Crescimento e reformas: desafios pela frente

14 de outubro de 2022

Desaceleração do PIB, empregos e exportações vão desafiar a política econômica para o ano que vem, impactada ainda por desequilíbrio fiscal, necessidade de atenção a investimentos sociais e dificuldades para aprovação de medidas como reformas Administrativa e Tributária.

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Os indicadores positivos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do mercado de trabalho reverteram expectativas, inicialmente contidas, para o Brasil em 2022. Entretanto, 2023 pode ser mais desafiador: este avanço do PIB deve ser comprometido por deterioração econômica mundial e dificuldades tanto de equilíbrio fiscal como de investimentos governamentais. Além disso, haverá menos oportunidades para expansão do emprego, bem como a necessidade de manutenção da taxa de juros em alta para conter a inflação, que ainda deve superar 5%. Ainda, o perfil mais conservador do novo Congresso dificultará a aprovação de reformas como a Administrativa e a Tributária, desenhadas para refrear gastos e simplificar o ambiente de negócios, a fim de estimular investimentos.

A recuperação da economia deste ano decorreu do aumento das exportações, das transferências governamentais elevadas, da recuperação do emprego e da massa salarial e dos aumentos de crédito e saque de cadernetas de poupança, levando à expansão de 2,7% do PIB. Já para 2023, estimativas de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central (Bacen) indicam crescimento entre 0,5% e 1%. A perda de fôlego sofre efeito do aumento de juros – até agora insuficiente para refrear a inflação – e da deterioração da economia mundial. Também pesam os limites históricos em taxas de investimento e produtividade.

O setor industrial, inclusive o extrativo, sustentou o desempenho das exportações de 2022. Sofrerá, porém, com a compressão de seus três grandes compradores: China, Argentina e Estados Unidos. As exportações agrícolas podem crescer, mas geram menos renda interna – e os preços estão em queda. “Contudo, ainda somos um país mais atrativo para investimentos do que concorrentes como Argentina, China, Turquia e Rússia”, destaca Antonio Lanzana, copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

A alta das vagas de trabalho desacelera, após onda positiva puxada pelo setor de serviços a partir de uma base muito baixa. Mesmo as eleições provocam impacto positivo em ocupação e investimentos, embora, até sua finalização, tragam mais incertezas do que segurança, interpreta Lanzana. De acordo com o economista, ainda que a definição de governante e equipe e diretrizes de política econômica crie expectativas otimistas de curto prazo, o conflito entre necessidades – como limite de gastos e investimentos sociais – estará em pauta; desafio será manter o equilíbrio fiscal.

Alternativas

Uma opção seria direcionar recursos sem majorar gastos e com mais eficiência. Por exemplo, a redução do volume de subsídios, excessivos e direcionados até para sustentar a ineficiência na área industrial. Investimentos sociais podem ser atrelados a meritocracia e indicadores de desempenho, em educação, saúde ou funcionalismo público. Outro caminho é o aumento da taxa tributária, como a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), bem como a taxação de dividendos ou de grandes fortunas. Além disso, a âncora fiscal será mais uma questão-chave na política econômica, já que o teto de gastos (criado para diluir a redução de despesas ao longo do tempo) perdeu credibilidade. As possibilidades incluem metas para a dívida pública, que tende a pressionar a política de juros, ou para o superávit primário, com capacidade de estimular o aumento de carga tributária.

Lanzana discorda da opção de atrelar o crescimento à demanda e observa que os aumentos da produtividade e da taxa de investimento são essenciais para um padrão sustentável de desenvolvimento. Entretanto, os índices brasileiros anuais nestes quesitos não passam de 18,5% e 0,5%, respectivamente, o que limitou a capacidade média de expansão do País a 2% ao ano (a.a.) nas últimas duas décadas, quando o mundo avançou 3,5%, e os países emergentes, 4,6%. A maior queda em investimento foi observada no setor público, embora a carga tributária tenha avançado de 25% para 33%, da década de 1970 para cá, em virtude do aumento das despesas correntes. Mais abertura comercial para acesso a tecnologias de ponta, mais investimentos em infraestrutura – hoje, em torno de 1,5% do PIB, contra média mundial de 4% – e melhoria do ambiente de negócios são recomendações do economista da FecomercioSP, apesar das dificuldades na aprovação de reformas, seja qual for o eleito.

“O conflito entre necessidades como limite de gastos e investimentos sociais estará em pauta, e o desafio será manter o equilíbrio fiscal.” Antonio Lanzana, copresidente do Conselho de Economia Empresarial e Política (CEEP) da FecomercioSP

A administrativa luta contra o lobby do funcionalismo público; a tributária, com modelos em curso no Congresso, enfrenta conflitos de interesses. Entretanto, a necessidade de reformas é maior frente ao crescimento mais tímido, acrescenta Simão Silber, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). “De preferência no primeiro ano, quando o escolhido tem mais força política”, afirma.

Além dos ambientes econômico e fiscal desafiadores, o presidente eleito encontrará dificuldades extras para a economia, como o desempenho desfavorável da receita dos três níveis de governo, após arrecadação beneficiada por alta inflacionária e expansão do PIB entre 2021 e 2022. No entanto, Silber aponta iniciativas com potencial para alavancar o crescimento rapidamente, como concessões, privatização e postura assertiva quanto ao meio ambiente. Segundo o pesquisador, as duas primeiras encontram resistência dos dois candidatos, ambos com perfil protecionista e nacionalista – um por ser de esquerda; outro, por ser militar. O problema é que o comportamento afasta investimentos disponíveis mundo afora, por falta de melhor definição do papel do setor privado em áreas como Infraestrutura, Educação ou Energia. Já a eficiência ambiental pode ajudar a viabilizar o acordo entre Mercosul e União Europeia.

“O próximo governo terá de segurar os gastos frente ao desequilíbrio fiscal, ampliado pelo esforço natural para reeleição”, avalia Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Além da desaceleração “contratada” se refletir no mercado de trabalho, mesmo medidas já aprovadas, com o marco do saneamento, ainda sofrem com resultados tímidos decorrentes do nível de incerteza medido pela organização – que se mantém acima dos 110 pontos desde 2016. A situação fiscal, deteriorada desde 2014, também não ajuda, e a solução soma a impopular combinação do aumento de impostos à redução de gastos. “Ajuste fiscal e atendimento da necessidade social é a arte que os políticos têm de realizar”, analisa Barbosa Filho.

Martha Funke Maria Fernanda Gama
Martha Funke Maria Fernanda Gama