Empreendedorismo negro no Brasil

14 de julho de 2023

De acordo com o Sebrae, rendimento de empreendedores negros é, em média, 32% inferior ao de empresários brancos. No ano passado, enquanto os primeiros tinham renda média mensal de R$ 2.079 no segundo trimestre de 2022, os segundos ganhavam R$ 3.040.

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Diante do sonho de tocar o próprio negócio saindo do papel, seja por oportunidade, seja por necessidade, o número de empreendedores no Brasil cresceu de maneira acelerada nos últimos anos. Só no ano passado foram abertas, em média, 7,2 milhões empresas por dia por aqui, principalmente de pequenos empreendedores, de acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Contudo, apesar da aparente alta no ímpeto empreendedor do brasileiro, as condições de partida desses trabalhadores apresentam diferenças profundas nos recortes raciais e de gênero que vão além do aceitável no País.

Segundo o levantamento Empreendedorismo por Raça-cor (e Sexo) da entidade, empreendedores pretos e pardos, que compõem 52% do total, ganham menos, têm menos escolaridade e empresas menores, trabalham mais sozinhos (sem contratar funcionários) e contribuem menos à Previdência.

Esse abismo é ainda maior para as mulheres. As empresárias negras, em especial, foram as mais prejudicadas pela pandemia causada pelo coronavírus (covid-19) e as que mais demoraram a se recuperar financeiramente.

O desafio de reduzir as desigualdades nos negócios é grande, mas totalmente possível. Especialistas ouvidos pela PB afirmam que, para isso, é necessário que o Poder Público se una a empresas e sociedade civil para fomentar um ambiente propício (e necessário), com reformas estruturais e aposta na educação, sem se esquecer das lacunas que a sociedade brasileira carrega de maneira histórica.

MEIS REPRESENTAM DESAFIOS MACROECONÔMICOS

O registro de MEI poderia dar o tom dessa ode ao empreendedorismo que o Brasil vive. Ao todo, ainda de acordo com dados do Sebrae , em 2022, surgiram 3,6 milhões de novas empresas por aqui — das quais 78% (ou 2,8 milhões) são MEIs.

O Microempreendedor Individual (MEI) surgiu em 2008 como uma forma de o governo fomentar a formalização de trabalhadores. Esse profissional autônomo pode obter um faturamento anual de até R$ 81 mil, contratar um funcionário (que receba o piso da categoria) e necessita contribuir com até R$ 72 por mês de tributação fixa. Ao contrário do imaginário popular, esse tipo de empreendedor não representa uma iniciativa privada de alta tecnologia ou capacidade financeira. Segundo Ruy Gomes Braga Neto, professor no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho, tornar-se MEI é uma solução encontrada para tentar driblar o desemprego.

Com a pandemia, o nível de desocupação chegou a 14,9%, em 2021 — e só agora começa a cair, chegando a 8,3% em maio deste ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Nos últimos anos, o mercado de trabalho passou por um processo de aumentos do desemprego e do subemprego. Como a taxa de desocupação aumentou rapidamente, produziu uma massa de subempregos que vão para a informalidade enquanto o mercado formal não tem condições de absorver essa massa”, destaca Braga Neto.

De acordo com Bruno Imaizumi, economista especializado em mercado de trabalho da LCA Consultores, a crise sanitária foi o fator-chave no incremento do número de MEIs no mercado de trabalho nacional. “Na pandemia, o processo de abertura de empresas ficou mais fácil, de forma online, e muitas pessoas conseguiram abrir conta MEI com processos mais rápidos. Outro motivo: o período pandêmico também gerou um processo de incerteza no mercado como um todo, então, as pessoas, para pagar as contas de curto prazo, empreenderam por necessidade. E para se regularizarem, acabaram optando por abrir MEIs”, explica.

NEGROS GANHAM MENOS DO QUE BRANCOS

A lógica, portanto, mostra que grande parte dos brasileiros busca empreender via MEI para que consiga driblar o desemprego e a queda na renda. O estudo do Sebrae, porém, mostra que os empresários negros não conseguem alcançar o mesmo patamar de renda dos demais: enquanto os negros tinham renda média mensal de R$ 2.079, no segundo trimestre de 2022, os brancos ganhavam R$ 3.040. Por isso, de acordo com o órgão, o rendimento dos primeiros é, em média 32%, inferior ao dos segundos.

O recorte também por gênero mostra ainda mais lacunas. As mulheres negras têm o mais baixo rendimento entre os empreendedores, de R$ 1.852, comparado a R$ 2.706 das mulheres brancas, mostra o levantamento do Sebrae. Para Braga Neto, da USP, a diferença de renda entre brancos e negros que empreendem tem razões históricas. “O mercado de trabalho no Brasil sempre foi divido por raças. Historicamente, a atribuição de ocupações inseguras e precárias são voltadas a um grupo de trabalhadores, normalmente negros e mestiços. Conseguimos mapear isso desde a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando se dá início a um enorme mercado de trabalho informal para aqueles que chegam do campo e quem mora na periferia das cidades”, conta o professor.

“O mercado de trabalho no Brasil sempre foi divido por raças. Historicamente, a atribuição de ocupações inseguras e precárias são voltadas a um grupo de trabalhadores, normalmente negros e mestiços”, diz Ruy Gomes Braga Neto, professor no departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho.

DIVERSIDADE É LUCRO PARA EMPRESAS

Ainda assim, o tamanho do obstáculo para os empresários negros não deve desanimar aqueles que buscam ganhar a vida com o próprio negócio. Para o diretor-executivo do Instituto Four, Wellington Vitorino, a diversidade com que essas pessoas convivem pode ser um ponto positivo no ato de empreender. “A diversidade consegue ajudar. Há um aspecto econômico de solução na indústria ou em um ambiente de empresas que atuem nos serviços, na agricultura ou no governo, por exemplo. E caso sejam boas soluções, podem se tornar viáveis economicamente”, afirma Vitorino, em entrevista ao Canal UM BRASIL, uma realização da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).

De acordo com o executivo, as empresas necessitam entender a importância da diversidade e de auxiliar esses pequenos empreendedores a conseguir conquistar posições e contratos que reduzam esse gap entre os demais. “Com a quantidade de cotistas raciais e sociais que temos formados no País, por que não vemos essas pessoas em posições de liderança relevante dentro das empresas?”, questiona.

Vinicius Pereira Débora Faria
Vinicius Pereira Débora Faria