Vinicius de Moraes surge no panorama literário brasileiro na década de 1930 ao lado de outros poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, mas percorre uma trajetória única que o transformará em compositor e estrela da música popular brasileira, retirando seus versos da solidão dos livros para o canto coletivo das multidões.
Um dos criadores da bossa-nova, projetou a canção do País em escala planetária por meio da célebre parceria com Tom Jobim, que resultaria em Garota de Ipanema, a música brasileira mais famosa do mundo. Com o violonista Baden Powell, compôs os famosos afrosambas; e com Carlos Lira e Edu Lobo, enveredou pelas músicas de conteúdo social.
A sua vida também foi singular. Nove casamentos e cinco filhos, formado em Direito, diplomata de carreira, aluno de Literatura em Oxford (na Inglaterra), não hesitou em trocar o terno e a gravata por batas exuberantes — nem em boates de luxo no início da carreira musical por shows em diretórios acadêmicos, sob a vigilância da polícia, durante os Anos de Chumbo. Integralista na juventude, abraça, na maturidade, os ideais da esquerda e a eles se mantém fiel até o fim da vida.
Como um camaleão, absorveu os matizes dos mundos em que esteve, das mulheres que amou, dos amigos do peito que adotou como irmãos. Boêmio inveterado, é quase impossível encontrar uma foto sua sem um cigarro ou copo de bebida na mão. Considerava o uísque “um cachorro engarrafado, o melhor amigo do homem”. Também dizia que só gostava do mundo “depois da segunda dose”. Para ele, a poesia não era uma atividade intelectual, mas sensorial, que se ergue sobre emoções, e não conceitos. Daí a conexão de sua obra com a experiência íntima, que definiu assim: “Sou um labirinto em busca de uma saída”. “Ele foi o único de nós que teve vida de poeta”, resumiu Carlos Drummond.
Marcus Vinicius da Cruz de Melo Moraes nasceu no dia 19 de outubro de 1913, na imensa chácara de seu avô materno no bairro da Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. “Vinicius. Por quê? O Quo Vadis, saído em 13, ano em que também nasci”, explicou no poema Autorretrato, referindo-se ao personagem central do romance filmado pela primeira vez em 1912, pelo italiano Enrico Guazzoni. Aos nove anos, incomodado com o nome quilométrico, pede ao tabelião que anote, na base da certidão de nascimento: “Leia-se Vinicius de Moraes”.
Filho de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário público, doutor em Latim e poeta, e de Lydia Cruz de Moraes, pianista, os primeiros versos são pastiches mal-ajambrados de poemas roubados da gaveta paterna, de acordo com José Castelo, autor de Vinicius de Moraes: o poeta da paixão — uma biografia. Na elegia que fez na morte do pai, em 1950, ele confessa o plágio: “A mim me deste/O primeiro verso à namorada. Furtei-o/De entre teus papéis: quem sabe onde andará…”.
Em 1924, descobre a vocação musical ao cantar no coral do Colégio Santo Inácio, de padres jesuítas. A formação religiosa será a influência predominante na primeira fase como poeta, denominada “mística” pelos críticos. Aos 14 anos, aprende a tocar violão e já faz letras de música exaltando as virtudes femininas, como o foxtrote de sucesso Loura ou morena, em parceria com Haroldo Tapajós.
Em 1930, com 17 incompletos, Vinicius entra para a faculdade de Direito do Catete. Sob a influência do romancista Otávio de Faria (“eu era um teleguiado dele”), aproxima-se da Ação Integralista Brasileira, movimento de corte fascista baseado no slogan “Deus, pátria e família”. Nas páginas austeras da revista católica A Ordem, aparece pela primeira vez um poema seu: A transfiguração da montanha. Em seguida, os livros que refletem uma visão metafísica do mundo: O caminho para a distância; Forma e exegese; e Ariana, a mulher.
Essa perspectiva começa a mudar em 1938, quando se casa com Beatriz Azevedo de Mello e, com ela, parte para a Inglaterra. “Fui salvo pela mulher”, diria tempos depois sobre Tati, apelido da primeira esposa. Para ela, compõe o célebre Soneto da fidelidade, que traz no terceto final sua inapelável definição: “Eu possa me dizer do amor (que tive): que não seja imortal, posto que é chama/Mas que seja infinito enquanto dure”. A Segunda Guerra Mundial interrompe os seus estudos no idioma de Shakespeare — de quem assimila a técnica de escrever sonetos — e o obriga a voltar ao Brasil, onde presta com sucesso o concurso do Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) para se tornar um diplomata. É nessa condição que acompanha o escritor estadunidense Waldo Frank em viagem pelos mocambos do Recife e as palafitas do Amazonas, cenários de miséria até então desconhecidos para ele e que o transformam em definitivo. “Saí do Rio um homem de direita e voltei um homem de esquerda”.
Após servir nas representações do Brasil em Los Angeles (Estados Unidos) e Paris, Vinicius está de volta ao País com a peça teatral Orfeu da Conceição, premiada em 1954 no concurso do IV Centenário de São Paulo. Quer musicar a obra, mas não sabe com quem. Ao aceitar a sugestão do crítico Lúcio Rangel de trabalhar com o jovem pianista Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, forma-se a dupla que ecoaria por meio da bossa-nova a euforia desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek.
Para Orfeu negro, versão cinematográfica da peça dirigida pelo francês Marcel Camus que venceu a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro, Tom e Vinicius compuseram A felicidade, joia do lirismo que o poeta legou à MPB: “A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor/brilha tranquila, depois, de leve, oscila/e cai como uma lágrima de amor”.