O perigo dos 50 dólares

20 de setembro de 2023

Segundo representantes dos setores, além de analistas e economistas, o benefício tributário às gigantes estrangeiras, principalmente chinesas, pode obrigar as empresas nacionais a transferir a produção para o exterior, além de reduzir o market share da indústria nacional.

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Está em vigor desde agosto de 2023, o Remessa Conforme, programa no qual a Receita promete zerar a alíquota de importação de cerca de 60% do imposto federal para compras de até US$ 50 (cerca de R$ 240) em sites internacionais. Até então, as compras nessa faixa de valor entre pessoas jurídicas e físicas eram tributadas, mas havia isenção de impostos nas remessas de mesmo preço feitas entre pessoas físicas. Agora, pessoas jurídicas também terão o benefício.

Apesar da aparente vantagem para a população no curto prazo, setores (como o comércio varejista) que produzem no Brasil enxergam o programa com ressalvas, dado que o impacto de grandes empresas asiáticas é sentido há anos por aqui, afetando o número de vagas de trabalho geradas e a participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Segundo representantes dos setores, além de analistas e economistas, o privilégio dado a essas empresas, principalmente chinesas, pode obrigar os negócios brasileiros a transferir a produção para o exterior, além de reduzir o market share da indústria nacional.

O REMESSA CONFORME

Antes do programa Remessa Conforme, a isenção do imposto federal era destinada apenas a mercadorias trocadas entre pessoas físicas. Algumas empresas se aproveitavam dessa brecha para não recolher impostos, ao enviar produtos por meio de pessoas físicas. Agora, as companhias que adotaram o programa terão que seguir regras e declarar os impostos pagos antes de enviar a mercadoria. Quem optar por não aderir, terá isenção apenas entre remessas de pessoas físicas, sendo cobrados apenas os 17% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Além dos tributos, os sites precisarão, ainda, ter contrato com os Correios ou empresas de entrega e se comprometerem com o cumprimento da conformidade tributária e o combate ao contrabando. A certificação no programa durará três anos e precisará ser renovada após esse período. Frente a esse novo alinhamento, a expectativa da Receita Federal é que as compras realizadas por brasileiros lá fora sejam analisadas e liberadas mais rapidamente do que hoje.

IMPACTO NO VAREJO?

O reflexo da medida que dá celeridade e benefício tributário às estrangeiras não deve demorar para ser sentido pelo varejo nacional, segundo especialistas consultados pela Problemas Brasileiros. Segundo Lucas Lima, economista da VG Research, a isenção de impostos de importação nas compras das plataformas de e-commerce internacionais prejudica diretamente o comércio brasileiro.Acreditamos que o cenário atual seja bastante nocivo, principalmente para os varejistas com foco na baixa renda, o que poderia fazer com que diversas empresas fechassem as portas ou ocorresse uma demissão em massa para reduzir custos”, destaca.

A decisão do governo seguiu na contramão do que era aguardado pelos players do setor, principalmente em relação à produção e ao comércio de vestuário, de acordo com Caroline Sanchez, analista de Varejo da Levante Inside Corp. “A medida acaba realmente impactando negativamente o comércio de vestuário nacional, que já vêm sofrendo bastante com essa competição mais acirrada. Então, antes de essa medida ser tomada, já víamos o tamanho da repercussão nos negócios. O programa acabou surpreendendo bastante as varejistas, principalmente porque a decisão seguiu na direção inversa do que havia sido sinalizado pelo governo inicialmente”, afirma.

Em abril, o governo chegou a confirmar que acabaria com a isenção de até US$ 50 para o envio de mercadorias do exterior entre pessoas físicas, após reclamação de varejistas brasileiros sobre uma possível concorrência desleal de sites estrangeiros. À época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou que era preciso garantir igualdade de tratamento entre empresas daqui e de fora. Desde então, não houve tributação, o que deixou as companhias nacionais temerosas. E a preocupação não é à toa. Dados apresentados pelo Índice Antecedente de Vendas do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IAV-IDV) apontam queda real de 0,6% em julho, agosto e setembro deste ano, ajustado pela inflação oficial.

Segundo o IDV, as projeções são feitas a partir dos dados individuais que cada empresa associada informa quanto à sua expectativa de faturamento para os próximos três meses. “Esse conjunto de negócios que compõe o índice conta com representantes de todos os setores do varejo nacional e representa, aproximadamente, 20% do total de vendas”, informa.

“Acreditamos que o cenário atual seja bastante nocivo, principalmente para os varejistas com foco na baixa renda, o que poderia fazer com que diversas empresas fechassem as portas ou ocorresse uma demissão em massa para reduzir custos”, diz Lucas Lima, economista da VG Research

ISONOMIA TRIBUTÁRIA

Segundo Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, enquanto as plataformas digitais de comércio de produtos importados estão isentas de tributação em remessas de até US$ 50 (tirando o ICMS), empresas nacionais pagam uma tributação que varia de 70% a 110%, a depender da cadeia de produção, o que pode causar demissões e até a saída de empresas do País. “Essa diferença de tratamento pode acarretar o fechamento de lojas e demissões no varejo. Algumas empresas até cogitam transferir a produção para fora do Brasil como uma forma de pagar menos impostos e competir em condições de igualdade com essas plataformas digitais. Por isso, o que queremos e defendemos é a isonomia tributária e, com isso, evitar a eliminação de vagas de emprego. Ou todos pagam ou ninguém paga”, diz, em nota.

A isonomia também é o ponto focal para Lucas Lima, da VG Research. “O grande ponto é que não há uma isonomia tributária entre os comércios brasileiro e o internacional, visto que, ao considerar toda a cadeia produtiva, pagamos uma carga tributária muito elevada.

APENAS O COMEÇO

Apesar de todo o temor no setor do comércio varejista, especialistas afirmam que o Remessa Conforme pode ser apenas o começo de uma reformulação completa na tributação desses setores, de olho na chegada da competição asiática no Brasil. “O Remessa Conforme, que começou a valer em agosto, vai passar ainda por outras etapas, por outros processos que devem, segundo o governo, beneficiar e conseguir diminuir esse desequilíbrio para as varejistas nacionais, o que seria bastante positivo, obviamente”, afirma Caroline, da Levante Corp.

Já de acordo com Lima, o cenário-base é uma nova proposta, no curto prazo, do governo federal para equalizar essa disputa. “Haddad deve apresentar um plano para aumentar os tributos e tentar buscar a isonomia tributária entre os comércios nacional e internacional”, finaliza.

Vinicius Pereira Débora Faria
Vinicius Pereira Débora Faria