Em 2015, a Associação dos Apicultores do Vale do Ribeira (Apivale) ia fechar. “Estava tudo caindo aos pedaços, apodrecendo. Quando íamos beneficiar o mel, as abelhas invadiam e tínhamos de sair correndo”, lembra Joaquim Coelho Filho, presidente da Apivale. Felizmente, uma parceria mudou tudo.
Depois de cinco anos atuando em marcha lenta e com um caro maquinário subutilizado, a Apivale foi selecionada, em 2018, para integrar o Programa ReDes para o Desenvolvimento Sustentável (ReDes), acordo de cooperação técnica entre o Instituto Votorantim e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A iniciativa, batizada de “Projeto Mel do Vale”, ajudou a Apivale na reforma da Casa do Mel e também na aquisição de móveis e utensílios, entre eles, novas colmeias. “O ReDes foi essencial para agregar profissionalismo, além de noções de regulação e contabilidade aos cooperados. Agora, estamos trabalhando de forma mais profissional, nos tornando mais unidos também”, afirma Coelho Filho.
Com sede em Juquiá (SP), a Apivale conta com 30 associados e conquistou renda de R$ 96,5 mil em 2019, com a produção de 8,2 toneladas de mel silvestre. A expectativa é de que a produção alcance 10 toneladas na próxima colheita. Com a finalização da reforma do imóvel e os ensinamentos de gestão de negócios proporcionados pelo programa, o grupo busca, agora, o atendimento às exigências legais do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que vai dar aos apicultores maior facilidade para a venda do produto, tornando a produção apícola uma nova força econômica regional e uma alternativa à cultura da banana, que domina a paisagem do Vale do Ribeira, região mais pobre do Estado de São Paulo.
Além do impacto econômico, a produção de mel em conjunto com o trabalho de polinização das abelhas também fortalecem a vocação ambiental da região, contribuindo para a preservação da Mata Atlântica, cuja maior área contínua remanescente se encontra justamente no Vale.
O presidente conta que a associação já passou a ser mais procurada por produtores que querem se associar, e por outros que desejam voltar à Apivale, além de compradores de mel da região e da capital paulista. “Alguns fabricantes, que tinham deixado a associação, ficam sabendo que retomamos a produção e que temos bons parceiros; então, pedem para voltar, já outros estão começando a ouvir falar do apiário.”
Por enquanto, cada apicultor comercializa e vende o produto direto ao consumidor. Com a obtenção da certificação do SIF, o objetivo é que os associados passem a vender de forma conjunta. “Pode ser que vendamos mais barato, mas o dinheiro vem mais rápido, de uma vez só, e conseguimos investir”, diz Coelho Filho. Com o dinheiro em mãos, a ideia é aumentar a capacidade produtiva, ampliando a Casa do Mel, modernizando maquinário mais antigo.
O projeto Mel no Vale do Ribeira – que é ligado ao Legado das Águas, reserva ambiental, com mais de 31 mil quilômetros localizada entre os municípios de Juquiá, Tapiraí e Miracatu (SP), administrada pela Votorantim – é um dos 33 beneficiados atualmente pelo ReDes. Desde o início da parceria, em 2010, 69 projetos passaram pela iniciativa.
O projeto é voltado às localidades com baixos indicadores econômicos e alta vulnerabilidade social, inseridas na área de influência das empresas que fazem parte da Votorantim – holding investidora que faz a gestão de seis empresas no Brasil, entre elas a Votorantim Cimentos, a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) e o Legado das Águas, em um negócio que abriga 536 unidades operacionais e emprega 36 mil pessoas.
“O objetivo é apoiar os municípios em suas estratégias para buscar potenciais de desenvolvimento nas localidades, com a geração de renda e a inclusão de populações que não estão no mercado de trabalho”, explica Ana Bonimani, gerente de gestão de programas do Instituto Votorantim. Atualmente em operação em 36 municípios distribuídos em 14 Estados do País, o ReDes já recebeu investimento de R$ 87 milhões. Até o fim de 2020, o aporte deve chegar aR$ 100 milhões, divididos igualmente entre o BNDES e a Votorantim.
Mais de 2,5 mil famílias, agrupadas em 69 projetos, já foram beneficiadas em áreas como as de comércio e serviços, economia criativa, reciclagem e abastecimento alimentar (projetos de pesca, agricultura familiar, avicultura, laticínio e apicultura). A renda gerada pelas cooperativas que integram o programa já atingiu R$ 43 milhões, montante que movimenta a economia das regiões.
Para a executiva da Votorantim, a parceria com o banco de fomento é essencial por causa da expertise da instituição em identificar associações, cooperativas ou trabalhadores que já produzam, mas que não tenham estrutura ou experiência para gerir ou montar um negócio viável e lucrativo.
“A Votorantim acredita muito em parceria, tem histórico de parcerias com o setor público e também privado, em trazer atores que tenham outras competências, que possam agregar valor”, disse ela. Ana ainda ressalta que o BNDES, por exemplo, já tinha bagagem em projetos de capacitação e ajudou a Votorantim a entender o que podia ou não dar certo, além de também compartilhar com o instituto sobre a vontade em trabalhar com inclusão produtiva. “A experiência em outros projetos apoiados pelo banco contribui para trazer aprendizados para a parceria, bem como em eventuais sinergias com políticas públicas”, avalia Julio Leite, superintendente do BNDES.
Desde 2015, o programa também conta com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que ajudou a aprimorar as ferramentas de gestão, os processos e as metodologias de trabalho. A instituição financeira internacional tem tradição em apoiar iniciativas em países latino-americanos para reduzir a pobreza.
A junção das três organizações foi fundamental para o programa alcançar números considerados tão significativos, como a taxa de sustentabilidade de 62% [perspectiva de perenidade do negócio após término do apoio].“É uma taxa muito alta quando comparada a projetos semelhantes que, depois de muito investimento, viraram ‘elefantes brancos’”, diz Ana. O objetivo do ReDes é apoiar os projetos por períodos que variam de três a cinco anos, dando o suporte necessário para que, depois deste intervalo de tempo, as cooperativas caminhem sozinhas.
Coobec participou do projeto, via Votorantim Cimentos, entre 2013 e 2016
Foi o que aconteceu com o projeto Itacastanha, no município de Itabaiana, no agreste sergipano, que envolveu a Cooperativa dos Beneficiadores de Castanha (Coobec). Por meio da Votorantim Cimentos, o ReDes lá aportou em 2013, deixando o projeto em 2016. Nesse ínterim, ocorreuaconsolidação da nova sede, além da compra de novo maquinário e equipamento de segurança.
O programa proporcionou à comunidade do povoado do Carrilho autonomia no sistema de beneficiamento da castanha-de-caju por meio da mecanização, da otimização de processos, da diversificação e da padronização do produto final.
“O apoio foi muito importante, já que não tinha nenhuma experiência como gestora, mas tinha boa vontade. Eu entendia da quebra da castanha, mas nada de como fazer a gestão de um negócio, mesmo assim, o ReDes conseguiu abrir minha mente e me capacitar para comandar a cooperativa”, diz Maria Cristina da Silva, presidente da Coobec, que revela que aprendeu, com os consultores técnicos do programa, noções de prestação de contas, participação em licitações e remanejamento de recursos. “Eles até participavam e nos ajudavam nas reuniões de negócios.”
“A nossa produção era toda de fundo de quintal. Com as consolidações da nova sede, do maquinário e do equipamento de segurança, os cooperados atuam de forma mais segura em melhores condições de trabalho”, comenta Maria Cristina, que atua com castanha-de-caju desde cedo, aos 7 anos de idade. Na época que foi trabalhar na prefeitura, seus seis irmãos continuaram quebrando castanha no quintal da mesma maneira, sentados no chão, sem itens de proteção (como luvas e botas), usando paus e pedras para retirar a amêndoa da castanha. “Então, meu foco sempre foi o de fazer algo para ajudar tanto a comunidade como a vida da minha família, que sofreu muito com atravessadores no processo da castanha”, conta Cristina, que, atualmente, tem dois irmãos trabalhando na cooperativa – esta que conseguiu eliminar a figura do atravessador, pois, hoje, compra as castanhas diretamente de fornecedores de Estados que plantam o caju, como Bahia e Piauí. Ao todo, 28 pessoas trabalham na Coobec, que registrou renda de R$ 229 mil em 2019, conseguiu melhorar a renda média dos associados (atualmente em R$ 700 ao mês, por família) e conquistar novos mercados, como a capital Aracaju (SE). A cooperativa, que fabrica artesanalmente cerca de 2 toneladas de castanhas por mês, também passou a vender para a rede de supermercados GBarbosa, que conta com lojas nos Estados de Sergipe, Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco. Por três anos, a cooperativa também vendeu para a rede Pão de Açúcar, como parte da iniciativa Caras do Brasil. “Estamos trabalhando para voltar a vender para a rede.”