No certame ambiental, existe convergência entre a agenda do presidente Lula e as metas do segmento mais moderno do agronegócio, também interessado na preservação ambiental, para evitar retaliações de competidores na área comercial. Além de abrir um canal de diálogo, cabe ao novo governo priorizar duas questões essenciais para dar impulso ao setor: a ambiental e a de inovação.
Motor da economia do País, o agronegócio é responsável por 45% das exportações e 25% do Produto Interno Bruto (PIB). O Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), calcula que o PIB do setor avançará 8% em 2023, após encolher 2% em 2022. Se o número se confirmar, será o maior crescimento desde 2017, quando a alta foi de 14,2%. Além disso, o setor deverá ser o único a crescer de forma expressiva neste ano, quando a previsão é de que o restante da economia local fique praticamente estagnada.
O aumento da área de cultivo e a melhoria das condições climáticas estão entre os principais fatores que devem garantir uma safra recorde neste ano para o Brasil, que pode se tornar o maior produtor mundial de alimentos em 2025, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, na sigla em inglês). A previsão da produção agrícola de grãos, cereais e leguminosas deve alcançar 293,6 milhões de toneladas em 2023, um crescimento de 11,8% em relação a 2022, ano marcado pela alta dos preços dos insumos, principalmente os fertilizantes, que subiram mais de 100% em decorrência da guerra na Ucrânia, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além da soja e do milho, as colheitas de cana-de-açúcar, frutas e hortaliças também têm previsão de alta.
Com a chegada ao poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), uma parcela do agronegócio ficou apreensiva, na esperança de que o novo governo abra um canal de diálogo e garanta seguranças jurídica e regulatória para o produtor rural. “O desafio da nova administração é ganhar a confiança do setor, que aguarda uma sinalização de que não é contra o agro e que vai apoiar as empresas que querem seguir produzindo e investindo no País”, comenta o sócio-diretor da consultoria MB Agro, José Carlos Hausknecht.
Segundo o diretor-presidente da SLC Agrícola, Aurélio Pavinato, a guerra na Ucrânia fortaleceu a importância do Brasil como fornecedor confiável para suprir a demanda mundial crescente por alimentos e biocombustíveis, contribuindo de forma expressiva para a transição energética e a produção de alimentos de forma sustentável. O controle da inflação, na opinião de Pavinato, é um dos pilares mais importantes que o Poder Público precisa trabalhar tanto para auxiliar o agro como para promover a inclusão social no País. “A expansão da produção agropecuária gera emprego, incrementa a prestação de serviços, aumenta o consumo, desenvolve o comércio e proporciona mais arrecadação de tributos ao longo de toda a cadeia produtiva, gerando desenvolvimento social”, comenta o executivo.
No certame ambiental, existe convergência entre a agenda do presidente Lula e as metas do segmento mais moderno do agro, também interessado na preservação ambiental, para evitar retaliações de competidores na área comercial. A nomeação da ambientalista Marina Silva (Rede Sustentabilidade) para o comando do Ministério do Meio Ambiente, reconhecida internacionalmente pela defesa da preservação ecossistêmica, é vista como um sinal do compromisso do Brasil com o tema. Ela assumirá papel fundamental no objetivo de recuperar o nosso prestígio internacional.
Para Carla Gheler, coordenadora técnica da CT Sistemas Agroalimentares do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a sustentabilidade deve nortear as tomadas de decisão sobre os processos. Ela aponta que o agronegócio nacional enfrenta cinco grandes desafios: carga tributária; perdas e desperdícios ao longo de toda a cadeia produtiva; impactos ambientais e legislações internacionais; logística de transporte; e financiamentos/fomento para créditos. “As práticas sustentáveis, além de aumentar a produtividade, geram uma renda extra sobre créditos de carbono”, comenta.
Uma das medidas que merece a atenção do governo federal é o fortalecimento e a implementação do Código Florestal nos Estados de todas as regiões do País. Aprovada pelo Congresso em 2012, a Lei 12.651/2012 – que busca conciliar a proteção da vegetação nativa e a produção agropecuária – deveria ser a principal política pública de conservação em áreas privadas, capaz de ajudar o Brasil a atingir as metas climáticas, conservar a sua biodiversidade e desenvolver uma economia verde e com soluções baseadas na natureza. Para se adaptar à legislação, os produtores precisam se cadastrar – enquanto os governos estaduais avaliam as informações. No entanto, passados mais de dez anos, somente 12% dos cadastros passaram por análise, e 2% foram concluídos. Sem a coordenação do governo federal, é difícil imaginar que haverá progresso no ritmo necessário.
A diretora associada do Climate Policy Initiative (CPI)/PUC-Rio, Joana Chiavari, que lidera o Programa de Direito e Governança do Clima, observa que os avanços entre os Estados são desiguais, e alguns têm ficado para trás. “Tivemos avanços, mas os progressos têm sido muito heterogêneos”, pondera. Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia já conseguiram alcançar todas as etapas da implementação da lei, mas com ganhos de escala distintos. Em um grupo intermediário, que ainda não alcançou a etapa final de regularização dos passivos florestais em imóveis rurais – mas que avançou na etapa mais desafiadora que é a análise dos cadastros –, fazem parte o Espírito Santo e São Paulo, enquanto Rio de Janeiro, Santa Catarina, Sergipe e Alagoas apenas iniciaram a etapa e avançam lentamente. Três deles – Pernambuco, Piauí e Roraima – se mantêm estagnados, tendo implementado apenas a etapa de inscrição dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
“A implementação do Código Florestal exige coordenação entre as esferas estadual e federal e o engajamento com o setor privado. É fundamental fortalecer o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), já que todo o processo de regularização ambiental depende dele. É necessário, também, adotar estratégias e ferramentas para acelerar a análise dos cadastros e prover apoios tecnológico e cartográfico aos Estados”, destaca Joana. Carla Gheler, do CEBDS, acrescenta que o Poder Público deve aparelhar os órgãos competentes e fiscalizar de maneira mais efetiva.
Enquanto não avança como deveria na execução do Código Florestal, algumas iniciativas sustentáveis desenvolvidas no País chamam a atenção e podem servir de exemplo, como a implementação do sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que, além de ser benéfica para a produção de alimentos de qualidade, auxilia na redução de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) e na conservação do solo, promove bem-estar animal e contribui para o bem-estar e desenvolvimento dos trabalhadores rurais.
Práticas agroflorestais também têm sido utilizadas em diferentes Estados brasileiros com bastante sucesso, com respeito ao meio ambiente e produção de alimentos de qualidade. Por intemédio da redução no uso de agroquímicos, há conservação do solo e da água e melhores condições de trabalho e de renda aos produtores rurais. Na região amazônica, por exemplo, a Aliança pela Restauração da Amazônia identificou mais de 1,6 mil iniciativas de reparação por meio de sistemas agroflorestais no bioma.
No que se refere ao aquecimento global, o setor privado necessita de investimentos para elevar o número de propriedades cobertas com seguro contra problemas climáticos. Entre os pequenos e grandes produtores, há um porcentual maior protegido, mas existem grandes segmentos desassistidos – uma parcela importante dos produtores ainda não dispõe de acesso ao seguro e a outros instrumentos de gerenciamento de risco. “É fundamental, assim, que as políticas públicas de seguro rural sejam redesenhadas e fortalecidas, com vistas a minimizar a superestimação das perdas, evitar fraudes e aumentar a eficiência do investimento público”, alerta Priscila Souza, coordenadora de Avaliação de Política Pública com foco em instrumentos financeiros do CPI/PUC-Rio.
Qualificar a verificação das perdas, investir na capacitação dos peritos rurais, dar mais transparência ao processo de aprovação dos recursos públicos e direcionar capital para pequenos produtores e responsáveis por práticas agropecuárias mais sustentáveis são algumas das medidas para melhorar o acesso ao seguro. A fim de avançar na questão, seria importante a aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei (PL) 425/2022, que cria o Programa de Incentivo à Adoção de Tecnologias Redutoras de Risco Agroclimático.
Priscila, do CPI/PUC-Rio, defende que o governo incremente o que já é a principal política agropecuária do País: o crédito rural. O Plano Safra 2022/2023 anunciou um investimento de R$ 341 bilhões, o que representa um crescimento de 21% em comparação ao ano anterior. “O governo Lula tem a oportunidade de aperfeiçoar a política de crédito rural, por meio da simplificação, da transparência e da previsibilidade de regras e recursos, bem como da priorização de pequenos produtores rurais. É importante que o Poder Público garanta um maior alinhamento do crédito rural com os objetivos de sustentabilidade”, avalia a coordenadora.
No âmbito da inovação, é preciso levar a conectividade para o campo. O crescimento da produtividade do agronegócio brasileiro, de 2000 a 2019, foi de 3,18% ao ano (a.a.), um dos maiores do mundo. Para continuar assim, os produtores de padrão médio precisam estar conectados e aptos a receber serviços digitais e de geolocalização (os grandes têm recursos e já estão online). O Brasil tem avançado na criação de startups tecnológicas voltadas ao setor primário. São, atualmente, 1.703 agtechs (startups do setor agropecuário que trabalham com tecnologia) – 8% a mais na comparação com 2021, quando foram contabilizadas 1.574 empresas em atividade no País –, segundo dado de 2022 das consultorias SP Ventures e Homo Ludens, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Segundo o Ministério da Agricultura, 67% das propriedades rurais já utilizam algum tipo de tecnologia que auxilie na gestão da produção, forneça informações sobre maquinários e realize controle de estoque ou de armazenagem, além de consumir insumos que contribuam para a melhoria de todo o processo produtivo e os aumentos da qualidade, da produtividade e da renda. A Internet das Coisas (IoT), por exemplo, já é utilizada na produção agropecuária, assim como equipamentos autônomos, softwares de gestão da propriedade, drones, tecnologias que reduzem o consumo de energia e de água, entre outras.
A logística é outra questão que representa entrave para o desenvolvimento do agro no Brasil, até por causa das longas distâncias. Hausknecht, da MB Agro, cita a importância da extensão da Ferronorte, de Rondonópolis, a Lucas do Rio Verde, novo trecho de 730 quilômetros entre os municípios de Mato Grosso – que deve integrar diversos municípios do Estado à malha ferroviária nacional, em direção ao Porto de Santos (SP).
Além de ajudar, o governo não pode criar problemas. Setores flertam com a ideia de um imposto sobre as exportações, esquecendo que boa parte dos competidores externos não apenas é isenta, como também recebe subsídios. “Mesmo não tributando as exportações, com o crescimento na produção agrícola, os Estados e a Federação aumentam a arrecadação por meio dos tributos sobre insumos, serviços, mão de obra e produtos consumidos. Isto é, produzir mais e exportar geram desenvolvimentos econômico e social, beneficiando toda a cadeia”, enfatiza o diretor-presidente da SLC Agrícola, Aurélio Pavinato.