Artigo

Visões do declínio

Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.
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Daniel Buarque
é pesquisador de Relações Internacionais no King’s College London (KCL), jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de Brazil, um país do presente.

O País que, um dia, foi visto como agregador, construtor de pontes entre os interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento vê seu papel internacional encolher desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder. Nos últimos anos, o Brasil se distanciou da agenda internacional de reformas das instituições multilaterais, deixou de colocar-se como solução para problemas e modificou suas posições em fóruns internacionais dedicados à promoção dos direitos humanos, do desenvolvimento social e da preservação ambiental.

A avaliação é apresentada pelo livro O Brasil visto de fora: os think tanks e as representações sobre o Brasil num mundo em mudança (2000-2020)”[1], organizado pelos pesquisadores Eduardo Munhoz Svartman e Luciana Wietchikoski e lançado neste mês pela fundação alemã Konrad Adenauer. A obra avalia como o Brasil é visto pelos think tanks (expressão em inglês que significa laboratório de ideias) das principais potências europeias e asiáticas, assim como o papel que essas instituições atribuem ao Brasil.

O trabalho é um importante retrato da percepção externa sobre o Brasil, afinal os think tanks são organizações fundamentais no debate público global. Essas instituições promovem ideias e agendas políticas específicas, com o objetivo de influenciar a formulação de políticas públicas em seus países. Ademais, fornecem recomendações específicas tanto ao setor público quanto ao privado.

Segundo o livro, em todos os países em que se analisou a forma como as instituições de produção de conhecimento interpretaram o Brasil ao longo das últimas duas décadas, é evidente que a projeção brasileira perdeu impulso desde 2014, e foi significativamente alterada com a eleição de Bolsonaro.

O capítulo sobre a União Europeia, por exemplo, diz que a produção discursiva dos institutos europeus é unânime quanto ao desgaste crescente do relacionamento mútuo ao longo dos últimos anos. O Brasil de Bolsonaro é visto como ente desestabilizador na região e no conjunto de espaços da política internacional que o País pretende ocupar.

Os think tanks europeus citam problemas como a política antiambiental perseguida na Amazônia, a postura negacionista diante da pandemia de covid-19 e o incremento de expedientes autoritários. “O Brasil não é mais visto como parceiro estratégico à altura dos olhos, mas sim como zona de influência em um contexto de disputas geopolíticas e como agente desestabilizador – ou ‘potência do caos’ – na região”, pontua os institutos europeus.

A avaliação de institutos de pesquisa britânicos não é muito diferente. A postura histórica de Bolsonaro e sua campanha indicam que ele afeta a situação do Brasil em diferentes áreas, segundo o capítulo que trata dos think tanks do Reino Unido (do qual sou coautor ao lado de Vinícius Mariano de Carvalho, diretor do Brazil Institute, do King’s College London).

Por um lado, Bolsonaro cria preocupação por conta da ruptura com a bem-sucedida postura histórica de proteção ambiental e liderança no combate ao aquecimento global. Além disso, o capítulo aponta a percepção de que a democracia vem sendo solapada desde a chegada de Bolsonaro ao poder.

Na Rússia, o cenário não é diferente. Instituições de pesquisa veem o Brasil mais alinhado aos Estados Unidos desde o impeachment de Dilma Rousseff, o que indica um afastamento de Moscou. “A ascensão de Bolsonaro fez com que a democracia brasileira passasse por um processo de ‘metamorfose’”, apontam os russos. “Após três décadas de regime democrático, o Brasil resgatou seu passado autoritário”, segundo o capítulo sobre o país.

As relações com a China também tomaram novo rumo no governo Bolsonaro, segundo a avaliação de think tanks chineses, destacando que, desde a campanha, o presidente brasileiro proferiu discursos críticos em relação à nação asiática.

Sob Bolsonaro, segundo os institutos chineses, o Brasil adotou uma visão ideológica de extrema direita e se retirou de compromissos multilaterais de governança global. Isso levou a um período de muita instabilidade e incertezas políticas e econômicas, com forte impacto na democracia. “Registra-se um grande retrocesso na estrutura institucional, que coloca em risco a preservação ambiental e a sobrevivência dos povos indígenas”, diz.

Essas avaliações críticas de think tanks internacionais ajudam a moldar a política externa de potências importantes para os negócios brasileiros. A percepção de retrocesso do País atrapalha a projeção do Brasil no mundo.


[1] https://www.kas.de/pt/web/brasilien/einzeltitel/-/content/brasilien-von-aussen-betrachtet

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