Medidas como auxílio emergencial e apoio aos empresários ajudam a atenuar a situação do desemprego, mas não são suficientes para criar novas vagas. Essas só devem surgir quando os empresários estiverem seguros para voltar a investir, com a descoberta de uma vacina, por exemplo.
Eduardo Giannetti da Fonseca, economista; José Pastore, também economista e que, há décadas, estuda o mundo do trabalho (atualmente presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP); e Sérgio Lazzarini, professor do Insper. Embora atuem em áreas distintas, os três têm em comum uma preocupação: os efeitos que a crise econômica trazida pela pandemia causará nas relações de trabalho. Lazzarini e Giannetti acrescentam outra aflição: a questão das contas públicas. Mais especificamente na maneira como o auxílio emergencial deverá afetar o orçamento do governo tanto neste como no próximo ano.
“A onda da pandemia parece que está lentamente passando. No entanto, vamos viver o impacto social do covid-19 em 2021. E ele é muito ameaçador em um país com tanta desigualdade social como o Brasil”, afirma Giannetti. Para ele, a questão do emprego será dramática e poderá acentuar ainda mais essa desigualdade. “O quadro que se desenha é muito preocupante”, pontua o economista, lembrando que o auxílio emergencial – já reduzido pela metade – deverá ser suspenso no fim do ano. Segundo o governo federal, até setembro de 2020, 67,7 milhões de brasileiros haviam recebido o auxílio emergencial, totalizando R$ 224,8 bilhões desembolsados. “Ao mesmo tempo, as empresas que se beneficiaram dos programas de crédito mais barato e do adiamento do pagamento dos impostos, terão que pagar as suas dívidas no momento de queda da demanda. A ‘quebradeira’ vai vir e o desemprego, já muito alto, aumentar ainda mais.”
Para Giannetti, o aumento de 1,1 milhão no número de desempregados em uma única semana de setembro – fazendo o índice medido pelo IBGE saltar de 13,2% para 14,3% – já é reflexo do desalento que começa a tomar conta do brasileiro. “São pessoas que estão tentando voltar ao mercado de trabalho porque percebem que, ao fim do auxílio emergencial, não terão como viver. É um quadro muito sério”. Apesar desse cenário, o governo tem repetido que não pretende prorrogar o auxílio emergencial para além de 31 de dezembro de 2020. Uma das saídas que o Congresso discute seria a substituição do Bolsa Família pelo Renda Cidadã, que passaria dos atuais R$ 190 para R$ 240.
Entretanto, pode não ser suficiente. “Se as medidas de auxílio emergencial não forem postergadas, o quadro do desemprego ficará ainda mais dramático”, afirma Pastore, referindo-se tanto às ações voltadas ao trabalhador quanto àquelas destinadas aos empresários, como a possibilidade da redução da jornada de trabalho com corte de salário. “Essas medidas poderão ajudar a conter um agravamento da situação. Ainda assim, a perspectiva de novas contratações é bastante limitada. Isso só deve ocorrer quando os empresários se sentirem seguros para voltar a investir. E só vai acontecer quando surgir uma vacina ou remédio para o covid-19.”
“O que assusta são as vozes que usam o estado de emergência para justificar mais gastos estatais em outras áreas. A pandemia foi um episódio, e, quando resolvido de forma eficiente, precisamos retomar a trajetória de tentar segurar as contas, de fazer a reforma do Estado, de segurar o financiamento público.” Sérgio Lazzarini, pesquisador do Insper
Neste cenário, Pastore pontua que alguns setores poderão demorar ainda mais para se recuperarem, casos do turismo e do entretenimento, entre outros. Comércio e serviços, ao contrário, começam a ter um respiro.
Pelo menos é o que mostra a Pesquisa de Emprego no Estado de São Paulo (PESP) da FecomercioSP, feita com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. Em agosto, o comércio paulista teve saldo positivo de 15.339 vagas – um avanço de 0,6% em relação ao estoque (total de empregados). Foi o mês com maior crescimento do mercado formal entre os comerciantes do Estado, desde novembro de 2019. No setor de serviços, foram 15.635 novas vagas e crescimento de 0,26%.
Embora sejam considerados um alento, os números não foram suficientes para reverter os indicadores negativos do ano. Juntos, até agosto, comércio e serviços no Estado de São Paulo registram saldo negativo de 308.727 empregos formais. “Esses dados tratam apenas do Estado de São Paulo e fazem um recorte de comércio e serviços. Se ampliarmos para todo o Brasil e todos os setores, chegamos à conclusão de que temos quase 50% da força de trabalho do País sem trabalho. São números assustadores, de muito sofrimento”, diz Pastore.
Na opinião de Lazzarini, do Insper, o cenário de emprego só não é pior por causa do esforço que o governo fez para socorrer as empresas, especialmente as de menor porte. “As pequenas empresas têm, de fato, dificuldade de obter crédito, e o Pronampe [Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte] facilita este acesso, já que o Tesouro banca a garantia do pequeno empresário. Acho que foi um bom movimento”, diz. Até 1º de outubro, o Pronampe liberou R$ 31,5 bilhões. Mesmo tendo o Tesouro como fiador, muitos empresários não conseguiram o crédito ou desistiram de pedir. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), um conjunto de fatores dificulta o acesso do micro e pequeno empresário, entre os quais inadimplência, falta de garantias para quitar o financiamento e burocracia imposta pelas instituições financeiras.
Ele reconhece que, no início da operação, a Caixa foi quem mais liberou crédito, já que o setor bancário privado ficou relutante. “Aos poucos, entretanto, eles foram percebendo que o mecanismo funciona e acabaram aderindo um pouco mais”. Para Lazzarini, entretanto, foi uma ação isolada. De resto, diz, não existe coordenação no enfrentamento da pandemia, ressaltando como isso atrasa a recuperação econômica. “Fica uma ‘queda de braço’ entre as esferas federal e estaduais sobre o que é responsabilidade de quem, quando poderíamos ter uma política nacional de compra de insumos essenciais, por exemplo, de alocação de espaços em hospitais. Nós perdemos a oportunidade de coordenar uma resposta à pandemia de forma generalizada. Felizmente, cada Estado tentou implementar as ações da melhor forma possível.”
“A onda da pandemia parece que está lentamente passando. No entanto, o impacto social do covid-19 nós, provavelmente, vamos viver em 2021. E, ele é muito ameaçador em um país com tanta desigualdade social como o Brasil.”
Eduardo Giannetti da Fonseca, economista
Enquanto a vacina para o covid-19 não é descoberta, a única certeza que se tem é que o Brasil vai encerrar o ano com as contas públicas mais deterioradas. Crítico do aumento de gastos, Lazzarini pontua que é preciso separar o custo de emergência, que é necessário e de curto prazo. “O que assusta são as vozes que usam esse estado de emergência para justificar mais gatos estatais em outras áreas, investindo mais. Não, isso não pode ocorrer. A pandemia foi um episódio, e, quando resolvido de forma eficiente, precisamos retomar a trajetória que tínhamos começado no governo Temer de tentar segurar as contas, de fazer a reforma do Estado, de segurar o financiamento público.”
Do contrário, pontua, o País estará repetindo o que ocorreu no pós-crise de 2008. “Naquela ocasião, as empresas tiveram dificuldade de captar recursos, e os bancos públicos cumpriram um papel importante. E criou-se a ideia de que se o mercado não funciona, o Estado precisa ser forte. O resultado foi que nossa dívida pública cresceu muito porque não fomos seletivos no uso desses elementos”, afirma Lazzarini.
Eduardo Giannetti também vê com ressalvas o aumento da dívida pública. Ele pontua que o Brasil entrou na pandemia com dívida bruta em torno de 75% do Produto Interno Bruto (PIB) e deverá sair com algo entre 95% e 100%. “Não é o fim do mundo. Países como Japão e Itália convivem com dívidas líquidas maiores que 100% do PIB há muitos anos e não caíram no precipício. De toda forma, é uma situação que requer atenção.”
Para o economista, se a dívida pública continuar em trajetória ascendente em 2021, uma vez ultrapassada essa situação de emergência, haverá dúvida sobre a capacidade de solvência do Estado brasileiro. “Dá para entender que a dívida tenha mudado de patamar, não há nenhum problema nisso – foi inclusive, um cenário mundial –, mas o caso brasileiro inspira cuidado porque se tivermos essa situação de incerteza sobre a solvência estatal brasileira, isso vai se refletir nos juros: os credores vão passar a exigir um prêmio de risco maior para continuar a ceder recursos para o governo. E se aumentar o juro, com o estoque de dívida muito mais alto, o déficit público nominal vai virar uma ‘bola de neve’.”