Emprego novo na pandemia

07 de julho de 2020

Apesar do avanço do desemprego no Brasil e no mundo em meio à pandemia causada pelo covid-19, profissionais de algumas áreas têm conseguido se recolocar em plena quarentena. Um dos segmentos mais emblemáticos é o da informática.

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Em junho, o novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apurou fechamento de 1,5 milhão de vagas formais, entre março e maio, e 4,4 milhões de contratos de trabalho suspensos. A sondagem apontou ainda 3,5 milhões de contratos com redução de até 70% das horas trabalhadas, em abril frente a março de 2020. Em meio a esse cenário desalentador, postos específicos de tecnologia da informação, como cybersecurity [segurança contra roubo de dados] e data analytics [uso aplicado de dados para tomada de decisão] registraram alta de 10% na recolocação de seus profissionais de março em diante, se comparado aos dois meses anteriores. A aferição é da Korn Ferry, multinacional de recrutamento.  

“Essas são profissões-chave para as empresas, pois houve aumento de ataques de hackers que tentam roubar os dados e as corporações precisam se proteger”, afirma Helder Moura, diretor de IT Solutions da Korn Ferry.

“Evita os constantes deslocamentos à empresa e tira um pouco da pressão do presencial”, diz José Frazão

Já os especialistas em Data Analytics ganham destaque por trabalharem com análise de informações que servem de base para tomada de decisão das empresas. “Essa é uma profissão nova, que começou a se formar no Brasil há cinco anos e lida com dados estratégicos para as empresas. Geralmente, são colaboradores jovens e bem remunerados”, diz Moura.

José Frazão, 34 anos, se encaixa nesse perfil. Contratado em 18 de maio como gerente de Segurança da Informação e Privacidade de Dados, pela RDI Software – empresa do grupo francês Capgemini –, teve todo o processo de seleção feito de forma virtual em pleno confinamento. O primeiro contato que recebeu foi pelo LinkedIn, que avançou para o telefone e depois para reuniões e testes por aplicativos como o Skype e Teams. “Passei por cinco entrevistas. Primeiro, com a headhunter. Depois, em inglês com o líder da consultoria. Em seguida, com o RH da empresa contratante. Aí veio a entrevista com o gestor que conduzia a vaga e, por fim, com o diretor da área”, explica Frazão.

Para ele, o processo virtual é mais tranquilo e prático. “Evita os constantes deslocamentos à empresa e tira um pouco da pressão do presencial”. Frazão atua há cinco anos como gestor de segurança da informação e privacidade de dados. Ele acredita que ter experiência consolidada e inglês fluente contou para que fosse o escolhido da RDI. Pai de dois recém-nascidos, Frazão é o principal provedor financeiro da família.

“A empresa enviou para a minha casa todos os equipamentos que preciso na minha rotina de trabalho, como notebook e telefone. Hoje, participo de até cinco reuniões virtuais diárias. E já não estranho mais.” Luciano Manolio

Mas não é só na área de tecnologia da informação que há demanda e as pessoas estão trocando de empresa. No caso de Isadora Postal Telli, advogada de 33 anos, tudo começou com a vontade de mudar. Após dez anos trabalhando em escritórios de advocacia – o último como associada sênior no BMA Advogados –, quis partir para novos desafios e achou que isso seria possível se migrasse para uma empresa que estivesse em plena expansão. Tomou a iniciativa de participar de um processo seletivo no Grupo Acesso e em 4 de maio foi efetivada como coordenadora jurídica.  “Uma das coisas que me motivava era o desafio novo, estar mais próxima dos negócios, contribuir integrando uma empresa e fazer parte do planejamento estratégico da corporação.”   

Segundo ela, o profissional de sua área que trabalha em escritório é consultado muitas vezes só em assuntos específicos enquanto a atuação dentro de uma empresa é mais ampla e dinâmica. “Foi este drive que puxou o interesse de buscar outras oportunidades”. A advogada, que mora sozinha e não têm dependentes, só teve uma entrevista presencial, no dia 13 de março, três dias antes de ser decretado o isolamento social pelo Governo do Estado de São Paulo. Todo o processo restante de seleção e adaptação ao novo emprego se deu remotamente. E a certeza do que queria não a deixou receosa de passar pelas etapas durante a quarentena. “Vários amigos se surpreenderam. Trocar uma carreira consolidada em um dos maiores escritórios do Brasil e ir para uma área nova? Mas eu já vinha amadurecendo a ideia há algum tempo. Foi um movimento bem pensado e olhando no longo prazo. Claro que há uma curva de aprendizado porque empresa tem dinâmica diferente de escritório.”

“Uma das coisas que me motivava era o desafio novo, estar mais próxima dos negócios, contribuir integrando uma empresa e fazer parte do planejamento estratégico da corporação”, diz Isadora Postal Telli

Com mestrado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e especialização em Direito Concorrencial pelo Instituto Europeu de Lisboa, a gaúcha, que hoje vive em São Paulo, diz que ser registrada em carteira é algo novo para ela, mas que não foi isso, nem o salário e os benefícios do atual emprego que a fizeram optar pela mudança. A escolha da Acesso tem a ver também com a velocidade de seu crescimento.  

O grupo tem dezenas de vagas em aberto para profissionais como engenheiro de produtos, engenheiro de software, design e cientista de dados. “Esses profissionais deverão acompanhar os novos negócios do grupo e dar suporte ao nosso crescimento acelerado. Em 2019, crescemos 40% e faturamos R$ 52 milhões. Este ano devemos chegar aos R$ 70 milhões”, afirma Davi Holanda, CEO do Grupo Acesso.

Delvo Santiago, de 45 anos, decidiu sair do antigo emprego, na Juntos Seguros, uma semana antes da Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar que o covid-19 tinha se tornado uma pandemia. Na mesma época, mudou-se de Curitiba para São Paulo, travou o primeiro contato com a Sompo Seguros e viu na multinacional mais possibilidades de crescer profissionalmente. Quando aceitou a proposta para assumir o posto de gerente de precificação, o confinamento teve início na capital paulista. Para sua surpresa, a seguradora não congelou a vaga. Seu primeiro dia de trabalho foi em 18 de maio, já em home office. “Sinto falta do convívio, do almoço com os colegas de trabalho, do cafezinho e de visitar as empresas, mas tenho resolvido tudo pelas reuniões virtuais, telefone e WhatsApp. É um aprendizado para todos e aos poucos nos adaptamos.”

Formado em Ciências Atuariais, com especialização em finanças, gestão de riscos, gestão de pessoas e em ciência de dados, Santiago, que é o principal responsável financeiro da família, defende que é preciso sempre se atualizar. “Quando falamos em recolocação, uma forma de se tornar atraente para a empresa é sempre estudar e aprender coisas novas. Eu nunca parei”, diz o recém-contratado.

Com 1,9 mil funcionários no Brasil, o setor de precificação, que analisa dados para compor o preço do seguro, é considerado um das principais na Sompo. “Outra área de extrema relevância é a de inteligência. Tanto que iremos contratar mais 11 pessoas para novas posições até o final do ano”, indica Roberta Caravieri, superintendente de Recursos Humanos da Sompo Seguros. Atualmente, esse departamento conta com quatro profissionais.   

“Sinto falta do convívio, do almoço com os colegas de trabalho, do cafezinho e de visitar as empresas, mas tenho resolvido tudo pelas reuniões virtuais, telefone e WhatsApp. É um aprendizado para todos e aos poucos nos adaptamos.” Delvo Santiago

Formado em Administração de Empresas com pós-graduação em Marketing, Luciano Manolio, 40 anos, estava desempregado desde setembro de 2019, quando foi demitido pela Via Varejo, onde trabalhava há 11 anos como gerente comercial de B2B. Aproveitou a chance e foi passar três meses no Canadá ao lado da esposa que fazia uma especialização por lá. Ao voltar ao Brasil, começou a procurar emprego depois do Carnaval e ficou surpreso quando foi chamado pela Synapcom, no final de março, para assumir o cargo de gerente de e-commerce e B2C na empresa que desenvolve soluções completas para a gestão de comércio eletrônico e vem crescendo em ritmo acelerado. Para viabilizar essa expansão, a companhia oferece constantemente dezenas de vagas, com predomínio daquelas destinadas ao centro logístico, de assistente a supervisor de operação.  

Assim como a contratação de Luciano Manolio, que se deu totalmente no formato virtual, a Synapcom deve continuar adotando o recrutamento online  mesmo após a retomada do convívio social. Assim como o trabalho em casa deve se tornar uma realidade para parte de seus colaboradores. “Estamos pensando em esquema de rodízio com alternância entre o trabalho remoto e o presencial”, diz a gerente de Recursos Humanos na Synapcom, Mariana Bento.

Manolio está satisfeito com essa possibilidade. Pai de um bebê de um ano e meio, afirma que, apesar do receio inicial do trabalho totalmente remoto, considera que havia um bom planejamento para acolher os novos colaboradores. “A empresa enviou para a minha casa todos os equipamentos que preciso na minha rotina de trabalho, como notebook e telefone. Hoje, participo de até cinco reuniões virtuais diárias. E já não estranho mais.”

Roseli Loturco Danilo Tanaka
Roseli Loturco Danilo Tanaka