Eletrobras: e agora?

28 de julho de 2022

Oferta pública de ações movimentou R$ 33,7 bilhões na Bolsa, diluiu a participação da União e pulverizou o capital social. Transformada em corporação sem “dono” definido, companhia arrematou lote em leilão de transmissão, coisa que não fazia há anos. Desestatização promete dinamizar setor elétrico.

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Realizada em junho de 2022, por meio de capitalização, a privatização da Eletrobras é considerada positiva para a empresa, o setor elétrico, o mercado financeiro e a imagem do Brasil como destino de investimentos. Expectativas de redução da conta de luz, porém, devem ser frustradas, principalmente por causa dos chamados “jabutis”, obrigações incluídas pelo Congresso na Lei 14.182/2021, que trata da desestatização.

“As expectativas com a privatização da Eletrobras são positivas. Pena que o governo cedeu à incorporação dos ‘jabutis’”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e ex-secretário executivo do Ministério de Minas e Energia no governo Michel Temer (MDB), de 2016 a 2018.

A privatização ocorreu por meio de oferta pública de ações, que movimentou R$ 33,7 bilhões na Bolsa. Com a elevação do capital social, o governo diluiu sua participação e deixou de ser o controlador da empresa. A União, no entanto, manteve uma golden share, que lhe dá poder de veto em decisões.

“A diluição do Estado como acionista majoritário e o processo de capitalização destravam a possibilidade de a empresa voltar a investir.” Rosana Santos, pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri)

O capital foi pulverizado. A lei impede que um acionista ou grupo tenha mais de 10% do direito a voto, transformando a companhia numa corporação. “A diluição do Estado como acionista majoritário e o processo de capitalização destravam a possibilidade de a empresa voltar a investir”, declara Rosana Santos, pesquisadora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV Ceri).

Uma “corporação” não tem “dono”. A diretoria-executiva ganha protagonismo e, portanto, agilidade. O executivo Wilson Ferreira Júnior, que comandou a Eletrobras de 2016 a março de 2021, é cotado para voltar ao cargo. Ele é presidente demissionário da Vibra Energia (ex-BR Distribuidora).

A Eletrobras estava com a capacidade de investimento limitada por questões financeiras e regulatórias. Como maior empresa de energia elétrica da América Latina, isto era um problema. A companhia detém quase 30% da capacidade de geração do Brasil e mais de 40% das linhas de transmissão.

Fundada em 1962, a Eletrobras controla Eletrosul, Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletropar. O grupo tem 35 hidrelétricas, dez termelétricas, 20 usinas eólicas e uma solar, além de empregar cerca de 14 mil pessoas. No ano passado, teve lucro líquido de R$ 5,7 bilhões.

Há anos, a companhia não ganhava leilões. Depois da privatização, a Eletronorte arrematou lote em Rondônia, no leilão de transmissão realizado em 30 de junho, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os investimentos previstos são de R$ 137,7 milhões.

“Com a capitalização, a companhia dará seguimento à execução do Plano Diretor de Negócios e Gestão 2022-2026, que contempla investimentos de R$ 48,3 bilhões”, observa Victor Martins, analista sênior da Planner Corretora, do Rio de Janeiro.

Preços

A Eletrobras já vinha tomando medidas para tornar-se mais competitiva, como a venda de distribuidoras. A expectativa agora é que a companhia volte a se desenvolver e contribua para melhorar o ambiente do setor, o que pode ajudar na redução dos preços da energia em longo prazo.

Previsto na lei, o fim do regime de cotas pode auxiliar neste sentido também. Pelo modelo, a Eletrobras vende energia de hidrelétricas a preço fixo no mercado regulado, mais baixo do que no livre. O sistema deveria baratear a conta de luz, mas, na prática, transfere ao consumidor o risco hidrológico, ou seja, a obrigação de bancar energia mais cara de termelétricas em períodos de falta de chuva.

Com a descotização gradativa nos próximos anos, a empresa poderá vender a mesma energia nos mercados regulado e livre, e passa a arcar com o risco hidrológico. Para os consumidores, a mudança representa potencial alívio em épocas de seca.

A lei prevê também que a Eletrobras destine R$ 32 bilhões para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) nos próximos 25 anos, sendo R$ 5 bilhões em 2022. A CDE é um fundo de subsídios do setor bancado pelos consumidores. Os aportes da companhia devem ajudar a amenizar aumentos tarifários.

“As expectativas com a privatização da Eletrobras são positivas. Pena que o governo cedeu à incorporação dos ‘jabutis’.” Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace)

Jabutis

Os especialistas avaliam, porém, que reduções de custos com a privatização, alardeadas pelo governo, serão solapadas pelos “jabutis”. O impacto destas obrigações pode ser de até R$ 84 bilhões, conforme estimativa apresentada em junho de 2021, pela União pela Energia, iniciativa de associações ligadas ao setor.

“Dizíamos que o consumidor iria pagar por outra Eletrobras”, afirma Pedrosa. Ele comenta que eventual reversão dos jabutis vai depender da vontade política do próximo governo.

São considerados jabutis itens inseridos num texto legal que extrapolem ou não tenham ligação com o objetivo original da proposta. No caso da Eletrobras, está prevista, por exemplo, a contratação, pelo governo, de 8 mil megawatts de termelétricas a gás em diferentes regiões do País, inclusive onde não há suprimento de gás. Tal obrigação demandará a construção de usinas, gasodutos e linhas de transmissão.

As despesas vão parar na conta de luz, que pode aumentar. “A contratação obrigatória dos ‘jabutis’ caminha exatamente na contramão do discurso de redução”, avalia Santos.

Ações

Do ponto de vista do mercado, a Eletrobras privatizada é um bom negócio. As ações ordinárias da companhia (ELET3) acumulam valorização de quase 40% desde o início do ano, ao passo que o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, recua 3,5%. As perspectivas são positivas para quem participou da oferta com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) ou próprios.

“Os recursos da oferta de ações na tranche primária entraram no caixa da companhia e serão utilizados para o seu crescimento e incremento de rentabilidade. Temos recomendação de compra para ELET3, com preço justo de R$ 60,00 por ação”, destaca Martins. Na segunda-feira (25), o papel fechou cotado a R$ 44,85.

Alexandre Rocha Paula Seco
Alexandre Rocha Paula Seco