Metrópole às avessas

20 de julho de 2021

Prédios inteiros às escuras. Shoppings desertos. Bairros, antes repletos, vazios ao longo do dia. A descrição, feita por uma reportagem do jornal The New York Times para relatar a situação de algumas das principais metrópoles dos Estados Unidos – como Nova York e Chicago – cabe perfeitamente a São Paulo.

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Primeira capital a registrar um caso de covid-19, São Paulo foi também uma das primeiras a ver muitas de suas empresas mudando para o home office – de forma que, um mês depois, os jornais mostravam, surpresos, as ruas vazias de um centro urbano que, até então, se dizia imparável. A metrópole paulista é a maior cidade brasileira, com cerca de 12,3 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e que reúne 9,4% de todas as sedes de empresas do País, de acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Naquela mesma época, entre março e maio de 2020, a cidade registrou as maiores taxas de isolamento desde o início da crise: 59%, segundo o Sistema de Monitoramento Inteligente de São Paulo (Simi-SP). No último levantamento, de abril de 2021, a taxa era de 48%.

A dinâmica que São Paulo precisou pôr em prática, principalmente em relação ao trabalho, podem transformá-la para sempre – e o mercado de imóveis comerciais já tenta imaginá-la após a pandemia. “Alguns setores se adaptaram muito melhor ao home office do que outros”, compara Reinaldo Gregori, fundador e CEO da Cognatis, empresa especializada em geomarketing. “A transformação do varejo pode ser ainda maior que a do setor imobiliário, porque corredores importantes de vendas devem perder relevância para aqueles que estejam nos bairros.”

Dados da SiiLA Brasil, uma multinacional de monitoramento do mercado imobiliário comercial, obtidos com exclusividade pela Problemas Brasileiros, mostra que a região empresarial da Marginal Pinheiros, um dos CBDs (Central Business District, na sigla em inglês) mais importantes da metrópole, encerrou o primeiro trimestre de 2021 com uma taxa de vacância de 29,48% dos seus escritórios – patamar considerado alarmante.

“Quando passa dos 27%, torna-se uma disputa de barganha, na qual o proprietário que cede mais é o que conquista o inquilino. Isto acontece porque, nesta situação, em que há muita oferta e pouca demanda, os proprietários ficam desesperados: eles precisam alugar seus imóveis – que, vazios, ainda vão gerar custos para eles”, explica Giancarlo Nicastro, CEO da empresa.

“A transformação do varejo pode ser ainda maior do que a do setor imobiliário, porque corredores importantes de vendas devem perder relevância para aqueles que estejam nos bairros, onde as pessoas efetivamente moram.” Reinaldo Gregori, fundador e CEO da Cognatis, empresa especializada em geomarketing

Na região da Berrini, outro centro empresarial importante de São Paulo, a taxa de vacância está perto disso: 26,67%. No bairro onde, até antes da pandemia, circulavam cerca de 74 mil pessoas por dia, segundo a empresa de análise de dados Neoway, o que se vê hoje é um movimento muito menor.

O LIMBO DOS PEQUENOS NEGÓCIOS

Entre o balcão de pagamentos e uma vitrine de vidro, Sérgio Vieira observa atentamente o movimento dos seis guindastes que erguem as torres do que, em alguns anos, será o Parque da Cidade. O empreendimento, que inclui salas comerciais, edifícios residenciais, um parque linear, restaurantes e lojas, fica em um dos pontos comerciais mais estratégicos da capital: no limite entre as avenidas Berrini e Chucri Zaidan.

Até o início da pandemia, Vieira era proprietário de dois mercados pequenos – dentre os quais o mais lucrativo estava encravado em meio ao conglomerado de prédios comerciais da Chucri Zaidan. “A fila começava lá fora e dava a volta nas gôndolas aqui”, conta ele, apontando para os desérticos corredores improvisados. Em 14 meses, porém, a situação mudou: mesmo enquadrado como atividade essencial dentro do Plano São Paulo, do governo paulista, a queda do movimento fez com que ele fechasse as portas de um dos mercados e visse o faturamento do outro cair 40%.

Sem a demanda de outrora, o jeito foi improvisar. Primeiro, ele tentou mudar o perfil do negócio, que antes se parecia mais a uma bombonière. Agora, ele vende ali também produtos de limpeza. Não deu certo. A segunda tentativa foi inscrever o mercado em um aplicativo de entregas. Para complementar a renda, retornou à antiga profissão de gráfico.

Do outro lado do mercado de Vieira, Rose Camargo terminava de empacotar o que sobrou do café da manhã. Ela bate ponto ali todo dia, às 5h, com café fresco, bolos e salgados, que servem como desjejum dos operários da obra. Se não fossem eles, não teria mais a renda de antes, quando servia inúmeros funcionários das torres comerciais.

De fato, uma pesquisa da Cognatis, feita em 2019, já mostrava que 91% das pessoas que circulavam normalmente pelas regiões das avenidas Berrini e Chucri Zaidan, ambas na zona sul, eram funcionárias das empresas sediadas ali. Ao fim do expediente, elas voltavam para os bairros onde viviam, geralmente distantes do trabalho. “São pessoas que estão consumindo as mesmas coisas, mas em outros lugares”, continua Gregori, CEO da empresa.

BAIRROS VAZIOS, PREÇOS NÃO TÃO BAIXOS

Em Pinheiros, na zona oeste, um CBD que ganha cada vez mais relevância na cidade, a taxa de vacância atual é de 23,22%. Um pouco mais longe, na Chácara Santo Antônio, na zona sul, o número chega a 29,48%.

A situação geral não é tão grave: hoje, 20% dos escritórios localizados nos principais CBDs da cidade estão vagos, segundo levantamento da SiiLA. Em números absolutos, isto significa que, dos aproximadamente 5,923 milhões de metros quadrados de imóveis comerciais disponíveis nos centros empresariais de São Paulo, em torno de 1.184 milhão está vazio. É quase o tamanho do município de Itanhaém (1.484 milhão de metros quadrados de território), no litoral paulista. A situação da capital paulista, mesmo assim, é melhor que a do Rio de Janeiro, por exemplo, cuja taxa de vacância é de 30,7%, além de estar num patamar mais aceitável do que o de 2016, quando, em meio às crises política e econômica do País, chegou a quase 25% nos empreendimentos de alto padrão, em São Paulo.

Dois fenômenos devem ser observados dentre esses números: o primeiro é que, até o fim de 2019, o mercado imobiliário comercial da cidade vivia um dos seus melhores períodos, com taxa de vacância em torno de 14,8%, ou seja, dentro da chamada “margem de equilíbrio” entre a oferta e a demanda, entre 12% e 15%. À época, havia quem argumentasse que faltariam escritórios em São Paulo a médio prazo, e em muitos bairros houve contextos de pré-locação, em que os proprietários reservavam salas de escritórios antes mesmo que elas estivessem prontas.

O segundo é que o desequilíbrio não significa necessariamente a queda dos preços. Pode acontecer exatamente o movimento inverso: de alta. Isto acontece quando regiões empresariais prestigiadas – como as da Faria Lima, do Shopping JK, na Vila Olímpia, ou do bairro do Itaim Bibi –, voltam a ofertar imóveis no mercado. Outrora com estoques quase zerados de salas, elas registram taxas baixas de vacância em meio à pandemia: 5,5% no caso do JK, 9,9% no Itaim e 12,5% na Faria Lima. “O preço médio do metro quadrado tende a subir, porque reage ao retorno de um estoque de qualidade ao mercado. Não necessariamente significa uma recuperação, mas que há locais muito demandados, antes indisponíveis, que estão sendo novamente ofertados”, explica o CEO da SiiLA.

“O cenário é de redução dos espaços das empresas; e, com isso, vemos um volume grande de devoluções de imóveis. Os negócios tentam se salvar colocando dinheiro nas operações, não em um escritório que não esteja sendo usado.” Giancarlo Nicastro, CEO da SiiLa Brasil, multinacional de monitoramento do mercado imobiliário comercial

Nos Estados Unidos, segundo dados da consultoria de crédito Moody’s, os preços gerais do mercado imobiliário comercial devem cair 7,2% até o fim de 2021, com impactos mais profundos no setor do varejo, no qual a retração pode chegar a 12,6%. No Brasil, segundo o Índice FipeZap, a queda dos valores para locação, ao menos por enquanto, é mais branda: -1,08%, no intervalo entre março de 2020 e março deste ano. Em São Paulo, o cenário chega a se reverter, registrando alta de 1,52% nos preços no mesmo período. Para efeito de comparação, os valores de espaços comerciais caíram em outras capitais importantes para o setor, como Rio de Janeiro (-7,06%) e Curitiba (-3,44%).

“A verdade é que, se este período serviu para mostrar que é possível desconcentrar áreas empresariais sem impactar significativamente na produtividade, também é fato que isso será reajustado depois da pandemia”, reflete Reinaldo Gregori, da Cognatis. “Por enquanto, nós temos apenas chutes sobre onde este ponteiro vai parar.”

CIDADE DO FUTURO

Se há algum consenso sobre os bairros empresariais da São Paulo pós-pandêmica é que eles não ficarão vazios, embora nunca mais sejam os mesmos daquele período de antes. Para Giancarlo Nicastro, da SiiLA., em uma metrópole que vive dos serviços – 60% de todas as empresas, de acordo com o Sebrae –, a tendência é que um modelo híbrido se perpetue.

“Com isso, os escritórios vão se parecer mais com centros colaborativos”, diz Nicastro. “A gente acredita que vai demorar um pouco mais para recuperar, principalmente para voltar ao patamar de preços de antes, mas também será um período de bons negócios – o que a gente já vê acontecendo agora.”

Já o CEO da Cognatis, Reinaldo Gregori, vai além: para ele, a tendência é que não apenas os escritórios, mas os próprios bairros da metrópole se tornem mais híbridos no longo prazo. “Estes gigantescos polos empresariais de concentração, como estamos acostumados a ver em São Paulo, vão deixar de ser tão frequentes, e então crescerá uma população residente destas áreas em proporção àquela transeunte, tornando-as mais híbridas”, finaliza.

Esta é uma versão resumida de reportagem originalmente publicada na revista PB #464. A edição completa está disponível na banca digital Go Read.

Vinícius Mendes Estêvão Vieira Paula Seco
Vinícius Mendes Estêvão Vieira Paula Seco