Surpresa, estranhamento e um bocado de medo. Geralmente, essa é a combinação das reações expostas de turistas europeus quando vêm ao Brasil pela primeira vez e percebem que, sim, a maior parte dos chuveiros do País é aquecido por eletricidade. Mesmo que, à primeira vista, a combinação possa parecer perigosa, especialistas garantem que a solução é totalmente segura. E, bem, o fato de estarmos vivos é uma evidência incontestável de que eles têm razão — pelo menos na lógica da sabedoria popular.
O estranhamento tem suas razões, já que o item — ao menos, na versão atual, uma invenção brasileira — é raridade em países de clima mais frio. “Essa solução [o chuveiro elétrico] é adotada em vários países da América do Sul”, diz o físico Fábio Raia, professor de Engenharia Elétrica na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele comenta que até existem chuveiros elétricos na Europa, sobretudo no Reino Unido, onde há “uma regulamentação bastante exigente”. “Mas o uso é pouco difundido no resto do mundo, em razão da sua limitação em aquecer a água quando esta está abaixo de 15 graus Celsius”, explica.
“Para esses lugares, com temperaturas congelantes, os chuveiros precisam ter potências elevadas para aquecer a água sob demanda até por volta dos 40 graus, temperatura considerada relaxante para um banho. Nessa situação, o chuveiro exige potência elevada com maiores correntes, fios com bitolas maiores. Isso encarece o produto e onera a conta de energia”, contextualiza. Por isso, em países de clima mais frio, outras maneiras de aquecer a água são mais adequadas. Hoje em dia, as casas costumam contar com boilers (reservatórios térmicos) que preaquecem determinada litragem da água e, isolados, conseguem manter esse estoque na hora do banho. O funcionamento dessas caldeiras pode variar. Ainda há predominância do uso do gás, mas já existem muitas residências que contam com placas de energia solar que dão conta do processo. A energia elétrica também é uma alternativa — atualmente, em alguns países europeus, a sua relação entre custo e benefício é melhor do que o gás.
Mas, afinal, o chuveiro elétrico foi mesmo uma invenção brasileira? Em programa veiculado pela Rádio USP, o engenheiro eletricista Fernando de Lima Caneppele, professor na Universidade de São Paulo (USP), contou toda essa história. “O chuveiro elétrico foi inventado por um brasileiro”, pontuou ele. Os méritos cabem a um engenheiro de Jaú, no interior paulista: Francisco Canhos Navarro (1914–1988). Em 1927, ele criou o primeiro sistema do tipo em sua pequena oficina particular. “A ideia surgiu a partir da intenção de se recorrer à rede elétrica como meio de aquecimento da água, diferentemente do que se tinha na Europa”, afirmou Caneppele, ressaltando que “os primeiros chuveiros tinham funcionamento muito semelhante aos atuais, com o aquecimento de uma resistência que aquece a água”.
Segundo o professor, o problema era que a maneira como a resistência era feita “aquecia de forma repentina a água”, e “esse aquecimento repentino era fruto do alto ponto de fusão dos metais utilizados”. Isso acabava representando “um grande perigo aos usuários e a possibilidade de causar queimaduras”, disse Caneppele. “Além disso, o isolamento dos condutores elétricos era feito de forma inadequada, causando choques”, completou. Nos anos 1930, o invento se popularizou. “Como o Brasil passava por um grande processo de urbanização, isso facilitou a expansão da ideia”, comentou.
Vale ressaltar que, à época, já havia algumas engenhocas que usavam eletricidade para esquentar água. A grande sacada do invento de Navarro foi tornar o processo mais simples e seguro. “Ele criou o primeiro chuveiro a operar de forma automática, esquentando ao se abrir o registro da água”, afirmou o engenheiro eletricista, no programa da Rádio USP. Ainda segundo o o professor, foi exatamente isso que acabou dando ao jauense a fama de “inventor” do aparelho — e essa automatização, claro, aumentou a sua segurança.
Raia, do Mackenzie, confirma. “Aqui, tornou-se popular e seguro graças a modificações introduzidas pelo engenheiro elétrico de Jaú”, afirma. Mas ele ressalta que a engenhoca, “como conhecemos atualmente, sofreu várias modificações, percorrendo um longo caminho”. De acordo com o físico, nos anos 1920, quando a Inglaterra enfrentava um cenário de escassez energética após a Primeira Guerra Mundial, muitos passaram a recorrer a “um dispositivo que utilizava resistências elétricas” para aquecer a água. “Esse instrumento usava resistências elétricas feitas com material de alto ponto de fusão que, quando ligadas à eletricidade, realizavam a transferência de calor para um fluxo de água que passava por elas, realizando, assim, o aquecimento”, explica Raia. “Esse conjunto, restrito a um recipiente metálico ligado a uma tubulação de água e uma chave para acionamento das resistências, foi conhecido como chuveiro elétrico.” “No Brasil, nessa época, as cidades não contavam com um sistema de gás, como na Europa, para aquecer a água para uso higiênico, então, o chuveiro elétrico se tornou uma alternativa para isso”, acrescenta o professor.
Contudo, havia um problema: a segurança. “A sua construção e a sua concepção permitiam a ocorrência de acidentes elétricos, como choques, sendo perigoso para os usuários”, argumenta.
Foi aí que entrou o brilhantismo do brasileiro Navarro, que “fez alterações importantes no modelo original, tornando-o mais seguro e eficiente”. Segundo o professor Raia, coube ao engenheiro de Jaú a eliminação da chave para ligar as resistências, instalando um diafragma no lugar. Essa era o segredo da automatização. “Graças à pressão da água, esse diafragma se deslocava, acionando contatos elétricos que permitiam a passagem da corrente para as resistências”, acrescenta ele.
Dados atuais indicam que o chuveiro elétrico representa, em média 23% do gasto mensal de consumo de energia elétrica nas residências brasileiras. O País é um dos maiores produtores mundiais de chuveiros elétricos, exportando para mais de 60 países — dos quais o maior consumidor é o Peru.