Segundo representantes dos setores, além de analistas e economistas, o benefício tributário às gigantes estrangeiras, principalmente chinesas, pode obrigar as empresas nacionais a transferir a produção para o exterior, além de reduzir o market share da indústria nacional.
Está em vigor desde agosto de 2023, o Remessa Conforme, programa no qual a Receita promete zerar a alíquota de importação de cerca de 60% do imposto federal para compras de até US$ 50 (cerca de R$ 240) em sites internacionais. Até então, as compras nessa faixa de valor entre pessoas jurídicas e físicas eram tributadas, mas havia isenção de impostos nas remessas de mesmo preço feitas entre pessoas físicas. Agora, pessoas jurídicas também terão o benefício.
Apesar da aparente vantagem para a população no curto prazo, setores (como o comércio varejista) que produzem no Brasil enxergam o programa com ressalvas, dado que o impacto de grandes empresas asiáticas é sentido há anos por aqui, afetando o número de vagas de trabalho geradas e a participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Segundo representantes dos setores, além de analistas e economistas, o privilégio dado a essas empresas, principalmente chinesas, pode obrigar os negócios brasileiros a transferir a produção para o exterior, além de reduzir o market share da indústria nacional.
Antes do programa Remessa Conforme, a isenção do imposto federal era destinada apenas a mercadorias trocadas entre pessoas físicas. Algumas empresas se aproveitavam dessa brecha para não recolher impostos, ao enviar produtos por meio de pessoas físicas. Agora, as companhias que adotaram o programa terão que seguir regras e declarar os impostos pagos antes de enviar a mercadoria. Quem optar por não aderir, terá isenção apenas entre remessas de pessoas físicas, sendo cobrados apenas os 17% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Além dos tributos, os sites precisarão, ainda, ter contrato com os Correios ou empresas de entrega e se comprometerem com o cumprimento da conformidade tributária e o combate ao contrabando. A certificação no programa durará três anos e precisará ser renovada após esse período. Frente a esse novo alinhamento, a expectativa da Receita Federal é que as compras realizadas por brasileiros lá fora sejam analisadas e liberadas mais rapidamente do que hoje.
O reflexo da medida que dá celeridade e benefício tributário às estrangeiras não deve demorar para ser sentido pelo varejo nacional, segundo especialistas consultados pela Problemas Brasileiros. Segundo Lucas Lima, economista da VG Research, a isenção de impostos de importação nas compras das plataformas de e-commerce internacionais prejudica diretamente o comércio brasileiro. “Acreditamos que o cenário atual seja bastante nocivo, principalmente para os varejistas com foco na baixa renda, o que poderia fazer com que diversas empresas fechassem as portas ou ocorresse uma demissão em massa para reduzir custos”, destaca.
A decisão do governo seguiu na contramão do que era aguardado pelos players do setor, principalmente em relação à produção e ao comércio de vestuário, de acordo com Caroline Sanchez, analista de Varejo da Levante Inside Corp. “A medida acaba realmente impactando negativamente o comércio de vestuário nacional, que já vêm sofrendo bastante com essa competição mais acirrada. Então, antes de essa medida ser tomada, já víamos o tamanho da repercussão nos negócios. O programa acabou surpreendendo bastante as varejistas, principalmente porque a decisão seguiu na direção inversa do que havia sido sinalizado pelo governo inicialmente”, afirma.
Em abril, o governo chegou a confirmar que acabaria com a isenção de até US$ 50 para o envio de mercadorias do exterior entre pessoas físicas, após reclamação de varejistas brasileiros sobre uma possível concorrência desleal de sites estrangeiros. À época, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou que era preciso garantir igualdade de tratamento entre empresas daqui e de fora. Desde então, não houve tributação, o que deixou as companhias nacionais temerosas. E a preocupação não é à toa. Dados apresentados pelo Índice Antecedente de Vendas do Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IAV-IDV) apontam queda real de 0,6% em julho, agosto e setembro deste ano, ajustado pela inflação oficial.
Segundo o IDV, as projeções são feitas a partir dos dados individuais que cada empresa associada informa quanto à sua expectativa de faturamento para os próximos três meses. “Esse conjunto de negócios que compõe o índice conta com representantes de todos os setores do varejo nacional e representa, aproximadamente, 20% do total de vendas”, informa.
Segundo Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV, enquanto as plataformas digitais de comércio de produtos importados estão isentas de tributação em remessas de até US$ 50 (tirando o ICMS), empresas nacionais pagam uma tributação que varia de 70% a 110%, a depender da cadeia de produção, o que pode causar demissões e até a saída de empresas do País. “Essa diferença de tratamento pode acarretar o fechamento de lojas e demissões no varejo. Algumas empresas até cogitam transferir a produção para fora do Brasil como uma forma de pagar menos impostos e competir em condições de igualdade com essas plataformas digitais. Por isso, o que queremos e defendemos é a isonomia tributária e, com isso, evitar a eliminação de vagas de emprego. Ou todos pagam ou ninguém paga”, diz, em nota.
A isonomia também é o ponto focal para Lucas Lima, da VG Research. “O grande ponto é que não há uma isonomia tributária entre os comércios brasileiro e o internacional, visto que, ao considerar toda a cadeia produtiva, pagamos uma carga tributária muito elevada.
Apesar de todo o temor no setor do comércio varejista, especialistas afirmam que o Remessa Conforme pode ser apenas o começo de uma reformulação completa na tributação desses setores, de olho na chegada da competição asiática no Brasil. “O Remessa Conforme, que começou a valer em agosto, vai passar ainda por outras etapas, por outros processos que devem, segundo o governo, beneficiar e conseguir diminuir esse desequilíbrio para as varejistas nacionais, o que seria bastante positivo, obviamente”, afirma Caroline, da Levante Corp.
Já de acordo com Lima, o cenário-base é uma nova proposta, no curto prazo, do governo federal para equalizar essa disputa. “Haddad deve apresentar um plano para aumentar os tributos e tentar buscar a isonomia tributária entre os comércios nacional e internacional”, finaliza.