Nós a desatar

21 de junho de 2023

“No Brasil, até o passado é incerto.” A frase, atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, ilustra as dificuldades históricas do Brasil em melhorar o ambiente de negócios para as empresas nacionais e estrangeiras.

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Para se ter uma ideia do potencial perdido, estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) divulgado em 2022 mostra que o Produto Interno Bruto (PIB) nacional poderia ser elevado em até US$ 1 trilhão no período de cinco anos. Contudo, isso depende da aprovação das reformas Tributária e Administrativa, além da adoção de medidas para melhorar a infraestrutura, a educação e as seguranças institucional e jurídica.

Outro número expressivo foi medido pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC). Estudo realizado pela entidade, em 2019, mostra que os prejuízos com complexidade tributária, gargalos logísticos, insegurança jurídica e burocracia em excesso chegam a R$ 1,5 trilhão por ano. É o chamado “custo Brasil”, que trava investimentos de médio e longo prazos.

A carga tributária equivalente a cerca de 34% do PIB é outro fator de desânimo entre o empresariado e a população em geral. “O custo dos negócios é muito mais alto, e, consequentemente, a empresa que atua no Brasil é menos produtiva e tem menos condições de competir com as estrangeiras. Isto é, perde-se competitividade”, aponta o economista Paulo Feldmann, professor na FIA Business School.

Segundo Feldmann, o poder econômico de um país pode ser medido pela quantidade de empresas na lista das maiores do mundo. Ele cita como exemplo China e Estados Unidos, que contam, cada um, com cerca de 500 companhias no ranking de maiores corporações da revista Forbes. Já o Brasil tem menos de 20 empresas nessa lista. “Para termos empresas mundialmente competitivas, precisamos aumentar muito a nossa produtividade. Para isso, é necessário melhorar o nosso ambiente de negócios”, destaca o economista.

A complexidade tributária nacional, que piorou ao longo das décadas, pode ser medida em números. Da entrada em vigor da Constituição, em 1988, até o fim de 2020, cerca de 32 mil normas tributárias federais foram editadas, o que significa quatro novas regras por dia útil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).  

CARAS CONSEQUÊNCIAS

A burocracia gera, inevitavelmente, impacto negativo ao desenvolvimento de negócios. “Para se iniciar uma nova atividade econômica ou oferecer um novo produto ou serviço, há necessidade de cumprir diversas obrigações, como alterações cadastrais, solicitação de licenças, obtenção de alvarás e cumprimento de obrigações acessórias”, enumera a advogada Fernanda Sá Freire, sócia da área de Direito Tributário do escritório Machado Meyer Advogados.

“A alta carga tributária — que, por si só, inibe novos investimentos — faz com que o empresário tenha de buscar novas formas de trabalhar, visando a menos tributação, mesmo que não seja a melhor estratégia de negócio”, explica Fernanda. A advogada cita como exemplo a escolha para instalar a empresa levando-se em consideração os benefícios fiscais oferecidos. “O empresário acaba optando por uma localização não natural, aumentando o custo logístico, como uma forma de reduzir a tributação.”     

Os prejuízos são sentidos não apenas no volume de recursos que circula no País, mas também na geração de emprego e renda, além do aumento da informalidade. “O menor nível de geração de riquezas em escala nacional amplia a desigualdade socioeconômica e piora o bem-estar coletivo”, afirma Júlia Nicolau, coordenadora da divisão de análise e suporte à competitividade empresarial da Firjan. “A maior concentração de renda leva a baixos níveis de educação e saúde e amplifica os problemas relacionados à segurança pública, que são questões críticas ao Brasil”, completa.

A esses problemas, devem ser acrescentadas questões como defasagens tecnológica e industrial, mesmo se tratando de uma das 20 maiores economias do mundo, segundo classificação do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Júlia Nicolau, coordenadora da divisão de análise e suporte à competitividade empresarial da Firjan

“A burocracia e a carga tributária reduzem a eficiência e a capacidade de investimento das empresas, exigindo mais esforço para o cumprimento das obrigações normativas e legais e reduzindo o capital disponível para expansão dos negócios, aumento da produção e postos de trabalho”, comenta o professor Acilio Marinello, coordenador do MBA executivo em Digital Finance da Trevisan Escola de Negócios. 

As questões tributárias estão entre os principais pontos que precisam ser tratados para a melhoria do ambiente de negócios do País. Trata-se de um debate antigo e que nunca foi totalmente solucionado. Em 1982, Problemas Brasileiros já alertava para a necessidade de uma simplificação tributária na reportagem “O sistema tributário brasileiro em debate”.

“Em todos os Estados brasileiros, foi constatado que as empresas despendem entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar impostos”, cita a advogada Giovanna Gamba, do escritório Schiefler Advocacia. Já o prazo para conseguir todas as autorizações necessárias para construções pode superar um ano, puxando para baixo o interesse dos empresários nacionais e estrangeiros no investimento em novos negócios, conforme avaliação do Doing Business, diagnóstico do Banco Mundial que, até 2021, avaliava uma lista de países quanto às condições para fazer negócios.

Apesar de esforços para flexibilizar as relações de trabalho e desburocratização de alguns serviços públicos, o Brasil caiu 15 posições no ranking Doing Business 2020, em comparação ao levantamento anterior, figurando no 124º lugar entre 190 nações avaliadas. O pior desempenho nacional foi no quesito “pagamento de impostos”: 184º. As cinco economias mais bem colocadas são Nova Zelândia, Singapura, Hong Kong (China), Dinamarca e Coreia do Sul.

PARA ALÉM DAS REFORMAS

Quanto mais complexo um sistema burocrático, maior o número de janelas que se abrem para a ineficiência e a corrupção. É a opinião de David Kallás, coordenador-executivo da pós-graduação lato sensu do Insper. “Há também o risco da sonegação fiscal”, complementa. Ele cita uma palestra que ministrou em uma empresa multinacional como exemplo da ineficiência burocrática. “O diretor disse que o Brasil era a única unidade da empresa onde havia mais funcionários na área que cuida dos impostos do que no setor de marketing”, lembra.

A Reforma Tributária, apesar de importante para destravar a economia brasileira, deve ser acompanhada de outras medidas, apontam os especialistas. Um deles é a segurança jurídica para a formalização de grandes e longos contratos, como concessões e parcerias. Para Eduardo Ramires, sócio-fundador da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, a reforma é apenas um dos lados da equação. “Também será necessário viabilizar o investimento na infraestrutura nacional e impulsionar a atividade econômica, ainda bastante abalada pelos reveses dos últimos anos”, ressalta.

Outra ressalva é que não basta a aprovação de uma reforma para a melhoria do ambiente de negócios. É necessário que a nova legislação promova a simplificação do sistema, com redução dos tributos e regras fiscais de fácil compreensão por parte das empresas. “Tudo depende de como será feita essa reformulação. De nada adianta uma reforma tributária que institua um sistema tão complexo e oneroso como o atual”, afirma o tributarista Marcelo John Cota de Araújo Filho, do Schiefler Advocacia.

Entretanto, nem tudo é pessimismo. Ao olhar a “metade cheia do copo”, os especialistas apontam que, a despeito dos problemas enfrentados, parte do caminho já foi percorrido pelo País e houve avanços nos últimos 60 anos. São citados marcos como a abertura do mercado brasileiro na década de 1990, a estabilidade da moeda promovida pelo Plano Real, a formação de alianças econômicas com países estratégicos, como a China, e a consolidação do Brasil como potência do agronegócio, além de ser um dos maiores produtores mundiais de minério de ferro.


A matéria foi publicada na edição comemorativa de 60 anos da PB.

Marcus Lopes Débora Faria
Marcus Lopes Débora Faria