Efeito desbancarização

28 de novembro de 2023

Smartphones, TVs inteligentes, livros digitais e até mesmo geladeiras integradas à internet. A gama de produtos que fazem parte do dia a dia dos brasileiros e que, nos últimos anos, abandonaram a versão analógica e migraram para o digital é quase infinita. Assim, o dinheiro e as instituições que com ele trabalham não poderiam ficar para trás.

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A transformação digital trouxe novos players entre as instituições financeiras, bem como algumas consequências para os bancos tradicionais do País, que precisaram modernizar o atendimento e melhorar as plataformas digitais para não perder (mais) clientes.

A rede física, contudo, não passou intacta pelas profundas transformações. Foi necessário reduzir o número de agências físicas nas cidades e de funcionários para conseguir cortar gastos e manter o lucro, agradando os agentes do mercado financeiro que desconfiavam do impacto dos novos incumbentes no setor. Mas a transformação não está limitada à operação bancária. Na esteira da modernização do setor financeiro, os ativos também migraram ao digital. Das criptomoedas, passando pelo PIX e chegando ao Drex — o real digital —, a transformação do dinheiro caminha a passos largos no Brasil, redesenhando o cenário financeiro. No futuro, inclusive, o movimento de desbancarização, ou seja, a não dependência dos bancos tradicionais para comprar ou investir, pode ser completo.

A DIGITALIZAÇÃO

O advento dos smartphones, que possibilitaram a chegada da tecnologia ao setor bancário, revolucionou a forma com que os brasileiros utilizam os bancos. Claro que ainda há caixas e filas nas agências, mas essa realidade parece estar com os dias contados. Para Silas Cezar, professor do curso de Economia na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), o uso dos aplicativos bancários permitiu ao setor verificar um aumento da produtividade dificilmente experimentada em terras nacionais, ampliando a possibilidade de escolha do consumidor, que pode optar pela instituição que cobre a menor taxa. “No setor bancário, bem como em qualquer outro, o avanço tecnológico implica avanço da produtividade — e aumento da produtividade é sinônimo de economia. Em outras palavras,  todos os avanços, em qualquer tempo, têm por propósito fazer com que os recursos necessários para obter certos resultados sejam os menores possíveis. Por essa razão é que se investe tanto em tecnologia”, afirma Cezar.

Portanto, o impacto da tecnologia causado ao setor financeiro tem sido inegavelmente positivo para a população brasileira desde 2016, quando a transformação se deu com a agenda BC+, uma pauta de trabalho do Banco Central (Bacen) centrada na evolução tecnológica para desenvolver questões estruturais do sistema financeiro, uma vez que ampliou a concorrência e reduziu as taxas por produtos e serviços bancários.

Segundo Milton Rabelo, analista da VG Research, historicamente, os bancos brasileiros se posicionaram entre aqueles que aplicavam os spreads mais altos em termos globais, tanto de crédito quanto de taxas de investimentos. “A agenda BC+ visava, de maneira correta, criar um ambiente de maior concorrência  em um setor desde sempre muito concentrado e pavimentou as condições institucionais para a proliferação de fintechs no País. Por meio dos ganhos de eficiência de tecnologia, essas instituições conseguiram oferecer de forma gratuita, ou muito mais barata, uma série de serviços e produtos antes ofertados a preços mais elevados pelos bancos tradicionais”, ressalta.

A concentração bancária segue em trajetória de queda no País. As quatro maiores instituições financeiras — Caixa Econômica Federal, Itaú, Banco do Brasil e Bradesco — concentravam 59% do mercado de crédito em 2022, segundo o Relatório de Economia Bancária (REB). O número caiu 0,3 ponto porcentual em relação a 2021 e segue em declínio desde 2020, quando era de 59,4%.

NOVOS INCUMBENTES NA ÁREA

Apesar do fardo histórico de altos preços ao consumidor no setor, a agenda do Bacen colocou o Brasil na vanguarda da modernização bancária. Além disso, novos players como Inter, Nubank e XP surgiram. Sem agências, essas empresas focaram na usabilidade pelo smartphone e conseguiram reduzir custos, optando por oferecer cartões de crédito e conta corrente sem taxas, uma revolução no setor. No segundo trimestre deste ano, por exemplo, o Inter registrou lucro recorde de R$ 64 milhões, alta de 165% frente ao trimestre anterior, com a adição de 1,5 milhão de clientes no período, atingindo uma base de quase 28 milhões de pessoas.

Já o Nubank obteve lucro líquido de US$ 224,9 milhões no período, revertendo prejuízo líquido de US$ 29,9 milhões de um ano antes, com 83,7 milhões de clientes, um aumento de 28% na comparação anual. A fintech brasileira, fundada em maio de 2013, passou a ser a quarta maior instituição financeira nacional em número de clientes, ao ultrapassar o Banco do Brasil, segundo relatório do Banco Central.

Segundo Matheus Nascimento, analista da Levante Corp, mesmo com os serviços grátis, os novos bancos lucram com outros itens, como seguros e linhas de crédito. “Podemos identificar vários fatores que impulsionaram o crescimento das receitas, muitos dos quais estão relacionados à conveniência na contratação de serviços e a taxas atrativas para investimentos. Além disso, a oferta de cartões de crédito com aprovação simplificada contribuiu para um rápido aumento no número de usuários desses bancos. Contudo, isso também resultou em uma base de clientes inclinada a operações de crédito mais arrojadas”, diz.

Essa nova forma de operação, no entanto, pode causar atritos com os grandes bancos. De acordo com dados do Sindicato dos Bancários de São Paulo, o setor eliminou 70 mil empregos e fechou mais de 5 mil agências em dez anos. Além disso, o resultado dessas novas instituições também pressiona as tradicionais. “Na verdade, os bancões já têm sofrido o impacto da concorrência dos neobanks há algum tempo, sobretudo a partir da pandemia, que impôs severas restrições de circulação às pessoas. Dentre os impactos imediatos, é possível perceber que as instituições bancárias incumbentes enfrentam grande dificuldade para aumentar as receitas de prestação de serviços nos últimos anos, justamente em razão do ambiente de alta concorrência, impulsionado pela oferta de serviços das fintechs”, afirma Milton Rabelo, da VG Research.

A ÍNTEGRA DESTE CONTEÚDO FAZ PARTE DA EDIÇÃO #477 IMPRESSA DA REVISTA PB. PARA CONTINUAR LENDO, ACESSE A VERSÃO DIGITAL, DISPONÍVEL NAS PLATAFORMAS BANCAH E REVISTARIAS.

Vinicius Pereira Paula Seco
Vinicius Pereira Paula Seco