Iniciado em 2017, o Instituto JNG conta com um projeto em operação para a construção de moradias para pessoas com deficiência no Rio de Janeiro. A instituição atua com o objetivo de mostrar porque ter um espaço próprio para viver é etapa importante na transição para a vida adulta. Com isso, espera-se contribuir para que os indivíduos conquistem independência, autonomia e inclusão na sociedade.
Tudo começou há sete anos, quando as mães de João, Nicolas e Gabriella, três jovens colegas de escola na condição do espectro do autismo (T.E.A.), resolveram se unir para fundar uma iniciativa que fosse capaz de promover o debate sobre as dificuldades da vida adulta das pessoas com deficiência física e intelectual, focando um aspecto até então pouco abordado: a moradia. O nome do instituto logo absorveria as iniciais dos jovens.
No princípio, as mães, ao notarem que seus filhos já estavam entrando na fase adulta, começaram a se questionar: “Como vai ser para eles? Como conseguirão entrar no mercado de trabalho? E o ponto mais importante, onde vão morar?”, relembra Flavia Poppe, presidente e uma das fundadoras do instituto. Segundo ela, a questão da moradia foi a que bateu mais forte. “A moradia tem um significado muito grande, e quase não percebemos. Ela contribui para a construção da nossa própria identidade, pois a privacidade que temos em nossa própria casa influencia muito a construção da identidade do jovem adulto. A privacidade permite que você separe o outro de você mesmo”, reforça a mãe de Nicolas.
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Foi graças a essas incertezas que o Instituto JNG se estruturou, organizando palestras para sensibilizar a sociedade, o poder público, o mercado, as famílias e as organizações sobre a construção da autonomia e as possibilidades de escolha da pessoa com deficiência, seus direitos e anseios. Em paralelo, o time estudava e buscava recursos de como adaptar um projeto britânico de moradia para o Brasil.
O modelo de referência para o instituto foi o AbilityHousing, instituição que existe há mais de 30 anos na Inglaterra, focada justamente na questão da igualdade para as pessoas com deficiência por meio de moradia, mobilidade, saúde, emprego e envolvimento com a comunidade. “Durante muitos anos, entramos numa batalha para entender que caminhos seriam possíveis seguir para trazer essa estrutura para o Brasil, pois funcionava lá fora”, conta Flavia. Ela diz que foi necessário um longo período para entender quais seriam os ângulos e os métodos que eles precisariam seguir para adaptar o modelo internacional à realidade brasileira.
Para além dessas questões, Flavia e as outras fundadoras do instituto – Ana Maranhão e Mônica Mota – dedicaram tempo em longas conversas com o setor imobiliário. Os debates serviram para entender sobre acessibilidade e quais eram os direitos de moradia das pessoas com deficiência. Nesse âmbito, elas recorrer a mà ajuda da Rede Brasileira de Inclusão. “Realmente, fomos muito inovadores, pois existem diversos assuntos na pauta sobre pessoas com deficiência, mas é possível perceber que a questão da moradia ainda é muito marginal e pouco difundida”, lamenta Flavia.
O projeto-piloto das moradias adaptadas começou em novembro de 2020, mas meses antes o time da JNG já estava em trabalho assíduo com webinários, debates, palestras e financiamentos para fazer a ideia sair do papel. O resultado do esforço: hoje, o JNG e o AbilityHousing têm um acordo de cooperação técnica. A organização acolhe, em espaço sediado na cidade do Rio de Janeiro, seis pessoas como moradoras fixas, custeadas pela própria família e por doações para a instituição. Flavia conta que o objetivo do projeto, aberto a jovens com mais de 18 anos, é diminuir o financiamento familiar, tornando-o algo mais sustentável, porém ainda falta o apoio do governo e do setor privado.
Uma das barreiras, de acordo com Flavia, para a independência dos jovens adultos com deficiência, na busca de emprego e moradia, vem das próprias famílias, que, por vezes, são superprotetoras. “Isso ainda bate na cultura brasileira, já que boa parte ainda considera o filho com deficiência não apto para ter uma vida independente. Existe esse lado. Muitas famílias precisam entender que não é o melhor caminho”, afirma.
Para convencer os pais e deixá-los mais tranquilos, o projeto promove as “Jornadas”. São vivências, realizadas durante dois a três meses com os familiares. O programa inclui conversas com especialistas, dinâmicas com outras famílias e orientações de como o instituto funciona. “O JNG está empenhado em acolher e ajudar, para que essas famílias fiquem fortes o suficiente, para que seus filhos fiquem fortes.”
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Depois do trabalho com as famílias, vem o processo de acolhimento. É feita uma entrevista, com mais de 200 perguntas, com o objetivo de conhecer o perfil do futuro morador e o tipo de apoio que ele vai precisar. O Instituto JNG disponibiliza um suporte personalizado para cada demanda.
A partir daí, o projeto consegue estimar um orçamento, que é passado para a família. O JNG trabalha com um parceiro imobiliário, responsável por encontrar o apartamento e alugar o local. Feita a mudança e todas as adaptações requeridas, a equipe do instituto fica à disposição no prédio para eventuais auxílios práticos, pelo menos no começo. “Esse ambiente da casa naturaliza o aprendizado, onde você aprende, porque tem que aprender. Então, eles amadurecem e conquistam a autonomia mais rápido”, defende Flavia Poppe.
A sede do projeto, no Rio de Janeiro, fica no bairro do Flamengo, mas o objetivo deles é expandir para bairros nobres e para as periferias. “Uma das nossas maiores dificuldades é atingir aqueles que adorariam ter essa opção, mas não têm recursos. O projeto é custeado 100% pelas famílias. Então, precisamos do apoio do setor privado e do governo, para que se construa uma solução acessível, que não seja um impedimento para o jovem sem condições de pagar por isso”, desabafa a presidente.
Com o apoio do governo e do setor privado, o instituto poderia alcançar outras de suas metas. Dentre elas, ampliar o trabalho para novas áreas além da moradia, como a conquista do primeiro emprego, conectando as empresas com quem quer trabalhar; e criar um local de integração para os adultos que possuem algum tipo de limitação.