A instituição, que une tecnologia e tratamento integral e humanizado, inaugura escritório de inovação e planeja novas unidades para ampliar o atendimento.
Saúde, ensino e pesquisa de excelência em um só lugar? Existe e fica no Brasil, mais precisamente em Curitiba, no Paraná. O Complexo Pequeno Príncipe, que comemora o seu centenário, reúne hospital e faculdades, além de instituto de pesquisa. Referência no atendimento pediátrico no País, conta com 2,6 mil colaboradores, oferecendo 32 especialidades médicas, de dermatologia e gastroenterologia a cardiologia e oncologia, passando por tanto por genética médica como medicina do adolescente.
O objetivo da instituição, que une tecnologia e tratamento integral e humanizado, é praticar, ensinar e pesquisar o que há de mais moderno tanto para o diagnóstico como para o tratamento de crianças e adolescentes. Para manter a excelência e ampliar este trabalho, o complexo acaba de inaugurar um escritório de inovação, com o planejamento de novas unidades para aumentar a capacidade de atendimento.
A história de sucesso teve início em 1917, quando um grupo de mulheres curitibanas, do então Grêmio das Violetas, soube da condição de crianças que não tinham acesso à saúde e resolveu se organizar para oferecer consultas médicas a famílias de baixa renda, o que culminou com a fundação do Hospital das Crianças, em 1919. Na época, Curitiba sofria com a falta de saneamento básico e mortes de crianças por doenças como infecções gastrointestinais, coqueluche, sarampo e sífilis hereditária. Atualmente, o Hospital Pequeno Príncipe (HPP) é considerado o maior centro pediátrico do Brasil e realiza 21 mil cirurgias, 300 mil atendimentos ambulatoriais e 900 mil exames por ano.
A participação feminina permeia toda a história da instituição. O pioneirismo do Grêmio das Violetas teve continuidade no trabalho de Ety Gonçalves Forte, conhecida como dona Ety, presidente voluntária do hospital. Com 82 anos, a artista plástica e ceramista é voluntária há 54 anos. “É gratificante saber que toda a energia depositada em mais de cinco décadas se transformou em vida para as milhares de crianças que já atendemos, além de dar esperança para tantas outras que virão. Que essa energia está nos corredores e em cada colaborador, que diariamente põe em prática esse jeito único de ser e fazer Pequeno Príncipe, com cuidado técnico e humanizado com muito amor”, destaca dona Ety, cuja filha, Ety Cristina, seguiu os passos da mãe e é a diretora-executiva da instituição.
A instituição foi pioneira com ações como o Programa Família Participante, que trouxe os familiares para acompanhar os filhos durante o tratamento, ainda nos anos de 1980. “Quando não estamos bem, não tem nada melhor do que ficar junto às pessoas que mais amamos e confiamos. Por isso, em 1980, nós ousamos e trouxemos o familiar para ficar dentro do hospital com o seu filho, coisa que ainda não acontecia em nenhum outro hospital. Não foi muito fácil. Alguns profissionais tinham certeza de que seria péssimo para o tratamento, que teríamos mais infecção hospitalar. Na prática, o que aconteceu foi o contrário”, recorda dona Ety.
Introduziu também, de forma inédita, nos quartos e corredores, a oferta de atividades de educação (como acompanhamento escolar feito por professores contratados pelo hospital, além de educadores cedidos pelo Estado e pelo município) e culturais, em vários projetos e oficinas artísticas.
Maior centro pediátrico do País, hospital realiza 21 mil cirurgias/ano
Mas nem tudo é um “mar de rosas” (ou violetas…) na história centenária da instituição. Quando foi conhecer o hospital depois de tomar posse, em 1966, dona Ety, na época uma socialite de Curitiba, tomou um choque. “As instalações eram péssimas, a poeira estava acumulada. Um hospital não podia ser assim. Limpeza era a primeira coisa a se fazer. Junto com freiras e funcionárias, esfregamos todo o assoalho, porque se não fizéssemos, não teria quem fizesse”, lembra.
As doações de pessoas físicas, jurídicas e do Poder Público representam 19% da receita da instituição, cujo orçamento atinge R$ 300 milhões por ano. A gestão é feita pela Associação Hospitalar de Proteção à Infância – Dr. Raul Carneiro, uma instituição filantrópica –, e 70% da capacidade de atendimento são destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
No entanto, os repasses do SUS cobrem apenas pequena parcela das despesas. Para cada R$ 100 gastos com procedimentos, o SUS reembolsa R$ 60, segundo dado da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná (Femipa). A instituição inicia todo ano com a necessidade de captar R$ 35 milhões para continuar operando. A fim de obter recursos, uma das alternativas são as parcerias com o setor privado, bem como a captação de dinheiro via leis de incentivo.
A presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Luciana Rodrigues Silva, enaltece a posição do Complexo Pequeno Príncipe de atendimento público a crianças e adolescentes. “No Brasil, o atendimento na rede pública ainda não observa em todos os locais os princípios e as diretrizes que moldam o SUS: equidade, integralidade e qualidade. Felizmente, podemos contar com ilhas de excelência, como o Pequeno Príncipe, uma das referências para o País quanto ao atendimento de crianças e adolescentes. O trabalho realizado pela equipe coordenada pelo médico Donizetti Giamberardino é inspirador e nos faz acreditar ser possível, dentro do SUS, fazer a diferença positivamente.”
A médica neurologista Célia Roesler não esquece a experiência que teve com o Hospital Pequeno Príncipe, em 1985. O seu filho, Ricardo, então com 12 dias de vida, foi diagnosticado com anemia hemolítica, que ocorre quando o sistema imunológico identifica erroneamente os próprios glóbulos vermelhos como corpos estranhos, desenvolvendo anticorpos que atacam as hemácias, destruindo-as muito prematuramente. Célia e Ricardo ficaram hospitalizados por dez dias no HPP, e o bebê precisou colher sangue e receber transfusões diárias de concentrado de hemácias. “Fomos muito bem atendidos, com muito carinho por parte do corpo de enfermagem e do pediatra, muito atencioso. Foi uma experiência dolorosa, é claro; fiquei muito aflita por causa da recuperação do meu filho, mas ele saiu muito bem de lá. Não é à toa que o Pequeno Príncipe é uma referência no atendimento pediátrico”, lembra Célia, que é diretora da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) e da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e membro da International Headache Society.
Pamella Daline Fonseca Rodrigues, gastroenterologista pediatra, fez residência durante dois anos no HPP, de março de 2018 a fevereiro de 2020. O que chamou a atenção para querer estudar e trabalhar no complexo foi a junção de dois aspectos da instituição: o lado humano integrado ao investimento em pesquisas e estudos científicos. “É um hospital que preza muito o cuidado com o paciente. Enquanto ele está tratando sua enfermidade, os estudos não são deixados de lado e há sempre pedagogos, oficinas de teatro, leituras e brinquedotecas”, destaca.
CPP oferece o que há de mais moderno para tratar crianças e adolescentes
Apesar de toda a história centenária, o Complexo Pequeno Príncipe olha para o futuro. Entre as inovações mais recentes, estão o robô de telepresença [máquinas com controle remoto sobre rodas com câmeras e tela de tablet], utilizado para sessões de telemedicina com os pacientes internados, e o Centro de Simulação Realística, para formação continuada e atualização profissional. O Laboratório Genômico, que garante diagnóstico e tratamentos mais precisos, é outro projeto em andamento.
O mais novo desafio foi a criação do escritório de inovação, inaugurado em agosto de 2020, que atenderá aos três espaços do complexo: hospital, faculdades e instituto de pesquisa. A novidade foi impulsionada pelo físico e pesquisador Sérgio Mascarenhas.
“A intenção é potencializar a nossa capacidade de inovação em saúde para cuidar e proteger a vida. Buscando nos manter alinhados às melhores e mais avançadas práticas realizadas em outras instituições pioneiras no Brasil e no exterior, e também, com elas, estabelecer parcerias”, explica o consultor de inovação Guilherme Rosso, responsável por liderar o desenvolvimento da estratégia de inovação em saúde do complexo. A equipe do novo escritório está montando um radar de tecnologia para ir em busca de startups que possam contribuir no contexto de saúde, tendências e inovação tecnológica.
Dona Ety acompanha de perto todos os planos da instituição à qual dedicou mais de meio século, entretanto, em razão da idade, não passa mais todos os dias no Pequeno Príncipe. “Mas meu coração continua batendo tão forte quanto da primeira vez que pisei ali. Minha paixão dura a vida toda. Depois de mais de cinco décadas, eu só tenho a agradecer a tudo e todos que se dedicam a esse lugar tão especial”, diz a presidente voluntária da instituição.