A procura por passagens aéreas e hospedagens para as festas de fim de ano apresentou seu primeiro pico de crescimento desde o início da pandemia. Com essa repentina alavancada, reflexo da vacinação, polos turísticos nacionais de grande, médio e pequeno porte estão de olho no turismo regional, que privilegia viagens mais curtas, de carro e com a família.
Na fase mais aguda da pandemia, o guia turístico pernambucano Fabiano Barbosa de Lima, 42 anos, ficou sete meses sem conseguir exercer a sua atividade profissional. Durante esse período, se virou como pôde para conseguir pagar as contas: foi ajudante de pedreiro, fez móveis com madeira de reaproveitamento e contou com a ajuda financeira dos amigos e parentes. Perdeu o sono e ganhou peso com as preocupações do dia a dia, já que o movimento de turistas em sua cidade, Recife, a exemplo de outros destinos turísticos importantes, caiu drasticamente nos últimos quase dois anos.
“A princípio, eu não tinha ideia de quanto tempo duraria essa situação. Com o passar do tempo, surgiram as dificuldades financeiras e, com elas, as crises de ansiedade”, lembra ele. “Um fator complicador foi o cancelamento dos eventos turísticos da região, como as festas juninas e o Carnaval.” O guia autônomo costuma levar os visitantes em passeios monitorados aos atrativos naturais e culturais da capital pernambucana e arredores.
Passado o período difícil, Lima revela que, aos poucos, a situação começou a melhorar, principalmente a partir de março deste ano, quando a vacinação contra a covid-19 começou a engrenar por aqui. “Tenho percebido que o turismo está acompanhando a retomada gradual das atividades econômicas. Segmentos como o turismo receptivo já estão com suas atividades quase normalizadas”, afirma. “Em janeiro e fevereiro, praticamente não trabalhei. Hoje, já consigo trabalhar quatro ou cinco dias por semana.”
Lima retomou sua atividade de recepção aos visitantes na capital pernambucana. O caso dele ilustra a retomada gradual do turismo no Brasil, que enfrentou perdas expressivas durante a pandemia, sacrificando receitas e milhares de empregos. Em 2020, o faturamento local do setor foi de R$ 132,2 bilhões, uma queda de 32% em relação a 2019 – período normal pré-pandemia – quando o faturamento total do setor foi de R$ 195,5 bilhões, segundo dados da FecomercioSP.
Com o avanço da vacinação e a queda expressiva de casos graves, internações e mortes por covid-19, o turismo nacional entrou em um novo ciclo de crescimento e, em agosto deste ano, foi registrada a quinta alta consecutiva, com crescimento de 33,3% na atividade turística nacional, em relação a agosto de 2020. O faturamento total do turismo nacional registrado em agosto foi de R$ 12,7 bilhões. No acumulado de janeiro a agosto, o saldo positivo de crescimento é de 6,3%, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo levantamento do Conselho de Turismo da FecomercioSP.
Para Mariana Aldrigui, presidente do Conselho de Turismo da FecomercioSP, os números representam boas notícias aos empresários do setor, que já registram movimento intenso na procura por informações e cotações de destinos. “Praticamente todas as manifestações referentes ao turismo estão restabelecidas”, explica ela, referindo-se à movimentação verificada em companhias aéreas, hotéis e agências de viagens a partir do segundo semestre.
“A recuperação acontece de forma gradual e responsável. Com o avanço da vacinação, os consumidores estão se sentindo mais confiantes e estão planejando suas viagens”, conta Tiago Lopes, diretor da Decolar, uma das maiores empresas de viagens da América Latina. Levantamento realizado pela companhia nos canais próprios mostra que, nas últimas semanas, a procura por passagens aéreas aumentou em cerca de 60% para o Natal e 116% para o Réveillon deste ano.
Os destinos mais procurados na Decolar para as festas de fim de ano são Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Florianópolis e Salvador (BA). “As pessoas estão se programando com mais antecedência e planejando viagens mais celebrativas”, diz Lopes. O diretor da Decolar sublinha o aumento de 45% na procura por hospedagens para as férias de verão – dezembro de 2021 e janeiro de 2022. Nesse caso, os locais mais desejados são Porto de Galinhas (PE), Gramado (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Maceió (AL). “Também destacamos que alguns destinos, como Porto Seguro, Natal e Aracaju já ultrapassaram os níveis de vendas pré-pandemia.”
A retomada também é sentida pelas empresas em setores como o de seguro-viagem. Em agosto, a SulAmérica ampliou as ofertas de proteção e passou a oferecer novas opções de seguro-viagem com coberturas adicionais para eventos relacionados à covid-19. As novas opções oferecem coberturas reformuladas para garantir a tranquilidade em viagens nacionais e internacionais. “Estamos em uma trajetória de alta demanda, tanto para o turismo como para o mercado segurador. As pessoas estão voltando a planejar viagens, o que é muito bom e animador”, comemora Marcelo Mello, vice-presidente de Investimentos, Vida e Previdência da SulAmérica.
Diante de meses acumulados de perdas, centros turísticos, como o Recife, se preparam para os bons ventos que sopram. “Sentimos a cidade cheia de turistas, e a perspectiva para os próximos meses é muito boa”, comenta Cacau de Paula, secretária municipal de Turismo e Lazer do Recife. Segundo ela, a situação só não foi pior durante o ano passado pelo fato de o Recife ser um polo regional importante e funcionar como um hub para todo o Nordeste, em especial por causa do aeroporto local, um dos mais importantes do País.
“O Recife é a grande porta de chegada ao Nordeste”, orgulha-se Cacau, lembrando que o terminal aeroportuário recebe passageiros com destino à capital pernambucana e a praias badaladas, como Porto de Galinhas. Uma das metas da prefeitura é incentivar o turista que tem outros destinos ou está na cidade a trabalho a estender a estadia por mais alguns dias a fim de aproveitar a capital, que também investe para atrair os visitantes que moram no interior, divulgando as atrações recifenses nos demais municípios.
Mariana ressalta que alguns fatores ainda podem comprometer a recuperação plena do setor, como o dólar alto e o cenário econômico nacional desfavorável, com inflação alta e taxas de desemprego elevadas. “Ainda não dá para imaginar a classe média viajando como em 2012 ou 2013.”
As tendências apontadas por especialistas para os próximos meses são o turismo nacional e o familiar de curta distância, com viagens de carro de até 300 quilômetros. “Com a pandemia, as pessoas se interessaram mais pelas viagens próximas, em busca de um respiro e de bem-estar físico e mental. Entendemos isso como uma oportunidade para o turismo regional incrementar suas vendas”, argumenta Lopes, da Decolar.
De olho nesse filão, pequenos municípios com potencial turístico próximos dos médios e grandes centros urbanos pretendem investir no segmento para incrementar a economia local. É o caso de Ibiraci, cidade com 12 mil habitantes no sudoeste de Minas Gerais e próxima a Capitólio, cidade famosa pelos cânions e lagos da Represa de Furnas. A prefeitura de Ibiraci pretende investir, no próximo ano, cerca de R$ 550 mil em novos programas e projetos turísticos já em andamento no município mineiro, que também é porta de entrada para o circuito da Serra da Canastra, onde fica a nascente do Rio São Francisco.
“Nosso foco é o turismo cultural, rural e o ecoturismo”, explica Hugo Mião, secretário de turismo de Ibiraci. Segundo ele, com o apoio de entidades como o Sebrae, o município investe na capacitação da mão de obra e no auxílio aos empreendedores do setor de turismo, como hotéis e restaurantes. “A ideia é incentivar e oferecer a maior segurança possível aos empresários para o sucesso do seu negócio.” A secretaria de Turismo elabora um plano de marketing para divulgar Ibiraci em capitais, como São Paulo e Belo Horizonte, no interior de São Paulo e no Triângulo Mineiro.
Os grandes centros também se articulam para o pós-pandemia. Em São Paulo, polo de turismo de negócios, cultural e gastronômico, a meta é diversificar as opções. “O turismo de negócios precisará se reinventar. O mercado de eventos deve registrar retração em relação ao período pré-pandemia por causa das videoconferências, que reduzem a necessidade de deslocamentos e impactam diretamente o faturamento de companhias aéreas, hotéis e produções de eventos, entre outros”, analisa Armando Junior, secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo da Cidade de São Paulo.
A Prefeitura de São Paulo, por meio do Plano de Turismo Municipal, incentiva a criação de novos atrativos na capital paulista, como o Polo de Ecoturismo da Cantareira, lançado no segundo semestre de 2021. “Nos próximos meses, o que deveremos verificar é o crescimento do turismo regional, com viagens em família, principalmente de carro, de preferência em lugares abertos e adequados ao mundo digital, por exemplo, com oferta de rede Wi-Fi”, completa o secretário-adjunto. “Nesse sentido, São Paulo tem uma grande vantagem, já que o seu principal mercado emissor é o próprio estado. Além disso, queremos incentivar o morador da capital a fazer turismo na sua própria cidade.”