Decisão do governo de retomar a exigência de vistos para cidadãos estadunidenses, australianos, japoneses e canadenses põe em xeque a competitividade do turismo brasileiro em relação aos países vizinhos, que dispensam vistos.
O interesse de turistas estrangeiros em viajar para o Brasil tem dado esperanças de recuperação ao segmento: mais de 868,5 mil pessoas visitaram o Brasil em janeiro de 2023. O número é o melhor dos últimos quatro anos, superando em 14,7% os índices pré-pandemia, de 2019, quando cerca de 756,8 mil visitantes de todos os cantos do mundo entraram no País. Em comparação ao mês anterior, dezembro, o número mais do que dobrou, chegando a uma alta de 109%. Os dados são do governo federal.
No último trimestre de 2022, o faturamento cresceu 17,4% em relação ao mesmo período de 2021, ao apresentar leve alta de 1% em comparação a 2019, ano anterior à crise de covid-19, segundo levantamento mensal da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP).
Toda esta trajetória de recuperação, porém, pode ser impactada negativamente pela decisão do governo em anular o Decreto 9.731/2019, que dispensava a exigência de vistos para passaportes dos Estados Unidos, da Austrália, do Japão e do Canadá.
Os Estados Unidos, por exemplo, são o segundo país com desembarcados no Brasil, em especial por meio aéreo, ficando atrás somente da Argentina. Em 2022, entraram no Brasil 441 mil estadunidenses, 54,2 mil canadenses, 25 mil australianos e 17,6 mil japoneses, os quais respondem por cerca de 15% do total que ingressa em território nacional. Em 2022, mais de 3,63 milhões de turistas internacionais visitaram o Brasil, segundo dados do Ministério do Turismo. Apesar da alta, o número ainda é 43% menor do que o registrado em 2019, no período pré-pandemia.
Para agravar o quadro, o turismo foi um dos setores que mais sofreram durante o período de restrições em decorrência da crise sanitária. De acordo com dados da FecomercioSP, o setor deixou de faturar, entre 2020 e 2021, cerca de R$ 120 bilhões, em comparação com os resultados registrados antes desse período.
Com a volta da exigência dos vistos, o cenário é preocupante para o setor. Guilherme Dietze, assessor técnico do Conselho de Turismo da FecomercioSP, elenca quatro prejuízos que a decisão pode causar à nossa economia. Confira a seguir.
“Quanto mais empecilhos existirem, menos turistas serão atraídos pelo turismo brasileiro, em razão dos gastos e burocracias envolvidos”, afirma o assessor. O argumento do governo para derrubar o Decreto 9.731 foi a falta de reciprocidade dos países que exigem vistos para o ingresso de brasileiros e dos efeitos nulos da flexibilização, adotada em 2019. Entretanto, é preciso lembrar que a desobrigação ocorreu um ano antes da pandemia, com três anos seguidos em situação atípica. Por isso, o período não deve ser considerado para tomar uma decisão tão impactante quanto esta. A medida decretada pelo Brasil pode beneficiar países vizinhos, que oferecem opções tão atrativas quanto as nacionais. “O turista estrangeiro pode preferir destinos menos burocráticos e menos distantes do que o Brasil. Um norte-americano que queira passar férias na América do Sul pode escolher a Colômbia, por exemplo, cujo voo não leva mais do que cinco horas. Já para o Brasil, a viagem aérea demoraria mais do que o dobro disso. Com o adicional do visto obrigatório, concorrer com Chile, Peru, Argentina e a própria Colômbia, que não exigem visto, fica mais difícil”, pondera.
As constantes revogações de regras estabelecidas podem causar insegurança aos estrangeiros, não apenas no turismo, mas também na concretização de negócios. “O Brasil se tornou um importante destino para a Air Canadá no último ano, por exemplo, encorajando a empresa a investir grandes montantes na sua infraestrutura. As mudanças impostas pela política podem desencorajar investidores e empresas estrangeiras que queiram iniciar negócios no País”, afirma o assessor técnico.
Desde janeiro, os ministérios das Relações Exteriores e do Turismo se empenham na recuperação da imagem do Brasil no exterior. Contudo, o retorno da obrigatoriedade dos vistos vai no sentido contrário deste trabalho de reconstrução. “O Brasil tem ampliado os investimentos na promoção nacional em países como os Estados Unidos, fomentando os aportes financeiros para a ampliação da estrutura turística. A ideia é retomar a nossa imagem como um importante destino, mas as medidas que dificultam o ingresso de estrangeiros contradizem este ideal”, critica Dietze.
A volta dos vistos obrigatórios, segundo a análise de Dietze, tem o potencial de enfraquecer o faturamento do turismo, com a diminuição das visitas de estrangeiros. “Grande parte do setor é movimentada pelo turismo doméstico. A anulação do Decreto não afetará este segmento. No entanto, poderia haver uma evolução ainda maior no faturamento se a isenção do visto continuasse. Empresas aéreas, hotéis, casas de câmbio e outras atividades teriam muito mais movimentações”, aponta.
A FecomercioSP articula, com o governo federal, saídas que desburocratizem o processo de vistos, a fim de seguir fortalecendo a atividade, um importante motor da economia local.