Para alguns, pode parecer indevida a categorização de uma prática esportiva enquanto arte. No Brasil, porém, muitas coisas são feitas com arte. E foi em solo nacional que um jogo, até então puramente tático, virou exibição performática de criatividade.
Inventada pelos britânicos, em 1863, e popularizado por aqui pelo inglês Charles Miller, em 1895, as regras da modalidade chegaram bem definidas: quatro linhas e o objetivo de marcar mais gols do que o adversário dentro de um determinado período. Os brasileiros inovaram (e aperfeiçoaram) o jogo, ao driblar a repetição das estratégias britânicas, transformando uma simples competição de 11 jogadores contra outros 11 em uma coleção de momentos geniais.
Mas se o futebol brasileiro se notabilizou mundialmente ao ser feito com arte, qual a sua relação com a arte nacional?
É verdade que, durante a Semana de Arte Moderna de 1922, o futebol não foi retratado nas obras. No entanto, na abertura da programação no Theatro Municipal de São Paulo, o escritor Menotti Del Picchia chegou a citar o jogador paulistano Arthur Friedenreich em seu discurso. Fora ele, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral também escreveram versos e artigos a respeito da relação do futebol com a busca pela identidade brasileira proposta pelo movimento.
É justamente esta relação que pode ser conferida na exposição 22 em Campo, instalada no Museu do Futebol até janeiro de 2023. A mostra estabelece 22 pontos de convergência entre o esporte e o movimento modernista ao longo dos últimos cem anos.
Assim como a arte, os costumes e as religiões cristãs herdadas dos colonizadores, o futebol nasceu branco, europeu e elitizado. As fotos do 2º Campeonato Sul-Americano de Futebol (atual Copa América), em 1922, no Rio de Janeiro, ilustram o público presente nas arquibancadas: homens brancos de paletó, gravata e chapéu, acenando aos jogadores com lenços de seda. As poucas mulheres ali acompanhavam os maridos, adornadas com joias e longos vestidos.
O icônico quadro de Tarsila do Amaral representa a diversidade de rostos e expressões dos trabalhadores brasileiros que impulsionaram a indústria no início do século 20. Historiadores avaliam que o futebol influenciou a pintora na escolha de “empilhar” os rostos dos operários, como em uma arquibancada de estádio. A diversidade retratada na obra da artista, pintada em 1933, não era realidade no ambiente do futebol à época. No entanto, alguns anos depois, esta mistura passou a ser uma marca dentro (e fora) de campo.
Em sua coluna no Diário de S.Paulo, em 1940, Tarsila descreveu sua admiração:
“Confesso que vibrei num enorme entusiasmo ao assistir, pela primeira vez em minha vida, ao encontro em que os brasileiros enfrentaram os seus colegas argentinos, no campo apinhado do Parque Antártica. O dinamismo das jogadas, o empolgante aspecto do campo, a beleza de certos lances que chegavam a lembrar bailados, me traziam evocações de velhas leituras, reminiscências dos estádios gregos em que se realizavam os jogos olímpicos na Antiguidade pagã. A Grécia Antiga, cujos atletas foram modelados pelos grandes escultores, principalmente no seu período de apogeu no V e VI séculos antes de Cristo, incitava a juventude ao desenvolvimento harmonioso do corpo, visando sobretudo à formação de bons defensores da pátria (…)”.
A inclusão das mulheres no esporte – e, especialmente, no futebol – foi uma importante conquista, cuja luta se iniciou com o movimento modernista no começo dos anos de 1920. O primeiro registro de uma partida do esporte disputada por mulheres é de 1921, entre senhoritas dos bairros Tremembé e Cantareira, na zona norte de São Paulo, conforme noticiado pelo jornal A Gazeta. As apresentações aconteciam no interior de lonas de circos e em campos modestos nas periferias do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Norte, consideradas exibições não profissionais.