Horizonte econômico

11 de janeiro de 2023

Quem observa a economia brasileira na imediatez do agora encontra o País que se almejava há cerca de dois anos. A inflação, finalmente, desacelerou, chegando a registrar três meses de deflação, entre julho e setembro; e o desemprego caiu tanto que o número de pessoas ocupadas bateu o recorde histórico da medição feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com quase 100 milhões de pessoas empregadas ao fim do terceiro trimestre.

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Soma-se a estes fatos o início de uma trajetória de crescimento da renda média das famílias, no começo do ano passado, que não arrefeceu e que, neste mês, manteve a tendência. Enquanto isso, o varejo paulista – um dos indicadores mais confiáveis do consumo nacional – espera a confirmação do seu melhor faturamento anual em 14 anos, segundo dados da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), embora as vendas de Natal tenham provavelmente ficado mais tímidas do que no período pandêmico.



COMO A ECONOMIA BRASILEIRA COMEÇA EM 2023?*  

Inflação acumulada (12 meses): 5,9%
Desemprego: 8,7% da população ativa
Renda média: R$ 2.737 no 3º trimestre (alta de 2,5% em relação ao 2º tri) Endividamento: 78,9% das famílias
Inadimplência: 30,3% das famílias
Renda comprometida com dívidas: 30,4%
Dólar: R$ 5,31
Bolsa de Valores de SP: 104,7 mil pontos
Balança comercial: US$ 60,8 bilhões (superávit)
Previsão do PIB para 2023: 0,7%
Previsão de inflação para 2023: 5,1%
Previsão de juros para 2023: 11,75%  

*Fontes: IBGE, IPEA, CNC, B3, Secretaria de Comércio Exterior (ME) e Bacen.                                        

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, enfim, cresce consecutivamente desde o primeiro trimestre de 2021, mantendo-se na casa dos 3% no segundo e no terceiro períodos de 2022 – e indicando, assim, que as previsões de crescimento anual, que também rondam a casa dos 3%, devem se confirmar.

Por outro lado, quem olha mais atentamente para as perspectivas de 2023 encontra um contexto mais real – e, por isso mesmo, mais desafiador – para a economia do País. “Os anos anteriores não podem ser considerados uma antessala para o que estamos vivendo hoje, porque as bases de comparação estão mais elevadas”, pontua Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP, sublinhando que muitos dos indicadores divulgados no ano passado ainda se relacionaram com as taxas mais baixas da pandemia.

Há, da mesma forma, números que apontam este contexto mais difícil. O principal deles é a inadimplência. O porcentual de famílias brasileiras inadimplentes, ou seja, com contas em atraso, atingiu 29% no fim do segundo semestre de 2022. O número é o maior já registrado desde 2010, início a série histórica do levantamento realizado pela FecomercioSP. O ano que acabou de começar ainda herda uma renda média familiar bastante comprometida com as dívidas: 78%. Em outras palavras, se o consumo é um escape para a retomada, ele se vê travado por orçamentos domésticos comprometidos com o sistema de crédito ou com empréstimos informais.

Contexto internacional

A guerra na Ucrânia segue exportando impactos negativos – da crise energética europeia à alta das importações em países como o Brasil. Em metade dos meses de 2022, a balança comercial brasileira fechou no negativo, fazendo com que o total das trocas no jogo global crescesse apenas 1,8% ao fim do ano. “A economia mundial está no limiar de uma recessão, principalmente por causa da política monetária restritiva do FED – o banco central norte-americano – e das incertezas acerca da administração que a China está fazendo da covid-19”, explica Júlia Braga, professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Mesmo nesta conjuntura recessiva, economistas de vários países têm chamado a atenção para uma tendência de aumento nos preços das commodities no mercado internacional a partir do começo deste ano. “Se acontecer, teremos várias implicações locais, como uma nova alta da inflação – que, no País, seria ruim, dado que alguns preços administrados também vão sofrer reajustes”, continua Júlia. Ela considera, por exemplo, possíveis altas nos custos da energia elétrica.

De fora para dentro

Já no cenário interno, há ainda as reações à mudança no tabuleiro do poder, em Brasília, com a chegada de uma nova equipe econômica. Em novembro passado, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) chegou a cair 3% em um único dia, quando o debate sobre a PEC da Transição (que tirou R$ 200 bilhões do orçamento público para financiar programas sociais) esquentou no Congresso. O dólar, moeda internacional que serve também como parâmetro do “humor” dos investidores, saiu da casa dos R$ 4,70, em junho – antes da campanha eleitoral –, para R$ 5,30.

Tudo isso tem jogado as perspectivas do PIB deste ano para baixo: nos últimos boletins Focus, do Banco Central (Bacen), o horizonte para 2023 era de um crescimento tímido de 0,7%, com inflação ainda na casa dos 5% e dólar a um preço médio de R$ 5,26. Até por isso, o mercado não espera que o Bacen vá baixar os juros – hoje, na casa dos 13,75% ao ano (a.a).

Apesar disso, Júlia Braga mantém o otimismo. A razão é a política fiscal do novo governo. “Os efeitos destas propostas mostram dinamização da economia, já que os recursos serão direcionados às pessoas de baixa renda, recompondo o orçamento de programas importantes, tanto sociais como para ciência, tecnologia e infraestrutura”, defende a professora. “Sem contar que esta política expansionista terá um impacto anticíclico em meio à recessão global que se avizinha”, completa. É por isso que, nos cálculos dela, o Brasil deve crescer mais do que o Focus projeta: algo em torno de 1,5%.

Já na perspectiva de Pina, da FecomercioSP, “a economia está começando o ano em desaceleração”. O assessor econômico observa que “no meio disso, não temos mais as condições de manter a geração de emprego no mesmo ritmo, assim como o fôlego do consumo. Além disso, ainda não sabemos quais serão os efeitos das políticas macroeconômicas do novo governo”. De acordo com Pina, este é um fator determinante nos prognósticos, uma vez que muitas empresas estão aguardando as primeiras decisões da equipe do ministro da Economia, Fernando Haddad, para tomar decisões mais estruturais. “Os negócios estão em compasso de espera, após tentativa de antecipar todas as incertezas nas vendas do fim de 2022. No entanto, não estão otimistas, porque sabem que os desafios não se resolverão do dia para a noite”, acrescenta.

“Os negócios estão em compasso de espera, após tentativa de antecipar todas as incertezas nas vendas do fim de 2022. No entanto, não estão otimistas, porque sabem que os desafios não se resolverão do dia para a noite.” Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP

Custo de vida

Um obstáculo a menos neste panorama, a inflação, é notado por Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP). “Os movimentos que causaram o grande aumento de preços entre 2021 e 2022 estão se exaurindo e não devem provocar um novo cenário inflacionário neste ano”, afirma ele, que cita o aumento do preço do petróleo, ocasionado pelo conflito no Leste Europeu, e as políticas macroeconômicas adotadas no Norte global durante a pandemia. “Além disso, estas decisões que contribuíram para a inflação mundial subir em 2021 viraram políticas de restrição que a farão cair agora”, ressalta.

Assim como Gala, outros economistas, como André Sacconato, consultor da FecomercioSP, apostam no interesse que o País tem atraído de investidores estrangeiros nos últimos meses, marcado pela sucessão presidencial e pelos indicadores positivos de diversos setores da economia, bem como todas as possibilidades que se abrem agora na cartela de negócios, com o selo ESG. “Eles fizeram as contas e perceberam que o Brasil está barato”, afirma Sacconato. “Sem contar que a alta da Bolsa brasileira está entre as maiores do mundo, assim como aconteceu com a nossa moeda.”

Diante de tudo isso, as perspectivas de Gala também são de que a inflação não apenas voltará para a meta (de, no máximo, 4,75%) como a balança comercial dará o tom de um galope mais firme da economia em 2023, apesar dos desafios vindos de fora – como as políticas do FED para conter a inflação, que podem desacelerar o contexto econômico global. De todo modo, conclui o professor da FGV, “é certo que, neste ano, haverá menor crescimento e inflação para a maioria dos países do mundo, assim como para o Brasil”.

Vinícius Mendes Maria Fernanda Gama
Vinícius Mendes Maria Fernanda Gama
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