Embora seja um importante vetor de desenvolvimento da região amazônica, a biodiversidade da floresta ainda não conseguiu transformar todos os seus diferenciais econômicos em ganhos efetivos de competitividade. A constatação é de Fábio Calderaro, gestor do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA). O órgão acaba de dar um importante passo para criar alternativas viáveis ao melhor aproveitamento da biodiversidade da Amazônia de forma sustentável.
Até então ligado à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), o CBA passou a ser gerido, em janeiro, por uma organização social encabeçada pela Fundação Universitas de Estudos Amazônicos (Fuea). A Fuea é formada por um consórcio entre a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT/SP), e a Fundação de Apoio ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (Fipt).
O CBA terá, na prática, autonomia administrativa e orçamento próprio para agir como ponte entre os setores público e privado e a academia. A medida foi adotada para solucionar o entrave vivido pelo centro desde a sua fundação, em 2002. Apesar da inauguração com fins de suporte de conhecimento ao polo industrial na área de Biotecnologia, alguns obstáculos dificultaram a operação. Isso aconteceu porque o enquadramento jurídico do CBA não permitia o pleno apoio à bioindústria. Formalidades burocráticas obrigatórias no setor público e restrições orçamentárias – que afetaram a atuação do centro – serão flexibilizadas com o novo formato de gestão, segundo prevê o edital de chamamento público encerrado em dezembro de 2022.
No novo arranjo estabelecido, o CBA ficará mais próximo do mercado, podendo ampliar o escopo de pesquisas de produtos em seus laboratórios. O centro será composto por três setores: prospecção; laboratório aberto para universidades e instituições de pesquisas científica e tecnológica e desenvolvedores de produtos; e escritório de projetos. “O CBA vai se posicionar ao fim da cadeia de inovação, ao lado do setor produtivo, para não concorrer com outros órgãos, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e as universidades. Essas instituições vão atuar na coleta dos insumos para testes, por exemplo. Após a execução de um protótipo, o CBA vai incubar esta pesquisa, transformá-la em produto e transferir tecnologia para o setor privado”, explica Calderaro.
Gerar demanda no interior do Amazonas, por meio do aproveitamento sustentável da biodiversidade, é uma das metas desta nova fase do CBA. O diagnóstico para traçar este planejamento mostra que os efeitos diretos do modelo de desenvolvimento amazônico criado no fim da década de 1960, com a implantação da Zona Franca de Manaus (ZFM), ficaram restritos à capital, que concentra 87% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado.
“No mundo pós-pandemia, lastreado por uma economia digital e verde, a promoção de pesquisa e inovação para amparar a biotecnologia amazônica é o caminho para garantir a diversificação produtiva da região”, lembra Calderaro, ao explicar que o Estado do Amazonas tem potencial para ampliar o leque de atividades. “Os setores atraídos para o local, fruto dos estímulos tributários, não trouxeram atividades que levaram demanda ao interior”, relata.
O estudo Amazônia do Futuro – Desenvolvimento Econômico que Cuida do Meio Ambientesugere ser possível implementar um modelo sustentável para a Amazônia. Contudo, esta transição demanda ajustes de governança. Elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o documento adverte ainda que, além dos benefícios em geração de empregos e renda, mais incentivos a novos vetores econômicos da bioeconomia podem reduzir as taxas de desmatamento. Dentre os segmentos apontados como promissores, estão psicultura e indústria pesqueira; madeira e concessões florestais; ecoturismo; turismo de negócios; indústria farmacêutica; fármacos e fitoterápicos; cosméticos; óleos essenciais; indústria alimentar (bebidas); óleos vegetais; proteína vegetal; digitalização; e extração mineral.
Agregar valor à produção local é outro desafio do consórcio vencedor do processo de licitação. Calderaro dá o exemplo do açaí, fruto nativo da Amazônia – que tem o Pará e o Amazonas como principais produtores nacionais. Um saco com 80 quilos da fruta (in natura) é exportado, em média, por R$ 250. Na Europa, o mesmo saco dá origem a 8 quilos de açaí liofilizado pelo valor de R$ 872, quase quatro vezes mais. Na indústria de química fina do exterior, os mesmos 8 quilos são transformados em um pacote com 160 extratos de açaí liofilizado por R$ 4.008, dezesseis vezes mais do que valor do saco exportado. Por isso, o novo centro planeja mapear setores com possibilidade de incorporar valor aos processos produtivos por meio de bioinsumos.
A procura por rastreabilidade e certificações de processos sustentáveis também pode impulsionar a Amazônia como marca, já desfrutando de prestígio mundo afora. Calderaro salienta a importância de incluir a cadeia produtiva amazônica em acordos bilaterais e cita o exemplo da castanha, abundante na região, mas que tem a Bolívia como maior exportador global.
Se a inovação só se materializa de fato quando o estoque de conhecimento origina produtos e serviços, o caminho está aberto para exploração sustentável da Amazônia – apontada como parte essencial da agenda do desenvolvimento econômico brasileiro.