O novo momento dos bancos

30 de abril de 2021

Sistema de compartilhamento de informações, previsto para se consolidar em 2021, promete modificar a lógica do sistema bancário brasileiro e abrir caminho para o desenvolvimento de novos produtos e serviços

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Em 2006, o matemático inglês Clive Humby cunhou uma frase que tem sido considerada o epíteto do século 21: Data is the new oil (“Dados são o novo petróleo”). Contudo, na era dos dados, para que haja um bom uso das informações é preciso que, assim como o petróleo, elas sejam refinadas.

E é justamente o conjunto refinado de dados bancários que estão no centro do Open Banking, uma prática que, em linhas gerais, pressupõe o compartilhamento de dados e históricos bancário dos clientes entre bancos, fintechs e outras instituições financeiras. Algo como uma rede social entre players do mercado, mas que depende da permissão de seus usuários para funcionar.

Isto porque a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabeleceu que cada indivíduo – no caso, o correntista de um banco – é dono dos próprios dados. Com isso, surge a possibilidade de transmitir tais informações para outras instituições, o que confere um novo poder de barganha aos clientes e gera mais oferta de produtos e serviços, acirrando a concorrência bancária.

Entretanto, a ideia de um canal interligado para transmissão de informações bancárias não é nova, tampouco uma exclusividade brasileira. Desde 2018, muitos países têm avançado com esta experiência, e, atualmente, o Reino Unido é considerado um dos mais avançados na prática – são mais de 200 milhões de solicitações mensais para troca de informações entre fornecedores e bancos.

“Para nós, trata-se de um referencial técnico, mas vale ressaltar que o modelo brasileiro possui uma amplitude de escopo muito maior”, avalia Carolina Sansão, gerente de Inovação e Tecnologia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

De todo modo, o modelo britânico trouxe alguns aprendizados. “Um deles é um olhar atento à jornada do cliente. Tanto que, hoje, temos um grupo de trabalho específico para discutir a experiência do usuário”, pontua Loise Nascimento, gerente de Policy e Regulatório no Grupo Movile.

Efeito prático

A implantação do Open Banking foi dividida em quatro fases [veja o quadro detalhado ao fim da reportagem].

No momento, com a primeira fase em vigor, já é possível acessar de forma padronizada informações sobre canais de atendimento, produtos financeiros e serviços bancários. “São dados abertos e não individualizados,mas só a consolidação desta primeira fase já permite, por exemplo, a criação de aplicativos que analisem as ofertas de cheque especial, cartão de crédito, CDC, financiamento imobiliário. Além disso, é possível ter uma visão ampla de tarifas e taxas cobradas por cada produto”, explica João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (BC).

A segunda fase, prevista para o mês de julho, amplia o escopo de compartilhamento e envolve dados de transação e cadastros iniciando uma interação mais direta entre instituições bancárias e consumidores. Quando um cliente for abrir uma conta, poderá trazer consigo todo o histórico de relacionamento com uma antiga instituição, eliminando uma série de burocracias e tornando o atendimento mais ágil. “Em alguns segundos, o banco pode conhecer um histórico de 20 anos”, explica Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomercioSP:

Nesta etapa, o consentimento é fundamental, já que ninguém será obrigado a disponibilizar os seus dados e, inclusive, pode decidir o que vai compartilhar. Além disso, as autorizações têm um prazo de validade de 12 meses e devem ser renovadas após esse período.

A partir daí, também se abre espaço para a oferta de novos produtos, como instrumentos e aplicativos que fomentem a educação financeira. É que, com agregação e tratamento dos dados disponíveis, será possível analisar a origem de dívidas, o mau uso de recursos e até o aumento repentino nas contas do dia a dia.

Outra possibilidade é reunir informações de contas diferentes em um só aplicativo, o que dá uma perspectiva mais ampla de toda a sua vida financeira.

Por falar nisso, confira o podcast da PB sobre educação financeira (link)

Já a terceira fase do Open Banking permitirá ao cliente fazer pagamentos e transferências bancárias fora do internet banking ou do aplicativo do banco, por meio de uma ferramenta intermediária.

“É o chamado ‘serviço de iniciação de transição de pagamento’, que faz com o cliente possa iniciar uma operação de crédito sem ter, necessariamente, relacionamento com o intermediário”, detalha Carolina Sansão, da Febraban, instituição que faz parte do grupo de estudos sobre esta etapa.

Também está previsto o desenvolvimento do serviço de encaminhamento de proposta de crédito via Open Banking. “Este movimento significa a possibilidade de redução na taxa de juros, seja para pessoa física ou jurídica, além da ampliação de linhas de crédito. Ao se permitir esta concorrência, a tendência é que haja mais recursos disponíveis, o que também garante um fôlego ao mercado neste momento de pandemia”, defende a economista Kelly Carvalho.

No cenário que se desenha, a reputação passa a ser mais uma moeda de troca em busca de taxas e produtos mais competitivos. “Obvio que estas análises já envolviam instrumentos paralelos, como o Cadastro Positivo e a Central de Risco do BC, mas os bancos podem analisar com mais profundidade o seu comportamento, a gestão do seu fluxo de caixa e sua capacidade de pagamento”, detalha João André Pereira, executivo do Banco Central.

“O brasileiro pode nem saber o que é Open Banking, mas sentirá suas consequências e vai perceber que a vida financeira está ficando mais fácil, assim como ficou mais fácil pegar um carro e pedir uma refeição.” João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (BC)

No entanto, existe espaço para desenvolver este campo envolvendo outros participantes. Loise Nascimento, que também é líder do Grupo de Trabalho (GT) de Open Banking e Meios de Pagamento no Conselho de Comércio Eletrônico (CCE) da FecomercioSP, acredita que o varejo ainda esteja pouco representado. “Se considerarmos que as empresas possuem um pilar de negócios na oferta e serviços de crédito, por exemplo, é importante que haja mais protagonismo e participação”, afirma. O GT, inclusive, participou do envio de propostas ao BC envolvendo a integração da infraestrutura tecnológica das empresas e a ampliação do escopo de compartilhamento de produtos.

Chegando à quarta (e última) fase, que ainda depende de definições de escopo, deve ser incluído o compartilhamento de informações de investimento, previdência, seguros e câmbio. Isso ampliará mais uma vez as possibilidades de desenvolvimento de produtos e serviços, reforçando o objetivo inicial do Open Banking de criar um sistema bancário mais inclusivo, menos concentrado e com mais mobilidade.

Apesar disso, até o fim de 2021, quando o Open Banking deve estar 100% implementado, muitas novidades surgirão. Existem discussões técnicas em torno das interfaces de programação (ou APIs), tratamento das informações e regulações, além de questões relativas a segurança e jornada do cliente.

Ainda assim, uma série de efeitos já é perceptível, e, talvez, um dos mais notórios seja a aceleração das fintechs (as startups do serviço financeiro), que cresceram 34% entre 2019 e 2020, totalizando mais de 800 empresas, segundo dados do Distrito Hub.

“O brasileiro pode nem saber o que é Open Banking, mas sentirá suas consequências e vai perceber que a vida financeira está ficando mais fácil, assim como ficou mais fácil pegar um carro e pedir uma refeição”, sentencia João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central.

Efeitos da implantação do Open Banking

– Menor concentração bancária e maior oferta de crédito (atualmente, os cinco maiores bancos do País oferecem 70% do crédito).

– Democratização dos serviços financeiros e aumento no número de bancarizados.

– Processos bancários menos burocráticos, mais ágeis e mais baratos.

– Mais educação financeira à população.

– Maior circulação de informações para uso no desenvolvimento de novos produtos, serviços e pesquisas.

Entenda as fases de implantação do Open Banking*

1ª fase (1º/2/2021) – Início do compartilhamento de informações relativas aos produtos e serviços e características dos produtos financeiros (exemplos: número de agências, endereços, telefones, taxas e tarifas cobradas)

2ª fase (15/7/2021) – Início do compartilhamento de informações relativas a dados cadastrais dos clientes, transações, operações envolvendo cartões de crédito e operações de crédito. Nesta fase, será necessário o consentimento do usuário

3ª fase (30/8/2021) – Início dos serviços de iniciação de transição de pagamento e encaminhamento de proposta de crédito fora da sua instituição financeira

4ª fase (15/12/2021) – Ampliação dos dados compartilhados, incluindo dados de investimento, previdência, seguros, conta-salário e câmbio

*Sujeitas a alteração

Fernando Sacco Paula Seco
Fernando Sacco Paula Seco