Cinco fatores explicam a alta da inflação

16 de fevereiro de 2022

Em 2021, o Brasil fechou o ano com inflação em 10,06%, a maior alta em seis anos, segundo o IBGE. Estamos longe de ser o único país às voltas com o aumento generalizado de preços. Trata-se de um fenômeno global. Contudo, a somatória de fatores internos e externos nos levou à marca de 5ª maior inflação da América Latina.

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No último mês, os agentes financeiros aumentaram três vezes consecutivas a projeção de inflação para este ano. Segundo o Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no final de janeiro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar 2022 em 5,38%. Apenas uma semana antes, a expectativa era de que a inflação encerrasse o ano em 5,15%. Um mês atrás, a previsão ficava em 5,03%. A FecomercioSP estima algo entre 5,50% e 6%.

Enquanto isso, a alta no preço de produtos de necessidades básicas vem tirando, por exemplo, a carne bovina do prato das famílias brasileiras. Com preço recorde, o consumo é o menor em 16 anos no País, segundo estimativa calculada pelo especialista da Consultoria Agro do Itaú BBA, Cesar de Castro Alves, sob encomenda da BBC News Brasil.

Lá fora, a situação também é preocupante. Nos Estados Unidos, a inflação bateu o recorde dos últimos 39 anos. Outra das pujantes economias mundiais, a Alemanha, também amarga com a alta dos preços, que alcança seu nível mais elevado em quase três décadas.

Mas o que está por trás desta escalada? Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, elenca cinco razões pelas quais a inflação está subindo a níveis tão disparados no Brasil e no mundo.

“Em relação ao mundo, a América Latina é mais historicamente leniente com a inflação, por causa de sua herança populista.”

1) Custos elevados e expansão fiscal

Quando os produtos e insumos aumentam de preço, há elevação de custos de produção. “Se for um aumento setorial, não se caracteriza como inflação, mas quando atinge vários setores da economia, sim.” Ou seja, se há aumento só do preço do arroz, não se configura um processo inflacionário. Agora, se o custo de uma série de insumos aumenta, temos impacto inflacionário, porque é generalizado. “Foi o que aconteceu durante a pandemia: houve uma desorganização da cadeia produtiva e aumento de custos”, esclarece Pina.

Um segundo aspecto que afeta a inflação é a confiança. “Na falta de confiança, todos começam a aumentar seus preços, por achar que os insumos aumentarão.” Sem confiança no equilíbrio macroeconômico, outro efeito adverso surge: a pressão sobre o câmbio, que é parte da formação de custos de importação de insumos e exportação de produtos, os quais são cotados em dólar.

Em reação à pandemia, governos adotaram medidas de expansão fiscal em escala global. Vários países passaram a gastar mais e estão concedendo auxílios para suas populações, o que acabou ocasionando uma pressão de demanda maior do que a oferta. “Aparentemente, há um excesso de ativismo fiscal, que deverá manter um pouco dessa pressão em países como Estados Unidos, Inglaterra, além de outros da Europa Continental, por algum tempo.”

2) América Latina: herança populista

Na América Latina, como sempre, há questões específicas. Uma visão pouco responsável de política fiscal, tradicional no continente, aumenta a percepção de descontrole. “Em relação ao mundo, a América Latina é mais historicamente leniente com a inflação, por causa de sua herança populista.”

3) Remédio amargo imediato

Começa a haver sinais de que bancos centrais, como o Federal Reserve (EUA), reconhecem ter se atrasado no comando da inflação. Um plano estratégico de solução, porém, não foi apresentado até o momento. O mesmo ocorre na Inglaterra. O mundo ainda tem taxas negativas de juros, algo que funcionou em certo período da pandemia, mas que não se sustenta em um contexto de retomada. Há aí um grande estímulo para o descontrole de preços.O ideal seria elevar os juros agora, para não ter que subir muito mais depois. Quanto mais tempo levar este problema, mais cara será a solução. É como uma bola de neve, quando chega lá embaixo, ela não para mais”, adverte o economista.

4) A influência americana

Os Estados Unidos continuam sendo importantes, porque concentram 25% da economia do mundo. A China, hoje, é a segunda nação mais influente, com outros 15%. Juntos, os dois países somam 40% da economia mundial e controlam mais de metade das relações comerciais. Mais importante do que a relação entre EUA e China é o fato de que a moeda de troca mundial continua sendo o dólar. Então, o que vai acontecer com a moeda americana é importante para a inflação no mundo todo.

5) O que vendemos afeta o que compramos

As exportações e o câmbio acabam se refletindo nos preços do mercado interno. As exportações de carne caíram – conforme os números mais recentes, de novembro, levantados pela Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), as exportações in natura e processadas recuaram 47% em volume, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados são compilados a partir das informações da Secretaria de Comércio Exterior, vinculada ao Ministério da Economia –, mas o Brasil ainda exporta muito, e a demanda é muito grande. Ao mesmo tempo, os custos dos insumos necessários à produção agrícola, para alimentar os animais, também subiram.

Além da carne, o açúcar, o café, os combustíveis, a energia, o transporte por aplicativo e as passagens aéreas são alguns dos itens cujos preços aumentaram muito mais do que os salários, em 2021. Por trás do aumento de mais de 30% nesses produtos, estão diferentes explicações.

“O café é um caso à parte, pois as pessoas habitualmente não conseguem deixar de consumir.” Quando sobe o petróleo, sobe o álcool e o açúcar. É natural, uma vez que um substitui o outro no jogo da oferta e da procura. Pina explica que o café é como o ouro, uma grande reserva de valor, que traz uma característica chamada de “hedonista” na economia – os itens hedônicos.

No caso de passagem aérea, além do aumento recente do preço do combustível, entra em cena um problema na cadeia de serviços. Muitas empresas estão operando com menos aviões, pois ainda não se está viajando tanto como antes da crise. “Logo, os custos fixos são diluídos por menos viagens e menos passageiros por quilômetro, como se calcula. Assim, as passagens acabaram subindo de preço.”

Eduardo Ribeiro Paula Seco
Eduardo Ribeiro Paula Seco