Sistema de compartilhamento de informações, previsto para se consolidar em 2021, promete modificar a lógica do sistema bancário brasileiro e abrir caminho para o desenvolvimento de novos produtos e serviços
Em 2006, o matemático inglês Clive Humby cunhou uma frase que tem sido considerada o epíteto do século 21: Data is the new oil (“Dados são o novo petróleo”). Contudo, na era dos dados, para que haja um bom uso das informações é preciso que, assim como o petróleo, elas sejam refinadas.
E é justamente o conjunto refinado de dados bancários que estão no centro do Open Banking, uma prática que, em linhas gerais, pressupõe o compartilhamento de dados e históricos bancário dos clientes entre bancos, fintechs e outras instituições financeiras. Algo como uma rede social entre players do mercado, mas que depende da permissão de seus usuários para funcionar.
Isto porque a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabeleceu que cada indivíduo – no caso, o correntista de um banco – é dono dos próprios dados. Com isso, surge a possibilidade de transmitir tais informações para outras instituições, o que confere um novo poder de barganha aos clientes e gera mais oferta de produtos e serviços, acirrando a concorrência bancária.
Entretanto, a ideia de um canal interligado para transmissão de informações bancárias não é nova, tampouco uma exclusividade brasileira. Desde 2018, muitos países têm avançado com esta experiência, e, atualmente, o Reino Unido é considerado um dos mais avançados na prática – são mais de 200 milhões de solicitações mensais para troca de informações entre fornecedores e bancos.
“Para nós, trata-se de um referencial técnico, mas vale ressaltar que o modelo brasileiro possui uma amplitude de escopo muito maior”, avalia Carolina Sansão, gerente de Inovação e Tecnologia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
De todo modo, o modelo britânico trouxe alguns aprendizados. “Um deles é um olhar atento à jornada do cliente. Tanto que, hoje, temos um grupo de trabalho específico para discutir a experiência do usuário”, pontua Loise Nascimento, gerente de Policy e Regulatório no Grupo Movile.
A implantação do Open Banking foi dividida em quatro fases [veja o quadro detalhado ao fim da reportagem].
No momento, com a primeira fase em vigor, já é possível acessar de forma padronizada informações sobre canais de atendimento, produtos financeiros e serviços bancários. “São dados abertos e não individualizados,mas só a consolidação desta primeira fase já permite, por exemplo, a criação de aplicativos que analisem as ofertas de cheque especial, cartão de crédito, CDC, financiamento imobiliário. Além disso, é possível ter uma visão ampla de tarifas e taxas cobradas por cada produto”, explica João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central (BC).
A segunda fase, prevista para o mês de julho, amplia o escopo de compartilhamento e envolve dados de transação e cadastros iniciando uma interação mais direta entre instituições bancárias e consumidores. Quando um cliente for abrir uma conta, poderá trazer consigo todo o histórico de relacionamento com uma antiga instituição, eliminando uma série de burocracias e tornando o atendimento mais ágil. “Em alguns segundos, o banco pode conhecer um histórico de 20 anos”, explica Kelly Carvalho, assessora econômica da FecomercioSP:
Nesta etapa, o consentimento é fundamental, já que ninguém será obrigado a disponibilizar os seus dados e, inclusive, pode decidir o que vai compartilhar. Além disso, as autorizações têm um prazo de validade de 12 meses e devem ser renovadas após esse período.
A partir daí, também se abre espaço para a oferta de novos produtos, como instrumentos e aplicativos que fomentem a educação financeira. É que, com agregação e tratamento dos dados disponíveis, será possível analisar a origem de dívidas, o mau uso de recursos e até o aumento repentino nas contas do dia a dia.
Outra possibilidade é reunir informações de contas diferentes em um só aplicativo, o que dá uma perspectiva mais ampla de toda a sua vida financeira.
Por falar nisso, confira o podcast da PB sobre educação financeira (link)
Já a terceira fase do Open Banking permitirá ao cliente fazer pagamentos e transferências bancárias fora do internet banking ou do aplicativo do banco, por meio de uma ferramenta intermediária.
“É o chamado ‘serviço de iniciação de transição de pagamento’, que faz com o cliente possa iniciar uma operação de crédito sem ter, necessariamente, relacionamento com o intermediário”, detalha Carolina Sansão, da Febraban, instituição que faz parte do grupo de estudos sobre esta etapa.
Também está previsto o desenvolvimento do serviço de encaminhamento de proposta de crédito via Open Banking. “Este movimento significa a possibilidade de redução na taxa de juros, seja para pessoa física ou jurídica, além da ampliação de linhas de crédito. Ao se permitir esta concorrência, a tendência é que haja mais recursos disponíveis, o que também garante um fôlego ao mercado neste momento de pandemia”, defende a economista Kelly Carvalho.
No cenário que se desenha, a reputação passa a ser mais uma moeda de troca em busca de taxas e produtos mais competitivos. “Obvio que estas análises já envolviam instrumentos paralelos, como o Cadastro Positivo e a Central de Risco do BC, mas os bancos podem analisar com mais profundidade o seu comportamento, a gestão do seu fluxo de caixa e sua capacidade de pagamento”, detalha João André Pereira, executivo do Banco Central.
No entanto, existe espaço para desenvolver este campo envolvendo outros participantes. Loise Nascimento, que também é líder do Grupo de Trabalho (GT) de Open Banking e Meios de Pagamento no Conselho de Comércio Eletrônico (CCE) da FecomercioSP, acredita que o varejo ainda esteja pouco representado. “Se considerarmos que as empresas possuem um pilar de negócios na oferta e serviços de crédito, por exemplo, é importante que haja mais protagonismo e participação”, afirma. O GT, inclusive, participou do envio de propostas ao BC envolvendo a integração da infraestrutura tecnológica das empresas e a ampliação do escopo de compartilhamento de produtos.
Chegando à quarta (e última) fase, que ainda depende de definições de escopo, deve ser incluído o compartilhamento de informações de investimento, previdência, seguros e câmbio. Isso ampliará mais uma vez as possibilidades de desenvolvimento de produtos e serviços, reforçando o objetivo inicial do Open Banking de criar um sistema bancário mais inclusivo, menos concentrado e com mais mobilidade.
Apesar disso, até o fim de 2021, quando o Open Banking deve estar 100% implementado, muitas novidades surgirão. Existem discussões técnicas em torno das interfaces de programação (ou APIs), tratamento das informações e regulações, além de questões relativas a segurança e jornada do cliente.
Ainda assim, uma série de efeitos já é perceptível, e, talvez, um dos mais notórios seja a aceleração das fintechs (as startups do serviço financeiro), que cresceram 34% entre 2019 e 2020, totalizando mais de 800 empresas, segundo dados do Distrito Hub.
“O brasileiro pode nem saber o que é Open Banking, mas sentirá suas consequências e vai perceber que a vida financeira está ficando mais fácil, assim como ficou mais fácil pegar um carro e pedir uma refeição”, sentencia João André Pereira, chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central.
– Menor concentração bancária e maior oferta de crédito (atualmente, os cinco maiores bancos do País oferecem 70% do crédito).
– Democratização dos serviços financeiros e aumento no número de bancarizados.
– Processos bancários menos burocráticos, mais ágeis e mais baratos.
– Mais educação financeira à população.
– Maior circulação de informações para uso no desenvolvimento de novos produtos, serviços e pesquisas.
1ª fase (1º/2/2021) – Início do compartilhamento de informações relativas aos produtos e serviços e características dos produtos financeiros (exemplos: número de agências, endereços, telefones, taxas e tarifas cobradas)
2ª fase (15/7/2021) – Início do compartilhamento de informações relativas a dados cadastrais dos clientes, transações, operações envolvendo cartões de crédito e operações de crédito. Nesta fase, será necessário o consentimento do usuário
3ª fase (30/8/2021) – Início dos serviços de iniciação de transição de pagamento e encaminhamento de proposta de crédito fora da sua instituição financeira
4ª fase (15/12/2021) – Ampliação dos dados compartilhados, incluindo dados de investimento, previdência, seguros, conta-salário e câmbio