Dos espetos aos sushis, a maravilha dos rodízios

19 de abril de 2024

É difícil saber com precisão de onde surgiu a ideia de um serviço de churrasco no qual se paga um preço fechado e a experiência consiste em ficar por horas à mesa degustando diversos cortes que chegam, quentinhos e no ponto certo, no espeto.

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Contudo, as lendas são igualmente saborosas. Uma delas é a da churrascaria Matias, em Sapiranga, no interior do Rio Grande do Sul. A casa reivindica a invenção do sistema rodízio para algo entre 1962 e 1963. “Segundo a história, um garçom levou um espeto de carne na mesa errada e, depois de servir para uma família, saiu com a explicação de que não seria um erro, mas só um ‘chorinho’”, conta o jornalista de gastronomia Rafael Tonon, autor do livro As revoluções da comida (Todavia, 2021) e coordenador do mestrado em Jornalismo Gastronômico e Comunicação no Basque Culinary Center, na região basca da Espanha. “O cliente ficou feliz, e eles começaram a pensar que talvez as pessoas não quisessem mesmo comer uma coisa só, mas um pouquinho de tudo. Teria surgido, assim, o rodízio”, complementa.

Outra história vem do interior de São Paulo — que também partiu de um erro. Segundo o chef de cozinha Rodrigo Libbos, professor do curso de Gastronomia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, é a narrativa “com mais fontes” e também remete aos anos 1960. “[Teria sido] em um restaurante de estrada, na cidade de Jacupiranga, no Vale do Ribeira: a Churrascaria 477, de Albino Ongaratto, gaúcho de Bento Gonçalves”, afirma. O local era ponto de parada de caminhoneiros e moradores da região que buscavam comida caseira e churrasco. “Em determinado dia, houve atraso [na cozinha], e o proprietário resolveu servir os espetos de todos os cortes de carne disponíveis em fatias finas, como forma de acelerar o serviço”, explica Libbos. “Funcionou.”

Outra tradição atribui a invenção à churrascaria Blumenauense, em Quatro Barras, no Paraná, com uma explicação parecida: casa lotada, garçons não suprindo a demanda do atendimento à la carte… E a solução de dividir tudo o que saísse com todas as mesas. 

Sucesso de dar água na boca

Disputa de paternidade à parte, é inegável que a ideia deu muito certo. “Nas décadas seguintes, foi se espalhando por pontos de estrada, pelas marginais do Tietê e do Pinheiros [em São Paulo], foi se refinando e, daí, se espalhando também para dentro dos bairros e por todo o País para, então, chegar ao exterior, popularizado, principalmente, pela rede Fogo de Chão”, conta Libbos.

“O conceito se tornou mais popular, coincidindo com o grande boom das estradas do País”, ressalta Tonon. “No princípio, eram estabelecimentos principalmente para alimentar caminhoneiros. Depois, ganharam fama porque esses caminhoneiros passaram a espalhar para suas famílias, em suas cidades. Assim, os rodízios começaram a conquistar o Brasil.” O jornalista lembra que as primeiras churrascarias do tipo eram extremamente rústicas, salões com telhados de zinco, mesas de plástico ou de madeira. “Ainda não eram essa coisa mais gourmet”, compara. A sofisticação chegou à fase seguinte, principalmente, com a criação, em 1979, do restaurante Fogo de Chão — hoje, uma rede com 52 endereços distribuídos entre Brasil, Estados Unidos e outros países. 

O mérito da nova caracterização do churrasco é dos irmãos gaúchos Arri e Jair Coser, fundadores da marca. “Eles viram o potencial e decidiram levar o conceito a outros lugares. Deram um upgrade na ideia”, comenta Tonon. “Tiraram os rodízios das estradas e levaram para as cidades, pensando em uma experiência gastronômica mais sofisticada, com toalhas de tecido, garçons vestindo avental, copos de cristão e salão mais elegante. É o que a gente chama de ‘segunda onda do movimento do rodízio’, em que o serviço se torna mais teatral, com um balé dos garçons, esse formato”, diz ele. 

O chef Libbos lembra que, nessa época, os bufês passaram a contar também com comidas portuguesas e paellas, além de pratos árabes e japoneses, saladas e antepastos. Churrascaria rodízio virou programa para todos — um verdadeiro elogio aos excessos. Daí para as pizzarias, foi um pulo. “O sistema foi adotado por outros tipos de restaurantes, pizzarias, italianos e, depois, os de comida japonesa”, destaca Tonon. 

Exagero e redes sociais

Libbos acredita que, agora, estamos na “terceira fase” da onda dos rodízios. Por um lado, ficou caro e sofisticado comer em uma boa churrascaria. “[Antes,] a carne ainda era barata, então havia churrascarias caras e baratas. Hoje, um bom rodízio é proibitivo para o cidadão comum, tornou-se um programa de luxo com couvert médio altíssimo”, diz o professor.

Segundo ele, hoje os restaurantes do modelo rodízio se inclinam à “tendência dos últimos anos em relação aos exageros na alimentação brasileira”. Isso para não dizer no papel das redes sociais. “Tudo tem de ser exagerado em quantidades e imagens para postar na internet, como rodízio de pastéis e hambúrgueres”, comenta Libbos. “A fartura, os excessos e os desperdícios não são vistos como negativo, muito pelo contrário. Esqueceu-se da necessidade de equilíbrio de ingredientes para uma dieta saudável”, critica. Libbos afirma, ainda, que “nas redes sociais, sobram gordura, tamanhos grandes, quantidades enormes e queijo derretido”. 

Edison Veiga Annima de Mattos
Edison Veiga Annima de Mattos
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