

Por outro lado, defendem severas punições a qualquer pessoa a realizar os mesmos comportamentos, caso não seja integrante de seus grupos ou seja apoiadora de adversários políticos. Seletividade moral e jurídica, o guarda-chuva a permitir o mal escondido num discurso de boas intenções, das quais o inferno está cheio.

Em agosto de 2022, vem a público, por meio da imprensa e de investigações da Polícia Federal, que notórios empresários (que não negam a autoria de textos publicados em redes sociais) estariam supostamente apoiando e tramando a ruptura institucional brasileira por meio de um golpe de estado, a ser concretizado caso derrotado seu candidato no pleito eleitoral deste ano, fundamentando sua moral seletiva numa campanha de “desacreditação” (sem qualquer evidência) de nosso sistema eleitoral e numa cruzada contra o controle exercido pelo Poder Judiciário.

Tais ações, se comprovadas, seriam indícios de fatos extremamente sérios, não amparados pelas liberdades de pensamento e de expressão, que, acaso verificados em ampla e aberta investigação e após o devido processo penal, poderiam, em tese, configurar graves ilícitos criminais (Artigos 286 e 288 do Código Penal e artigo 2º da Lei nº 12.850/13). Defensores de golpes não são patriotas, mas, sim, pessoas muito mal-intencionadas a viver o delírio de sua indignação seletiva.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.

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