Massa fina e crocante, recheio bem temperado, tudo isso frito no óleo e aquele cheirinho que lembra feira livre na manhã de domingo… Simples, barato e extremamente popular, o pastel figura entre aquelas iguarias mais autênticas da culinária brasileira.
E, como não podia deixar de ser, em um país que, historicamente, sempre recebeu imigrantes, sua invenção é um verdadeiro caldo — para combinar com o caldo de cana que, invariavelmente, cai bem junto.
“O pastel é uma representação do Brasil, porque ele traz uma questão: é um prato nosso, mas é de imigração. É um prato nosso, mas chegou pelos imigrantes, e isso é uma característica brasileira”, comenta o escritor e jornalista de gastronomia Rafael Tonon, autor do livro As Revoluções da Comida e coordenador do mestrado em Jornalismo Gastronômico e Comunicação do BasqueCulinary Center, na região basca da Espanha. “Foi muito bem-aceito.”
Segundo ele, essa aceitação se dá por diversas razões. Principalmente, pela versatilidade: como “não é preciso grandes estruturas para fazê-lo”, explica, estandes móveis de feira facilmente conseguem ser “barracas de pastel”. “Isso faz do pastel uma comida fácil de preparar e fácil de comer. Facilmente transportável, pode ser feito em qualquer lugar, tanto que é feito majoritariamente em feiras de rua. Ganhou apelo popular”, analisa.
A acessibilidade é o que fez o salgado cair no gosto popular. Tonon explica que essa é a receita para o sucesso de uma comida: estar presente no dia a dia. “Um alimento se torna popular quando é comido com frequência”, define. Ora, se está ali, sempre convidativo, no cantinho da feira de toda semana… é um golpe certo a nocautear estômagos!
De acordo com pesquisas do jornalista Marcelo Duarte, garimpeiro de curiosidades e conhecido pela série de livros O Guia dos Curiosos, o hit das feiras de São Paulo chegou ao Brasil por volta de 1890, pelas mãos de imigrantes chineses. “O quitute foi adaptado da receita chinesa do rolinho primavera, feito de massa de arroz e recheado com legumes e carne de porco”, conta Duarte.
No Brasil, de cara, os ingredientes já foram adaptados, de acordo com a disponibilidade — farinha de trigo, em vez de farinha de arroz, e a preferência popular: carne bovina, no lugar da suína.
Espera, então não foram os japoneses quem trouxeram o pastel?
Não, não foram. Mas os imigrantes japoneses, que formam em São Paulo a maior colônia nipônica fora do Japão, tiveram um papel fundamental na popularização dele.
E aí tem um fator sociopolítico. Duarte relata que os japoneses passaram a fritar pastéis como uma tática de disfarce. Isso, porque, até a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o comércio de pastéis era discreto e restrito aos integrantes da colônia chinesa. Mas aí, São Paulo passou a receber um contingente enorme de imigrantes nipônicos, refugiados da guerra.
Quando o Brasil finalmente definiu seu lado nessa contenda, em agosto de 1942, alemães, italianos e japoneses (países que compunham o chamado Eixo) passaram a ser tratados como inimigos. Seus idiomas e manifestações culturais foram oficialmente proibidos no País.
Há relatos de manifestações populares violentas contra imigrantes dessas nacionalidades ocorridas em diversas cidades brasileiras, inclusive com depredações de estabelecimentos comerciais conduzidos por eles e tentativas de linchamento.
Duarte frisa que os imigrantes japoneses, então, “tinham medo de sofrer preconceito no Brasil”. “Aproveitando-se da ignorância ocidental quanto às diferenças entre as culturas orientais, os japoneses camuflaram-se entre os chineses, imitando seu modo de vida. Um dos hábitos que adotaram foi o de fritar pastéis”, contextualiza o caçador de curiosidades.
“Disfarçados de chineses, os japoneses abriram pastelarias em São Paulo e popularizaram o salgado”, completa ele.
Editor da revista Veja São Paulo, colunista da rádio CBN e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Arnaldo Lorençato, um dos mais reputados jornalistas gastronômicos brasileiros, lembra que a história migratória do pastel não se resume ao trajeto China-Brasil. Em suas pesquisas, deparou-se com o “sambousek”, como a raiz do pastel nessa genealogia da massa.
“O pastel de feira, embora seja feito por chineses e japoneses, muito provavelmente tem sua origem na Índia, que, por sua vez, não inventou o pastel”, pontua Lorençato. “Essa primazia cabe aos antigos persas, hoje Irã. Tem em países como o Líbano.”
“A receita da massa não é como a brasileira, que leva cachaça e banha, mas parecida”, acrescenta o especialista.
Foi um caminho longo e tortuoso que trouxe o pastel ao Brasil. O quitute atravessou séculos e o mundo para se tornar um dos mais queridinhos salgados, predileção nacional. E, claro, não ficou imune às brasilidades. Se, originalmente, apenas alguns ingredientes básicos foram substituídos, hoje, o pastel brasileiro é algo completamente diferente de seus pais e avós orientais.
“É uma comida para comer em pé, comer conversando. Comer com caldo de cana… O pastel encontrou o seu par perfeito, que é o caldo de cana. Teve de viajar da Ásia até o Brasil para isso. São almas gêmeas que se encontraram nas feiras brasileiras”, diz Tonon.
Além da harmonização com a garapa, a diversidade tupiniquim está na quase infinita gama de recheios. Em feiras paulistanas, dezenas de combinações são comuns. “É uma fritura, e as pessoas gostam de fritura”, lembra Tonon. “E é uma tela em branco, a massa básica, para o brasileiro exercitar sua criatividade.”
“Hoje em dia, tem pastel de carne seca, de vatapá, de frango com catupiry, carne com cheddar… Tem pastel de tudo, e isso é uma característica de como a gente encara a comida”, acrescenta o especialista.
A versatilidade parece mesmo não ter limites. Até na sobremesa: tem pastel de brigadeiro, de morango, de leite condensado, de doce de leite — e até com isso tudo misturado.