Banir ou não, eis a questão. Considerado o vilão número 1 do meio ambiente, em decorrência da geração de lixo nas ruas e nos oceanos e da emissão de dióxido de carbono (CO2), o plástico é tratado como um item indispensável na indústria e no comércio pela sua durabilidade, pela resistência e pela praticidade.
As medidas adotadas para minimizar os seus impactos ambientais têm criado um clima de polarização entre o Poder Público e entidades do setor, as quais defendem ações em prol da Logística Reversa (LR) e uma política tributária menos onerosa ao ciclo da reciclagem. Apesar das boas intenções, os números revelam que há muito a ser feito quando o assunto é economia circular.
De acordo com dados da World Wide Fund for Nature (WWF), das 11,3 milhões de toneladas de lixo plástico produzido no Brasil, apenas 1,28% (equivalente a 145 mil toneladas) é reciclado e reinserido na cadeia produtiva. Porcentagem bem abaixo da média global, que fica em 9%, com liderança dos Estados Unidos (34,6%).
No Brasil, a coleta seletiva está regulamentada pela Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), pela qual as prefeituras são responsáveis pelo serviço, cabendo ao setor privado a execução da LR. Segundo Paulo Teixeira, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast), representante de 12 mil empresas e 325 mil trabalhadores, falta mais integração dos entes da cadeia de LR.
“Apenas cerca de 150 municípios contam com o serviço regular de coleta seletiva. As responsabilidades e soluções precisam ser compartilhadas. Em São Paulo, somente 7% dos resíduos plásticos são reciclados. Em Barueri, na Grande São Paulo, há 100% do serviço de coleta seletiva nas residências, mas só 4% acabam sendo reciclados, falta integração e diálogo entre as partes. Os investimentos do setor privado são pulverizados e não resolvem, vão para cooperativas e empresas, mas são em pequena escala”, diz. Segundo estimativas da Fundação Heinrich Böll Stiftung, responsável pelo Atlas do Plástico, existem cerca de 1,7 mil cooperativas e associações de coleta, com aproximadamente 800 mil catadores em atividade, nas ruas e nos lixões.
Na opinião de Teixeira, medidas extremas, como banimento de produtos, não resolvem os problemas ambientais. “Proibição gera insegurança jurídica nos negócios e não abre espaço para o diálogo. No caso de bares e restaurantes, o prejuízo acaba recaindo sobre os menores” diz, referindo-se à Lei Municipal 17.261/2020, que proíbe o uso de utensílios plásticos (copos, talheres e pratos) em bares, hotéis e restaurantes na cidade de São Paulo.
O posicionamento da Abiplast coincide com o da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Em torno de 65% do nosso setor correspondem a informais, logo, como fiscalizar? Leis punitivas acabam sendo burladas”, afirma Luiza Campos, líder de Economia Circular da Abrasel.
Em vigor desde o início do ano, a lei paulistana ainda não foi regulamentada em razão da dificuldade de adaptação dos estabelecimentos por causa da pandemia. Para Cristiane Cortez, assessora técnica do Conselho de Sustentabilidade da FecomercioSP, a lei é positiva e vai ao encontro das tendências registradas nos Estados Unidos e na Europa. “O plástico de uso único deve ser reduzido, e a lei cumpre o seu papel de guiar os empresários e a população para a consciência ambiental e o desenvolvimento sustentável”, afirma. Entretanto, diz, tem havido bom senso na pandemia, já que os utensílios descartáveis acaba sendo uma solução para que os estabelecimentos mantenham as atividades. “Passada a crise sanitária, vamos retomar o tema da conscientização de redução de descartáveis plásticos ou outros materiais com os associados”, garante Cristiane.
Para Rogério Mani, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (Abief), o sucesso da LR passa por uma política tributária mais justa. “Quando se compra a sucata de plástico de um catador ou de uma cooperativa, normalmente enquadrada no Simples, ela paga o mesmo imposto das demais empresas do regime, e o fator social e ambiental não é considerado. Quando eu, reciclador, compro, não me credito de nenhum imposto, e quando vendo a matéria-prima reciclada, carrego todos os impostos – ICMS, PIS, Cofins e IPI – como se estivesse vendendo uma resina virgem. Há situações em que as cooperativas têm material, mas não conseguem distribuir em razão da carga tributária, fazendo com que os clientes optem pelo material novo. O ideal seria zerar toda a cadeia, desde a sucata até a venda para a transformação”, defende.
No meio empresarial, já se notam ações em busca de alternativas para o plástico. Em 2019, o Grupo Carrefour iniciou um programa global voltado à economia circular em suas 12 mil lojas, distribuídas em 30 países. A meta é chegar a 2025 com 100% das embalagens das marcas próprias recicláveis ou compostáveis. No Brasil, em 2020, a rede reduziu em 11 milhões o volume de embalagens plásticas não recicláveis, o que equivale a 67 toneladas. Apenas em bandejas de isopor, foram eliminadas mais de 10 milhões de itens, representando 56 toneladas. “Nos orgânicos, trocamos o isopor por papelão e papel rígido, e nos frios, por um filme transparente. Ainda não encontramos solução para carnes e peixes, mas lançamos um desafio para empresas inovadoras apresentarem ideias”, afirma Marie Tarisse, gerente de Sustentabilidade do Carrefour.
O próximo passo é investir em embalagens para produtos a granel, mas, segundo Marie, há um receio do consumidor quanto à contaminação pelo covid-19. “A iniciativa nasceu com os orgânicos graças à insatisfação do cliente quanto ao isopor. Queremos entender a percepção dos demais clientes”, diz Marie.
Mesmo com as 43 unidades operando parcialmente na pandemia, o Sesc-SP vem mantendo o programa Lixo: Menos é Mais, que visa a difundir a educação ambiental por meio de experiências adotadas nas áreas de alimentação. Dentre as medidas, estão a troca de sachês de plástico por frascos, o uso de copos duráveis em vez de descartáveis e a proibição de venda de garrafas plásticas de água. Segundo a entidade, o objetivo é “fortalecer a responsabilidade socioambiental, minimizar a geração de resíduos e seus impactos ambientais, devolver materiais ao ciclo produtivo, promover a participação dos usuários e atender às legislações”.
Há 45 anos no setor de embalagens, o engenheiro paulista Nelson Assumpção Filho, fundador da Celomax, adotou o uso de materiais biodegradáveis em 2009 e se considera pioneiro na fabricação de celofane compostável no País. Entre altos e baixos, mantém uma unidade no município de Araras (SP), onde são processadas entre 15 e 20 toneladas/mês, vendidas em forma de bobinas para transformadores ou em embalagens de 1 quilo para clientes de nicho, como padarias artesanais.
“Em condições ideais de compostagem – temperatura, umidade do ar e microorganismos capazes de ‘comer’ a celulose –, nosso material se deteriora em até 180 dias, suporta temperaturas de até 250 graus Celsius e pode ser levado ao freezer, mas o preço é três vezes mais caro por falta de escala”, lamenta. O diferencial está na matéria-prima. Trata-se do Nature Flex, um filme desenvolvido pela empresa japonesa Futamura da celulose de eucalipto, comum nos Estados Unidos, na Ásia e na Europa, mas sem plantas ou similares na América Latina. Segundo Assumpção Filho, a decomposição é mais rápida que o celofane produzido pela indústria brasileira. “Faltam estímulos governamentais. O imposto de importação é de 16%, além de ICMS, frete e exigência de 15 dias de armazenagem no porto. A cada US$ 100 investidos, US$ 80 são em impostos”, queixa-se o engenheiro, que espera repetir em 2021 o faturamento bruto de R$ 5 milhões obtido em 2020. Segundo Cristiane, da FecomercioSP, apesar de positiva, a iniciativa só tem possibilidade de prosperar caso o usuário tenha consciência na hora da separação do material e o Poder Público faça a sua destinação correta. “Hoje, é um produto para nichos”, diz.
Em breve, espera-se que as grandes corporações consigam emplacar soluções no mercado. Em 2022, a multinacional britânica/holandesa Unilever anunciou que o Brasil será o país-piloto no lançamento de um novo modelo de garrafas de papel para a linha de produtos de limpeza OMO. O material seria à base de celulose, com um revestimento impermeável interno, capaz de passar por reciclagem ao fim de seu ciclo. O grupo anunciou que a nova tecnologia deverá ser aplicada em xampus e condicionadores.
Em estágio mais avançado, o grupo BASF produz, há mais de uma década, duas linhas de plásticos compostáveis na unidade alemã. O mais conhecido é o poliéster ecoflex®, biodegradável e compostável, mas de origem fóssil, usado na indústria têxtil. Já o ecovio®, desenvolvido do Poliácido Láctico (PLA), oriundo do milho, já está presente no Brasil, embora em volume bem inferior ao potencial de mercado. O PLA é um polímero sintético termoplástico no qual o ácido lático é resultante da fermentação de vegetais ricos em amido, como milho, mandioca e beterraba. Apesar de biodegradável em condições ideais – temperatura, oxigênio e presenças de água e microrganismos –, apresenta dois inconvenientes: baixas resistências ao impacto e à alta temperatura.
Segundo Thiago Spedo, coordenador regional de Especialidades Plásticas da BASF para a América do Sul, a falta de usinas específicas para compostagens de plásticos impede o avanço da tecnologia no País. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 260 usinas de compostagem, responsáveis pelo processo de apenas 4% dos resíduos orgânicos gerados. “No continente, um terço do volume importado vai para o Uruguai; um terço, para o Brasil; e o restante, para os demais países. O Uruguai tem uma legislação mais avançada que a nossa na obrigatoriedade de sacolas plásticas biodegradáveis”, afirma o executivo. “Durante a pandemia, temos recebido muitas consultas, mas como o produto é mais caro, e a destinação, incerta, ficamos na dependência de cliente que estejam dispostos a investir em sustentabilidade e propostas inovadoras. Estamos em busca de parceiros em prefeituras e associações”, diz.
Com sede em Florianópolis (SC), a Oeko Bioplásticos nem sequer possui uma unidade fabril, mas há 15 anos vem se mantendo na produção de sacolas, sacos, copos e canudos compostáveis. “Adquirimos as resinas de PLA e criamos fórmulas específicas para cada produto, adicionando amido de mandioca, pigmentos e fibras de celulose em operações terceirizadas”, afirma o engenheiro João Carlos de Godoy Moreira, sócio-fundador da empresa. Segundo Moreira, o crescimento anual tem sido em torno de 50%, mas sempre em “bases pequenas”. O público é formado por empresas de embalagens e por pequenas associações voltadas à coleta seletiva de resíduos orgânicos. “O Brasil tem um enorme potencial para negócios sustentáveis graças à grande oferta de matérias-primas. Contudo, ainda não há uma legislação clara a respeito do ciclo de materiais biodegradáveis, como a permissão no uso de plásticos que levam aditivos oxidobiodegradáveis, que se esfarelam em micropartículas quando decompostos, mas continuam presentes na natureza”, afirma.
O exemplo clássico é a lei aprovada na cidade do Rio de Janeiro, em 2018, na qual a prefeitura proibiu a utilização de canudinhos de plástico em bares e restaurantes. Na ausência de similares de bioplástico ou de papel, os comerciantes substituíram os itens por canudos oxidobiodegradáveis, que eram jogados na areia da praia sem que fosse providenciado o descarte adequado, causando, assim, riscos ao meio ambiente, mesmo que levados ao mar.
O meio acadêmico, por sua vez, também tem se empenhado no desenvolvimento de novas tecnologias, mesmo que de forma experimental. Desde 2005, a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) realiza pesquisas em busca de materiais biodegradáveis que substituam o celofane derivado da celulose e os filmes plásticos de PVC e de Polipropileno Biorientado (BOPP). A base de matéria-prima é o amido de mandioca, porém, não há previsão de entrada no mercado consumidor. O processo consiste na modificação do amido da mandioca a partir do uso do gás ozônio, o que resulta em um produto resistente e transparente, considerado ideal para embalar alimentos perecíveis de consumo rápido. “Estamos em busca de parceiros, mas os materiais biodegradáveis enfrentam o desafio de ganhar escala no mercado e contam com problemas de custos comparados aos plásticos tradicionais”, afirma a engenheira Carmen Tadini, professora do Departamento de Engenharia Química da Poli-USP. O projeto vem sendo desenvolvido em parceria com a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Enquanto a novidade não chega às prateleiras, a professora acredita na adoção de soluções criativas por parte da indústria de embalagens. “São duas curvas antagônicas que podem se cruzar em um ponto no qual se mantenha a segurança e que reduza os danos ao meio ambiente. Brinquedos, por exemplo, não necessitam de embalagens de plástico”, diz. No varejo alimentício, por exemplo, a professora sugere que as empresas adotem tipos diferentes de plástico, com o uso de itens biodegradáveis, nas embalagens internas, e convencionais, na parte externa, manipulada pelos consumidores. “Não se trata de obrigar o comerciante a abandonar o plástico, mas promover o uso consciente. São políticas públicas que precisam ser implantadas e encampadas pela sociedade. Os investidores precisam acreditar na educação ambiental, são investimentos de médio e longo prazos”, reforça a professora. Entretanto, infelizmente, diz, ainda persistirá o fator do alto custo. “Quando o nosso produto chegar ao mercado, será mais caro que as embalagens hoje usadas.”