Nas festas juninas, nunca pode faltar — apesar de ser sucesso o ano inteiro. Geralmente é doce, mas nasceu salgada, como método de conservação. Estamos falando da paçoca, também chamada de paçoquinha, a irresistível guloseima à base de amendoim, em rolha ou bloquinhos retangulares que esfarelam na boca. A sua origem tem todos os ingredientes do passado colonial brasileiro. Primeiro, porque a técnica, ancestral, remete aos povos originários: pa’soka é uma expressão do tupi que significa “esmigalhar com a mão”. “Era um preparo de farinha e carne no pilão”, conta a confeiteira e empresária Mara Angelo Gasquez, conhecida como Mara Cakes e fundadora da Mara Cakes Fair, considerada a maior feira de confeitaria das Américas.
Professor de Gastronomia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, o chef Maurício Lopes explica que a “técnica indígena foi sendo adaptada pelos tropeiros”. Esses europeus que empreendiam expedições pelos então pouco conhecidos interiores do território nacional, conquistando e desmatando áreas, aprisionando e muitas vezes matando indígenas, aprenderam com os povos originários a mistura e viram nesta uma solução para conservar os alimentos durante os longos períodos longe de suas bases. A fórmula, então, partia de um produto importante para a alimentação daquela população: a farinha de mandioca. “O seu uso, como conservante de carnes e frutos, é um produto brasileiro, não muito comum em outros países”, comenta Lopes. “Prepara-se no pilão, em todo o Brasil, primeiro, com carnes — como carne seca, charque e carne de sol — e farinha de mandioca. Foi evoluindo como técnica de conservação para outros ingredientes, como castanha-do-pará, castanha-de-caju e, o mais comum, o amendoim. Com farinha de mandioca e açúcar, ou também rapadura”, acrescenta o chef.
As vantagens para os tropeiros eram muitas, já que se tratava de um “alimento salgado, fácil de fazer, com nutrientes e leve para ser levado por muitos dias de caminhada”, lembra Mara. “Com o passar do tempo, a receita original foi adaptada, por meio da introdução do amendoim, até chegar ao doce como conhecemos hoje”, diz a empresária. “O processo sempre foi simples: amendoim torrado e moído, que se transforma em uma pasta. Logo depois, a farinha de mandioca e o açúcar são adicionados, misturados, formando a farofa com a textura ideal”, ensina. Claro que a receita foi ganhando variações. Algumas famílias usavam a farinha de milho, em vez da de mandioca, por exemplo. Logo a versão doce da paçoca caiu no gosto popular e alçou o quitute ao estrelato das festas juninas. “Está na tradição popular das festas e remete à memória, aos momentos da infância”, avalia Mara. “As festas juninas, principalmente no Sudeste e No nordeste, colocam a paçoca de amendoim torrado, farinha de mandioca e açúcar como uma iguaria, ao lado de outras receitas típicas, como a canjica de milho doce”, completa o chef Lopes.
Foi a partir dos anos 1950 que o produto passou a ser industrializado, conforme relata o professor do Mackenzie. No rótulo das principais marcas comercializadas atualmente, a composição foi simplificada: saiu a farinha e ficaram apenas amendoim, açúcar e um pouco de sal. “Para facilitar o transporte e o consumo, a paçoca passou a ser compactada e embalada no formato de rolha, embrulhada em papel, em porções individuais. Mas sempre que apertamos a paçoca, ela deve desmanchar, virando uma farofa novamente. Por isso que não deve ser muito gordurosa”, afirma Lopes.
O sucesso é praticamente restrito ao Brasil. Mari compara com a pasta de amendoim norte-americana e acha que a paçoca não caiu no gosto internacional “por ter um sabor mais forte”. Contudo, lembra que, assim como a pasta, a brasileiríssima paçoca também é usada como fonte de energia para ciclistas e atletas de outras modalidades. E, claro, como em tudo na cozinha, não há limites para a criatividade. “Hoje, há receitas muito versáteis com paçoca: de doces cremosos a pavês e bolos”, exemplifica a confeiteira.