Artigo

Urgente, urgentíssima

José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.
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José Mário Wanderley Gomes Neto
é doutor em Ciência Política, mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Integra o grupo de especialistas que escrevem às quartas-feiras na coluna "Ciência Política" da PB.

No fim do ano passado, com o objetivo de equilibrar as contas públicas, o presidente Lula editou a Medida Provisória (MP) 1.202/2023, prevendo a retomada gradual da carga tributária sobre algumas atividades econômicas (17) e a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais, além da volta da tributação sobre o setor de eventos. Na sequência, o Congresso aprovou a Lei 14.784/2023, que, em sentido contrário à agenda do governo, além de prorrogar a desoneração desses setores, diminuiu para 8% a alíquota da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos municípios. 

Em face dessa lei, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.633, em que se questiona a validade de dispositivos da Lei 14.784/2023, e tal processo foi distribuído por sorteio para o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que, de maneira individual (decisão monocrática), concedeu liminar e suspendeu pontos da referida lei, submetendo, posteriormente, a questão ao Plenário, conforme normas regimentais. Na decisão, o ministro Zanin afirmou que a lei impugnada não atendeu à norma constitucional que estabelece que, para a criação de despesa obrigatória, é necessária a avaliação dos seus impactos orçamentário e financeiro, sendo a suposta inobservância dessa condição passível de controle por revisão judicial.

O que chamou a atenção foi o tempo de resposta do ministro relator ao pedido liminar: menos de 24 horas da propositura da ação. Conforme o relatório Supremo em Números (2014), da Fundação Getulio Vargas (FGV), a média de tempo entre o início do processo e a decisão liminar no controle concentrado de constitucionalidade (a mais alta) fica na faixa de 150 dias para Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). A apreciação do caso e o momento das decisões causaram inevitáveis repercussões políticas: um magistrado que tenha formação política, notadamente aquele componente de uma Suprema Corte, indicado por um partido político, e cuja decisão esteja orientada estrategicamente deve estar preparado para sopesar os custos e benefícios de suas decisões e de seus esforços de influência. 

O que o tempo relacionado a esta decisão nos diz sobre o comportamento estratégico do relator? A concessão de uma liminar, em um espaço de tempo de tramitação e análise muito abaixo da média do Tribunal e, mais precisamente, da média do próprio relator, reduzindo o tempo esperado (contado em dezenas de dias) para uma surpreendente resposta imediata (contada em horas), mostra a sua preocupação em atender a uma suposta urgência da própria decisão. Pontos fora da curva (outliers) representados por processos cujas decisões ocorreram em prazos de tempo notadamente mais lentos, ou muito mais rápidos em comparação à média dos demais de mesma natureza, são produtos de estratégias decisórias consideradas no momento do julgamento. 

“O Supremo seria um tribunal político não apenas porque concorda ou discorda do Executivo ou do Congresso. Mas porque controla o tempo de concordar e discordar.” 

Joaquim Falcão, 2015, p.93.

A própria definição subjetiva do que seria urgência é fruto de um desenho institucional que ainda promove a atuação individualizada dos membros da Corte Suprema, apesar dos reconhecidos esforços para a promoção da colegialidade.

Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem a opinião da PB. A sua publicação tem como objetivo privilegiar a pluralidade de ideias acerca de assuntos relevantes da atualidade.