Visto como alternativa para diminuir a emissão de gases de efeito estufa e movimentar a economia global, o mercado de carbono tem gerado discussões sobre a sua eficácia quanto à preservação climática. O sistema permite que aqueles que superaram as metas de redução de emissão de gases gerem os créditos de carbono e possam vender estes excedentes.
No Brasil, o Projeto de lei (PL) 528/2021, de autoria do deputado Marcelo Ramos (PSD/AM), que pretende regulamentar omercado, tramita em regime de urgência e aguarda ser levado ao plenário da Câmara dos Deputados. “Sem uma lei que limite a quantidade das emissões, não há créditos a negociar, exceto no caso de atividades voluntárias que ocorrem em alguns casos entre empresas privadas”, explica José Goldemberg, presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
A integração de regras de precificação de carbono na economia é um passo essencial na evolução da “maturidade climática” do País, avalia Natália Renteria, headofpolicy da Mombak, startup de restauração de florestas. Natália foi gerente técnica de Clima e Finanças Climática do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), instituição que trabalhou na elaboração dos textos do PL e atua na defesa da implementação do mercado de carbono no Brasil, voluntário ou regulado.
“O mercado é importante porque precifica o custo do carbono ao mesmo tempo que incentiva um novo perfil econômico, baseado nas atividades que emitem menos gases de efeito estufa.” Ela destaca que a criação de um mecanismo eficiente de comercialização de créditos de carbono vai contribuir para a redução das emissões de gases poluentes, além de manter a competitividade do setor empresarial brasileiro.
Para o gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Davi Bomtempo, o desafio do País está no planejamento de como este mercado será organizado: quais serão os setores regulados e suas regras, além da estrutura de governança adequada para que seja viável e atrativo a investimentos.
A versão atual do PL propõe a criação de um sistema cap and trade, no qual é definida uma quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa aos agentes regulados e são emitidas permissões de emissão equivalentes. Trata-se do sistema mais usado internacionalmente, por meio do qual são fixadas metas globais e setoriais e as empresas podem comercializar créditos.
Listamos, a seguir, cinco vantagens da regulamentação do mercado de carbono no Brasil.
“Se implementada corretamente, a precificação de carbono fornecerá um sinal de preço, um incentivo para que governos, empresas e consumidores realizem mudanças em investimentos e práticas operacionais”, diz Bomtempo, da CNI.
Isso acontece porque o estabelecimento dos limites de emissão de carbono para regular o mercado de compra e venda de créditos leva a uma reação em cadeia. “O mercado regulado gera um efeito em cascata, porque ativa a economia de diferentes maneiras”, diz Natália Renteria, da Mombak.
Um exemplo simples é quando se pensa na frota de veículos de uma empresa. Para reduzir a pegada de carbono, a companhia pode ter de trocar a frota por automóveis mais modernos de baixa emissão. Isso gera um incentivo na indústria automobilística por inovações tecnológicas. “O mercado de carbono irá estimular as empresas a investirem em tecnologias de baixo carbono, tanto no que tange ao incremento do uso de renováveis quanto a novas fontes energéticas, como o hidrogênio. A economia circular, com redução, reciclagem e reaproveitamento de materiais, será essencial também no processo. Empresas mais sustentáveis poderão gerar créditos para venderem neste mercado”, explica Bomtempo.
A Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA, na sigla em inglês), defende que o comércio de emissões no sistema cap andtrade leva à redução das emissões de gases de efeito estufa ao menor custo. Isso, porque, caso o limite de emissões não seja cumprido, multas podem ser aplicadas. Permitir a negociação dentro deste limite é a maneira mais eficaz de minimizar o custo – o que é bom para os negócios e para as famílias, diz a organização.
Do ponto de vista financeiro, o mercado global é visto como uma área de grande potencial para o Brasil, podendo gerar receitas líquidas de até US$ 72 bilhões até 2030, de acordo com estimativa do Environmental Defense Fund, e de até US$ 100 bilhões, de acordo com a International Chamber ofCommerce do Brasil (ICC). Na opinião de Nabil Kadri, chefe do Departamento de Meio Ambiente e Gestão do Fundo Amazônia do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), além do impacto econômico, a sua organização pode trazer mais previsibilidade e segurança aos investidores em projetos de mitigação de emissões de gases do efeito estufa. “Abrem-se possibilidades de geração de receita adicional para os produtores, podendo viabilizar projetos que, sem essa receita, não seriam viáveis”, diz Kadri.
“O mercado de carbono é uma das ferramentas possíveis para o cumprimento de políticas de ambição climática, de combate ao aquecimento global. É um mecanismo importante porque precifica o custo do carbono na economia, ao mesmo tempo que promove investimentos e incentiva um novo perfil econômico, baseado nas atividades que emitem menos gases de efeito estufa”, explica Natália.
A regulamentação da atividade vai estimular empresas a produzirem créditos de carbono para serem vendidos às que não cumprem as metas de redução de emissões. Com isso, mais empreendimentos sustentáveis devem ser implementados.
Na opinião de Natália, sem o gatilho gerado pela regulamentação, o cenário não muda. “O mercado regulado tem capacidade de gerar esta ação para a economia funcionar de maneira diferente”, destaca.
Além disso, a possibilidade de áreas envolvidas em projetos de restauração florestal fazerem parte deste mercado é outro ponto de destaque. “Projetos de restauração de florestas nativas trazem créditos com uma ótima adicionalidade, ou seja, são oriundos de uma atividade que poderia não ocorrer sem o incentivo gerado pela implantação dos projetos de carbono”, afirma Natália. Esses projetos que restauram áreas que não estavam atuando no equilíbrio climático ainda têm o mérito de acumular benefícios, já que, além de recuperar a área florestal que estava perdida, reativam a economia da região onde são implantados.
São muitas as possíveis áreas de atuação profissional que podem ser ampliadas com o estabelecimento do mercado. De profissionais que atuarão na indústria aos que trabalharão no campo buscando a produção de créditos de carbono, as possibilidades são grandes. Na avaliação de Natália, os profissionais que operarem no setor de manutenção e restauração das florestas são os que mais podem ganhar. “A demanda por profissionais como agrônomos e engenheiros florestais vai aumentar”, diz. Além disso, na outra ponta também haverá espaço para profissionais habilitados a atuar no comércio de carbono, o que pode dar espaço a um novo perfil de profissional do mercado financeiro.
“O Brasil perde muito se não adotar a regulamentação do mercado”, afirma Natália. Para ela, a implantação de um mercado regulado do tipo cap and trade, em que as empresas recebem um limite de emissões e podem comercializar dentro deste ambiente regulado as sobras e as faltas de permissões de emissões combinadas, garante a competitividade internacional da nossa indústria, já que a maioria dos parceiros comerciais internacionais do Brasil tem políticas de precificação de carbono em prática.