Lar de 50 milhões com idade entre 15 e 29 anos, o Brasil se vê diante de um “bônus demográfico” subaproveitado, o que vem gerando uma aguda frustração na juventude em relação ao trabalho, principalmente os mais qualificados. A satisfação dos jovens, que já piorava desde a recessão, se agravou com a pandemia.
É o que aponta o levantamento Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas, do Centro de Políticas Públicasda FGV Social. Entre outras constatações, os dados mostram uma geração que se considera mais “desanimada” em relação aos futuros profissional, intelectual e de qualidade de vida que o País pode oferecer. O quadro configura o que já vem sendo chamado de “fuga de cérebros” há algum tempo, uma vez que quase metade (47%) dos jovens brasileiros entrevistados gostaria de sair do País para tentar uma vida melhor no exterior. Segundo a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o público entre 15 e 29 anos, no Brasil, não tem vivido momentos fáceis: eles estão mais tristes e suas satisfações com a vida atual oferecida estão baixas.
Em uma escala de 0 a 10, a média de felicidade dos jovens brasileiros foi de 6,4 – menor índice apresentado desde o início dos estudos pela Fundação, em 2007. A queda de 0,8 ponto no índice de satisfação entre 2013 e 2020 foi a terceira mais alta em meio a 132 países. Como agravante, a população jovem nunca foi (e nunca será) tão grande quanto hoje: a marca de 50 milhões representa 26% da nossa população.
O jovem brasileiro se depara, agora, com um país resultante de períodos de acentuadas perdas econômicas, explica o professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social e coordenador do referido estudo. Conforme avalia, as crises de 2015 e 2016 – e, após uma lenta recuperação, as baixas recentes chegadas com a crise sanitária –, tornaram esta geração, em suas palavras, “o grande perdedor de todos os grupos, gêneros e regiões”. “Para entender a cabeça do jovem”, aprofunda-se o especialista, “os fatores que podem levar a esse desânimo incluem a proporção daqueles que não trabalham e não estudam, que bateu recorde durante a pandemia, mas já havia aumentado antes.”
Ele se refere à constatação de que, antes da covid-19, o contingente de jovens “nem-nem” – que nem estudam nem trabalham –, na faixa de 20 a 24 anos, era de 25%, e subiu a 35%. “As oportunidades concretas de trabalho e estudo, inserção no mercado do trabalho, foram muito impactadas adversamente não só na pandemia, mas irá muito adiante dela”, lamenta o professor. Em 2011-2014, 16,8% dos jovens declararam que nos 12 meses anteriores faltou dinheiro para comprar comida; em 2015-2018, este índice subiu para 25,6%; e em 2020, chegou a 28%. A satisfação com o sistema educacional, que aumentara de 47%, em 2013-2014, para 56%, em 2017-2019, sofreu uma queda brusca na pandemia, chegando a 41%. Em 2015-2018, os jovens brasileiros “preocupados” chegaram a 44%, ante 35,5% no mundo. Mesmo antes da pandemia, o índice subiu para 50%, e, em 2020, atingiu o recorde de 59%.
“Quando perguntamos para o jovem brasileiro o que ele pensa sobre a possibilidade de subir na vida por meio do trabalho, ele é dez vezes mais descrente do que, por exemplo, um jovem peruano”, ilustra Neri. “Então, 30% não acreditam em boas oportunidades de trabalho aqui.” Sobre a variação do sistema educacional, antes da pandemia, 56% achavam que era satisfatório. Já em meados de 2020, caiu para 41%.
“As duas principais atividades na vida de quem está na fase de transição da infância para a vida adulta é trabalho e estudo, e ambas sofreram baixas”, sublinha o coordenador. “Isto explica a grande quantidade de jovens em busca por outros lugares para prosperar. Quer dizer, na verdade, é uma declaração de insatisfação. Quando tiver esta possibilidade de mudar de país, ele vai. Eu acho que isso reflete uma dificuldade concreta.”
Os números do Atlas das Juventudes, do qual faz parte o estudo, endossam o argumento: 70% afirmam ter dificuldade para encontrar trabalho. Os jovens também foram os que mais perderam renda na presente crise sanitária e econômica – 11%, de 25 a 29 anos; 17%, de 20 a 24 anos; e 26%, de 15 a 19 anos. Já a taxa de desocupação desse grupo está em 56,3%.
Dados da Receita Federal revelam que o número de brasileiros que apresentaram declaração de saída definitiva do País passou de 8.170, em 2011, para 23.271, em 2018 – um aumento de 184%. E, segundo o relatório fiscal dos Estados Unidos, em 2020, foi registrada uma elevação de 36% nos vistos de permanência concedidos a brasileiros numa categoria específica: a dos chamados “profissionais excepcionais”. Ao todo, foram concedidos 1.899 vistos – o maior número em uma década. Uma das explicações para isso é que trabalhadores altamente qualificados não encontram, com a redução das oportunidades, postos tidos como “bons empregos”, com garantia de estabilidade, protegidos e associados ao setor formal.
Em paralelo, de acordo com o relatório do Banco Mundial, Emprego em Crise: Trajetória para Melhores Empregos na América Latina Pós-covid-19, a presente recessão foi mais dura do que a média, e a contração do emprego formal duradouro pode chegar a 4%. E quem sentirá mais os efeitos são os jovens, que precisarão lidar com um previsto atraso que durará dez anos. O Banco Mundial ressalta que, em momentos de crise, a jornada empregatícia se desvia para a informalidade. Logo, quem está se formando para ingressar no mundo do trabalho em plena crise encontra muito mais probabilidade de ser informal, encontrar empregos piores e receber salários mais baixos. “A recuperação econômica costuma ser um mito quando se trata de empregos, mas não precisa ser assim”, afirma o vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e Caribe, Carlos Felipe Jaramillo. “As políticas certas podem ajudar a limitar o impacto das crises sobre o mercado de trabalho e promover a criação de mais empregos nos períodos de recuperação.”
Nas entrelinhas, a falta de políticas para os jovens coloca também na ordem do dia a proporcionalidade direta do descontentamento profissional nos aspectos emocional e psicológico, algo que Carlos Eduardo Carvalho Freire, especialista em comportamento juvenil e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), vê com preocupação. “É nítido observar, no jovem, uma falta de perspectiva relativa ao futuro. Uma coisa de questionar: ‘Quando este país vai finalmente dar certo?’; e ‘Por que a vida é tão difícil aqui?’. Tenho observado muito isso, nos jovens, na clínica e em sala de aula, a dificuldade de acreditar no Brasil.”
O psicólogo atribui à angústia deste contingente o encontro geracional de uma economia difícil com a chegada da fase em que o ser humano sai do “contágio do instantâneo”. “A criança tem uma capacidade de entrega ao presente imediato que permite a ela se ocupar daquilo com o que ela brinca e pronto, a vida dela está resolvida nisso”, esclarece. “É quase como se o futuro não fosse uma questão que lhe preocupasse. A fase de transição começa quando este indivíduo passa a racionalizar um futuro e um passado, quando ele tem que enfrentar esse futuro. Neste momento, é muito importante que o jovem acredite em si para não se deprimir. Ele necessita acreditar – e quando desacredita, a coisa começa a complicar.”