Notícia é verdadeira – ou não é notícia

01 de agosto de 2022

Fake news. Notícias falsas. Mentiras. Boatos. Desinformação. Algoritmo. Jornalismo. Opinião pública. Democracia. Guerra. Há alguns anos, somos “inundados” cotidianamente, diuturnamente, globalmente, cobertos, afogados, alimentados, por dados. Esta torrente de informação carrega uma forma contemporânea de mentira, chamada, inapropriadamente, de fake news (usa-se a expressão em inglês, como, aliás, usávamos internet e web).

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É difícil nos livrarmos delas. Até porque, fake news, muitas vezes, não parecem… fake. Uma notícia, por definição, não deveria ser “falsa” –, mas, muitas vezes, é um “simulacro” de notícia. Parece verdadeira, só que… Pior. Ela se espalha, como um vírus. Um vírus que usa a palavra e a comunicação para se espalhar, em vez do ar. E que mata. Mais do que isso: ela não “se espalha”, ela é “espalhada”. Fake news não vagam pelo ar como uma proteína viral. Elas procuram seus hospedeiros – e encontram. São criadas para atingir suas vítimas (seu “público”). Em se tratando de fake news não há seleção natural. É tudo de propósito.

A jornalista, pesquisadora e escritora Magaly Prado estuda esta epidemia, pelo menos, desde 2017, quando preparou um curso sobre redes sociais, formas de monitorá-las e analisá-las. As fake news já eram famosas, já haviam tomado de assalto as redes e as trocas que estes meios favoreciam – e já haviam, a essa altura, ajudado a fazer vencer determinadas posições políticas, partidos, candidatos.

Viraram tema das discussões no grupo – e se tornaram o foco de um livro que Magaly acaba de públicar, Fake News e Inteligência Artificial – o poder dos algoritmos na guerra da desinformação, lançado pela Almedina Brasil. A obra, de mais de 400 páginas, esmiúça esta perversão do nosso tempo, apresenta suas formas, seus caminhos, seus objetivos. Conta sua história. O que, certamente, não é pouco.

Não, não é pouco: é um apanhado absolutamente necessário – ainda mais se pensarmos que estamos a pouco mais de dois meses de uma eleição geral. Uma eleição em que as formas “antigas” de apresentar candidatos, propostas e plataformas políticas parecem ultrapassadas; aliás, “parecem” não é a palavra: estão ultrapassadas. Estamos, os mais de 150 milhões de eleitores brasileiros, imersos em um oceano de (des)informação. E como lembra a autora, “a desinformação corrói por dentro as instituições do Estado Democrático de Direito, assim como vai minando, de modo consistente, a confiança das pessoas nas referências estabelecidas do saber, da justiça, da liberdade e da verdade factual.” Precisamos acordar. O livro de Magaly ajuda neste esforço mais do que necessário.

Exagero? Estamos (tomara!) no final de uma pandemia global e mortal: quantos não morreram porque foram, propositadamente, mal informados sobre a doença, seu vetor, suas formas de transmissão? Quantos não morreram porque se sentiram seguros – “bom, se eu adoecer, há remédio, certo? Cloro qualquer coisa, certo? Tomo uns comprimidos e ‘záz’!”? Quantos não adoeceram e morreram sem nem saber por quê?

A pandemia de covid-19 é um momento único: uma doença mortal e global, espalhada pelo ar – e pela desinformação. Notícias falsas, disseminadas de propósito, para criar uma falsa sensação de segurança e, com isso, reduzir o impacto econômico (e político) da doença. A mentira, neste caso (e em muitos outros, como mostra a autora), não é qualquer mentira, espalhada por qualquer meio, para atingir qualquer pessoa. Neste caso, como em muitos outros (eleições nos Estados Unidos, Brexit, guerras…), grupos de pessoas receberam pacotes de informação customizados, desenhados para… confundir.

As FN existem, em sua forma presente, porque vivemos em um mundo de dados e algoritmos. Existem porque compartilhamos, somos atingidos por algo que parece dizer respeito a nossas crenças e, desta forma, “imbuídos da sensação” de termos recebido uma informação verdadeira, a espalhamos.

Dirão, os céticos, que isso acontece desde que o mundo é mundo. Vamos lá: a mentira existe desde sempre (a própria Magaly lembra de uma das mais famosas fake news de todas as épocas, os protocolos dos sábios do Sião). Mas a mentira atual parece ainda mais sedutora. Há vários tipos de falsidade: as fake news (ou FN) são várias. Um estudo citado, de 2017, classifica as FN como “sátira de notícias, paródia de notícias, fabricação, manipulação, publicidade e propaganda”; cada uma dessas categorias engana à sua maneira.

A apuração vai além da simples categorização – e do desvelamento – das FN e de como elas são criadas e distribuídas; trata, também, de forma crítica, das plataformas que mantêm as redes, Facebook, Twitter, Google, as big techs do mundo, que, como lembra a autora, “vão continuar a existir, monopolizando, noves fora, reforçando o capitalismo de dados”. As FN existem, em sua forma presente, porque vivemos em um mundo de dados e algoritmos. Existem porque compartilhamos, somos atingidos por algo que parece dizer respeito a nossas crenças e, desta forma, “imbuídos da sensação” de termos recebido uma informação verdadeira, a espalhamos. 

Este movimento do poder (do Estado e do capital) é, de certa maneira, alimentado por nós mesmos, reforçando a onipresente ideologia do dataísmo, expressão que, afinal, resume parte do presente: vivemos, nós, homo data, em permanente exposição – de nós mesmos, de nosso modo de vida, de nosso cotidiano, de nossas opiniões, de nossas ações, omissões, falhas e acertos. Vivemos nos expondo. E há quem se aproveite disso, afinal. Magaly Prado não é muito otimista quanto ao futuro. Considera, com razão, que o contínuo fornecimento de dados, atrelado à Inteligência Artificial cada vez mais onipresente, veio para ficar. Ela não é otimista. Mas é crítica. E este já é um grande passo.

Marco Chiaretti Paula Seco
Marco Chiaretti Paula Seco