Necessária, mas preocupante

25 de maio de 2023

Reforma Tributária é considerada essencial para melhorar o ambiente de negócios brasileiro e ampliar oportunidades de investimento. As mudanças, porém, não podem aumentar a tributação já elevada, ameaçando a geração de empregos e distanciando o País do restante do mundo.

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O sistema de cobranças de impostos no Brasil se tornou tão complexo ao longo dos anos que ficou conhecido popularmente como um “manicômio tributário”. Por isso, um dos poucos consensos no País é que a Reforma Tributária prometida para este ano será essencial para melhorar o ambiente de negócios e ampliar as oportunidades de investimento. As alterações, no entanto, não podem aumentar a carga tributária já elevada, ameaçando a geração de empregos em importantes setores da economia e distanciando ainda mais o Brasil do restante do mundo.

“A Reforma Tributária é uma medida que há muitos anos deveria ter sido implementada em razão da nossa complexidade do sistema tributário nacional. É muita especificidade e falta de unificação, o que representa uma carga muito considerável ao levar em conta cada tributo, o que acaba tornando o País não atrativo para o investimento, inclusive de empresas de fora”, diz Rodrigo Helfstein, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A tão aguardada mudança no sistema tributário pode levar a um crescimento de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos 15 anos, segundo o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. Além disso, o governo busca abrir um espaço fiscal no orçamento, pois o novo sistema deverá corrigir distorções e aumentar a progressividade da tributação.

Para que a Reforma saia do papel, alguns projetos que já são discutidos há alguns anos devem, finalmente, contar com o apoio do governo e do Congresso. Atualmente, há duas propostas principais em tramitação. A Proposta de Emenda da Constituição (PEC) 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, no Senado Federal (onde também tramita a mais recente, a PEC 46/2022).

A PEC 110 busca simplificar o sistema tributário, substituindo cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de caráter nacional, com alíquota formada pela soma das alíquotas federal, estaduais e municipais; Estados e municípios determinam suas alíquotas por lei. Além disso, o IBS incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo.

Já a proposta da Câmara (45), considerada a favorita por especialistas, também propõe a extinção de cinco impostos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que deverá ser dividido entre União, Estados e municípios. O texto detalha que o tributo não é cumulativo, ou seja, não incide em cascata em cada etapa da produção, apenas na final, e deve ser instituído por meio de lei complementar federal.

Portanto, as duas propostas convergem para a criação de um único imposto, no formato de um IVA. Por isso, a ideia é juntar pontos dos textos para que o Congresso possa estabelecer um único imposto como forma de simplificar a tributação por aqui. “O espírito de ambas as propostas, em suma, seria colocar que a cobrança do imposto se dê apenas na etapa final da etapa produtiva, nos mesmos moldes do IVA que temos nos Estados Unidos e em países europeus. O IVA teria caráter nacional, com uma alíquota formada pela soma dos impostos substituídos”, completa Helfstein.

Nos bastidores, o governo já trabalha com uma alíquota geral de 25% para o IVA e um sistema que forneça créditos que possam abater parte do imposto, recebendo de volta um valor real para que os setores produtivos não sejam bitributados.

PROBLEMAS

Como toda proposta que pretende realizar grandes alterações na sociedade, a Reforma Tributária necessita de mais discussões acerca de suas implicações, segundo a avaliação dos especialistas ouvidos pela PB. Isso ocorre porque, apesar da necessidade explícita em modernizar o sistema tributário, uma alíquota do IVA poderia aumentar a carga tributária, que atualmente gira em torno de 33% do PIB, para alguns dos principais setores produtivos brasileiros. No setor de serviço, por exemplo, a implementação do IVA nos moldes como é discutida faria com que a carga passasse dos atuais 8,65%, em média, para 25%. Por esse motivo, o setor — o maior empregador do País em 2022 — busca uma saída para que o aumento não se transforme em um combustível do desemprego.

De acordo com Sarina Manata, assessora jurídica da Federação do Comércio de bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), dada a importância do setor de comércio e serviços para essa geração de empregos no Brasil, há uma necessidade de que o Congresso discuta uma alíquota específica para cada setor. “Há uma discussão grande quanto à necessidade de uma alíquota setorial. Não porque achamos que o setor de serviço tenha de ter tratamento diferenciado, mas porque este é formado por uma cadeia diferente. Hoje, o setor de serviço paga 5% de ISS, e 3,65% de PIS/Cofins se for lucro presumido. Isto é, com o IVA, o aumento da carga tributária seria muito forte”, destaca.

Ainda segundo a assessora jurídica da Entidade, essa alta da tributação direta poderia afetar a geração de empregos no Brasil. Em São Paulo, o setor de serviços é responsável por 6.8 milhões de empregos. No Brasil, responde por mais de 20 milhões de postos de trabalho. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de março deste ano, e consideram as vagas ocupadas na administração pública. “Não é possível discutir uma reforma que vá penalizar o setor que mais emprega no País”, completa.

O ponto central da discussão do setor para que não haja uma alta na carga tributária é a geração de créditos, na avaliação de Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O governo deverá cobrar o imposto único em todas as etapas da cadeia produtiva, dando direito ao crédito do tributo pago anteriormente ao último elemento da cadeia, como forma de abater o montante pago a mais. A dúvida, no entanto, é se essa forma servirá a todos os níveis da atividade econômica. Como o setor de serviços tem poucos gastos com fornecedores, não haveria, então, créditos a abater — e isso pode aumentar o total de impostos pagos.

“Um corte de cabelo, por exemplo, tem poucos insumos. Os honorários de um escritório de advocacia, quase nenhum também. Logo, o setor de serviço passaria a sofrer, em geral, uma maior carga tributária, via aumento de alíquota, com pouca possibilidade de abater os créditos de valor adicionado”, afirma Carvalho Junior. “O setor de bens produtivos, sujeitos a ICMS e IPI, por exemplo, teriam carga tributária reduzida, com IVA de alíquota de 25%, graças à possibilidade de abatimento que o setor de serviços não tem”, explica o pesquisador do Ipea.

Se a proposta de reforma passar como está, haverá, sim, uma alta na carga. A impressão é de German Fernandez, mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professor de Direito e Administração na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). De acordo com ele, apesar de não haver detalhamento, a solução pode passar pela “desverticalização” do setor. “De fato, o setor de serviços se caracteriza pelo alto valor agregado. Logo, o ciclo anterior da cadeia não proporciona tantos créditos como o setor industrial. No entanto, em especial após a Reforma Trabalhista do governo Temer, a terceirização lícita ou o ‘serviço do serviço’ é apto a gerar créditos. Isso, em tese, poderia ter como resultado a ‘desverticalização’ dos agentes econômicos prestadores de serviço, como já acontece no setor de telecomunicações”, afirma. “Quanto ao comércio, por se tratar, em regra, de atividade com baixa margem de lucro, o crédito referente aos produtos adquiridos para revenda, ampliado com os demais custos indiretos e demais despesas operacionais, seria, a meu ver, suficiente para tornar neutra a mudança da tributação”, opina o professor da Faap, ao destacar que o sistema de créditos poderia ser mais bem-aceito pelo comércio, dado que não haveria uma alta nos tributos destinados ao setor.

“A Reforma Tributária é uma medida que há muitos anos deveria ter sido implementada em razão da nossa complexidade do sistema tributário nacional.” Rodrigo Helfstein, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV

EXTERIOR COBRA IVA MENOR

O sistema de um imposto único com créditos para que não haja tributação em cascata vai ao encontro do utilizado em países desenvolvidos. Contudo, apesar de seguir os padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com a implementação do IVA, a alíquota de 25% escolhida pelo Brasil fica acima de países como Espanha (21%), Inglaterra e França (20%) e Alemanha (19%). Apenas a Hungria, com 27%, tem IVA maior do que o pretendido pelo Brasil. Outros países como Portugal (23%), França (20%), Chile e Colômbia (19%) e México (16%) mantêm alíquotas menores que os 25%, de acordo com dados da OCDE.

“A alíquota média padrão está entre 20% e 25%, e a maior alíquota é a da Hungria, de 27%. Já a menor é a do Canadá, com 5%. Na maior parte dos países da OCDE há alíquotas reduzidas e super-reduzidas, inclusive o zero no IVA”, afirma Carvalho Junior, do Ipea. O pesquisador ainda ressalta que a alíquota zero para setores específicos é destinada à promoção social. “Os setores contemplados geralmente são os que mais impactam os mais pobres, como alimentos, abastecimento de água, gás domiciliar, eletricidade residencial, transporte de passageiros etc. Também são usados como política de incentivo, como foi para os setores ambiental, cultural e de hospedagem no período da pandemia”, conclui.

Vinicius Pereira Débora Faria
Vinicius Pereira Débora Faria
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