O aumento desenfreado de preços sempre foi motivo de tensão para as famílias brasileiras. Nos anos 1980 e 1990, a inflação chegou a bater 80% ao mês, derretendo o poder de compra. À época, o trabalhador recebia o salário e corria para o supermercado, antes que uma nova remarcação mudasse os preços de produtos básicos. Em 1993, com a implementação do Plano Real, começou o processo de estabilização econômica. O real entrou em circulação em julho de 1994, quando a inflação acumulada em 12 meses beirava 5.000%. O indicador foi perdendo força, até encerrar o ano em 916%. E daí para frente foi ladeira abaixo, despencando para 22% em 2015, conforme dados do Banco Central (Bacen).
Desde então, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial do País, acumulado em 12 meses vinha se mantendo abaixo de dois dígitos em quase todos os anos. Na última década, com exceção de 2015 (10,67%), a inflação ficou relativamente sob controle, abaixo de 6,5% ao ano.
Após a instabilidade política que culminou no impeachment de 2016, o País vinha de um quadro relativamente estável. Contudo, a combinação entre a crise sanitária e o choque no petróleo e nas commodities agrícolas fez a inflação acumulada de 12 meses voltar aos dois dígitos em setembro de 2021. Com os preços em escalada, desde o ano passado, encher o carrinho do mercado ou o tanque do carro tem sido cada vez mais difícil. Persistente e espalhada em diversos setores, a inflação tem causado grande impacto nos orçamentos das famílias, indo além de alimentos e combustíveis.
A prévia de junho mostrava que o IPCA acelerou para 0,69%, acima da taxa de 0,59% de maio. Com isso, o IPCA-15 está em 12,04%, em 12 meses. São dez meses seguidos com o índice anual acima dos dois dígitos.
Diante deste cenário, o Banco Central admitiu oficialmente que a meta de inflação será descumprida pelo segundo ano seguido. Em relatório divulgado no fim de junho, a autarquia monetária considerou que a probabilidade de a inflação furar o teto do sistema de metas neste ano passou de 88%, em março, para 100%, em junho. Para 2023, a possibilidade de superar o teto avançou de 12% para 29%. A meta de inflação é fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e, neste ano, está em 3,5%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. Dessa forma, a inflação poderia ficar entre 2% e 5% neste ano. Mas a instituição estima que o IPCA atingirá 8,8%, em 2022.
No curto prazo, a inflação pode ter um aspecto sedutor para o governo, porque contribui com as contas públicas. Para se ter uma ideia, a arrecadação federal teve o maior valor para o mês de maio em 28 anos, conforme a Secretaria da Receita Federal. Foram R$ 165,3 bilhões arrecadados com impostos, contribuições e demais receitas, aumento de 4,1%, na comparação com o mesmo mês do ano passado, quando a arrecadação foi de R$ 158,8 bilhões. O problema é que se, por um lado, ajuda a deixar temporariamente as contas públicas no azul, por outro, isso gera a falsa sensação de que está tudo sob controle. “E isso alimenta a postura populista dos governos, como ocorreu em 2014 e está ocorrendo agora, com consequências severas de aumento da inflação e queda do PIB (Produto Interno Bruto)”, diz Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating.
“Muitos governos, no passado, se perderam, a ponto de não haver outra solução senão com novos planos econômicos”, afirma Fabio Pina, economista da FecomercioSP. Para ele, o risco de deixar a inflação caminhar para não afetar a popularidade – porque os instrumentos para combatê-la são impopulares – é enorme. “A inflação é um esteroide para as contas públicas, mas o custo disso para a saúde econômica é terrível”, avalia Pina. Ele explica que, no curto prazo, os efeitos negativos da inflação são possíveis de se mascarar com outras políticas, como redução temporária de impostos, mas medidas assim criam distorções que o mercado corrige tempos depois.
Pina lembra que o crescimento do País foi financiado com dívida externa, nos anos 1970; com inflação, na década de 1980; com dívida externa, na década de 1990; e com tributos a partir do fim dos anos 1990. “Essas fontes, no entanto, se esgotaram, e a questão que fica é: voltaremos ao financiamento inflacionário?”, questiona o economista.
A alta de preços, no entanto, não é um fenômeno exclusivo dos brasileiros. Mundo afora países têm observado uma escalada inflacionária. A Europa e os Estados Unidos não viam uma inflação tão alta há anos, reflexo das medidas adotadas pelos governos para tentar conter o impacto da pandemia. Com mais recursos disponíveis, houve aumento do consumo, mas as cadeias produtivas não conseguiram atender à demanda. Para piorar, a guerra entre Rússia e Ucrânia vem contribuindo para o aumento de preços, especialmente do petróleo. “Nos próximos 18 a 36 meses, vamos conviver com padrão inflacionário acima do que estávamos acostumados há 20 anos, dependendo do país”, projeta Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper.
Em geral, as principais economias globais têm bom nível de produtividade, por isso começaram a atacar a inflação somente agora. O primeiro objetivo era preservar o emprego. Com o agravamento do indicador de preços, estão reduzindo os programas de liquidez que havia no mercado de capitais e elevando a taxa de juros.
Por aqui, com a desigualdade social aliada aos problemas fiscais, a gravidade é maior. Relatório da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que a inflação acumulada em 12 meses no Brasil é a maior do G20 – grupo dos países mais ricos – e fica atrás apenas de Turquia e Argentina. “O Brasil e a Turquia são os clássicos exemplos dos efeitos que a economia e a sociedade sofrem das interferências políticas e da má condução das políticas públicas quando a prioridade é o ambiente político, e não a população”, analisa Agostini, da Austin Rating.
O reflexo deste cenário brasileiro é a redução constante do poder de compra das famílias, com efeito desastroso também para as empresas e, consequentemente, para a economia, conforme pontua Calil Filippelli, gestor de renda fixa da Ouro Preto Investimentos. Em um primeiro momento, as empresas sentem um aumento nos preços dos insumos e da manutenção de maquinário. Em um cenário de crise, as próximas etapas, de uma forma geral, consistem no repasse de preços para o consumidor, que, com a perda do seu poder de consumo, passa a comprar menos. Essa queda de demanda pode causar um desestímulo de investimentos e culminar em demissões.