Procura-se: emprego

16 de agosto de 2021

Crises como a que atravessamos, instaurada pela covid-19, inevitavelmente trazem consigo outras problemáticas. Com os impactos no setor produtivo – em somatória às questões enfrentadas na saúde pública –, no caso do Brasil, vieram à tona o aumento do desemprego e o baixo crescimento econômico.

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Um possível ganho de fôlego no cenário econômico brasileiro, a ensaiar os primeiros passos nos próximos meses – como reflexo do aumento do número de pessoas imunizadas contra a covid-19 –, só depende de estratégias bem consolidadas, defendem especialistas. Governos, empresas e trabalhadores têm agora, pela frente, tomadas de decisões importantes. A fim de que o País consiga superar a crise, os caminhos passam não só pela contratação, mas por um melhor aproveitamento de profissionais como Silvia Lafaiete, 42 anos, moradora de São Mateus (ES), uma das 33,3 milhões de pessoas subutilizadas no Brasil. São subutilizados – ou “mão de obra desperdiçada” – os desempregados, os que trabalham menos horas do que gostariam ou poderiam e quem não busca emprego, mas gostaria de trabalhar. Este último perfil representa Silvia, que é pescadora artesanal.

Ela deixou de exercer a atividade em 2017, quando a região onde pescava foi atingida pela lama de rejeitos tóxicos de minério de ferro oriundos da barragem de Fundão, que rompeu em Mariana (MG) em novembro de 2015. “Aqui na comunidade, somos povo tradicional da pesca registrado. Eu pegava muito siri, muito robalo e outros animais de águas doce e salgada. Mas minha renda foi caindo, porque, mesmo quando eu pescava, não conseguia vender”, lembra a pescadora.

Com a falta do pescado, Silvia passou a se dedicar ao extrativismo da semente de aroeira, também conhecida no mercado como pimenta-rosa, e do mel da mesma árvore. O valor do quilo é R$ 1,50. É preciso catar muita aroeira para conseguir R$ 80 ou 100,00. Esta renda, porém, é incerta, pois depende das estações e das condições climáticas. Silvia se encontra subutilizada porque gostaria de voltar a trabalhar na profissão de pescadora.

O drama desta capixaba ilustra a urgência de políticas e iniciativas dos setores público e privado para oferecer mais oportunidades. Há 14,8 milhões de pessoas buscando trabalho, o que representa uma taxa de desemprego de 14,7% no trimestre fechado em abril. O levantamento foi realizado pela  Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Há ainda dois grupos que se destacam no levantamento da Pnad Contínua, que são os subutilizados, como a pescadora Silvia, e os desalentados. A população subutilizada, que atingiu a marca de 33,3 milhões de pessoas, amarga o maior número da série histórica, crescendo mais do que o número de pessoas ocupadas, com um aumento de 2,7%. Por sua vez, os desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho devido às condições estruturais do mercado, somaram 6 milhões de pessoas, permanecendo como o maior patamar da série histórica.

Na perspectiva de especialistas, é momento de mais incentivo do Estado, com liberação de recursos para atrair investidores. Os economistas também são unânimes em apontar a urgência de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, cabendo ao setor público injetar recursos nos setores produtivos e indicar a direção que o capital deve seguir.

VACINAÇÃO

De acordo com José Pastore, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo  de São Paulo (FecomercioSP), as crises política, sanitária e econômica que o Brasil atravessa geram incertezas para os investidores, que não sabem quando a economia vai recuperar o ritmo normal.

No caso da crise sanitária, a única solução apontada pelo economista é a aceleração da vacinação. “Com expectativa de vacinar na casa dos milhões por dia, com vacinas suficientes, teremos boas surpresas na área de empregos no segundo semestre de 2021, por volta de outubro”, aposta.

Ainda segundo o especialista, a vacinação representa para a economia uma mudança na psicologia social, pois injeta imunidade e ânimo na população. “A atenuação da disseminação do vírus, que está acontecendo em todos os países que tiveram uma aceleração da vacinação, provoca euforia e segurança na população consumidora, com impacto na economia e na geração de empregos”, frisa.

Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), nota que a vacinação em massa da população é indispensável para atenuar as crises: “É difícil pensar numa melhoria substancial do quadro econômico do País se a gente não conseguir acelerar o processo de vacinação para voltar a uma vida normal”.

RECURSOS PÚBLICOS

Para o professor da UnB, o auxílio emergencial distribuído pelo governo federal durante a pandemia foi importante para garantir uma renda básica para mais de 60 milhões de pessoas que ficaram desamparadas economicamente em razão das demissões em massa e do fechamento de empresas.

No entanto, segundo o economista, durante o período de retomada do crescimento do País, é necessário um programa de renda mínima mais robusto para viabilizar a estabilidade do consumo interno e a movimentação da economia. “Isso não significa deixar as pessoas dependentes. O setor público deve promover simultaneamente políticas que possibilitem a reabsorção destas pessoas no mercado de trabalho, com um mínimo de qualificação, que dê a elas condições de competirem, de sobreviverem por meio do próprio trabalho.”

Segundo a análise de Pastore, é impreterível a ação estatal voltada ao fomento da infraestrutura como estratégia para a criação de novos postos de trabalho. “Os investimentos abrem a necessidade do trabalho. Quando se constrói uma escola, precisam-se de professores, quando se constrói um hospital, precisam-se de profissionais da saúde”, exemplifica.

Na perspectiva de Antônio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e diretor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FEA-PUC/SP), o crescimento econômico prescinde da ampliação da geração de valor agregado e da criação de oportunidades de trabalho.

Ele aponta que países como Alemanha, Japão e Coreia do Sul associam o projeto de geração de empregos com o de desenvolvimento econômico, que deve ser prioridade no lugar de foco em objetivos como meta de inflação ou de superávit primário – como no Brasil. 

É imprescindível para o País a definição de um projeto de desenvolvimento econômico, segundo José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit). Para o pesquisador, a experiência histórica brasileira mostra que os projetos de desenvolvimento econômico com maior capacidade de inclusão e expansão dos serviços sociais tendem a gerar mais empregos.

De acordo com Krein, uma estratégia para o projeto de desenvolvimento é a indicação dos setores produtivos que devem receber mais investimentos graças à criação de postos de trabalho. “Alguns setores têm pouca capacidade de geração de empregos, como é o caso do agronegócio, pois os processos produtivos estão cada vez mais automatizados. Então, para gerar emprego, é preciso pensar no projeto de desenvolvimento econômico que se quer implementar no País.”

SETOR PRIVADO

Tendo em vista que a situação fiscal e o teto de gastos limitam a liberação de recursos pelo setor público, porém, a saída para atrair mais investimentos e postos de trabalho, apontada por João Saboia – professor emérito da  Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-diretor do Instituto de Economia (IE/UFRJ) – passa pelos investimentos privados, “que, por sua vez, são dificultadas atualmente pela crise política”.

O pesquisador considera ainda o aumento da produtividade do trabalho como um fator adicional positivo para a retomada do emprego. “As novas tecnologias tendem a aumentar ainda mais a produtividade. Portanto, em curto e médio prazos, não vejo outra alternativa que não seja uma vigorosa retomada da atividade econômica.”

GERAÇÃO DE EMPREGOS

Investimentos em infraestrutura e o aquecimento do setor de serviços e lazer à medida que a pandemia recuar são as apostas dos especialistas para a criação de novas vagas de emprego em curto e médio prazos. Obras públicas e privadas, além de empresas de setores como festas e hotelaria, têm a capacidade de gerar um contingente grande de empregos que não exigem muita especialização ou treinamento; isso significa que podem ser preenchidos mais rapidamente.

Nada disso, entretanto, será capaz de sanar o problema se o governo optar por concentrar os debates em torno das reformas Tributária e Administrativa no aumento da arrecadação de impostos, bem como na manutenção de privilégios estatais. Assim, o País continuará a conviver com déficit fiscal, além de uma atividade econômica lenta, atrapalhada por disparidades de crescimento. A realidade é clara: o orçamento estatal não consegue mais arcar com investimentos geradores de emprego. Precisamos cortar gastos, modernizar a máquina pública e facilitar o ambiente de negócios.

ESTA É UMA VERSÃO RESUMIDA DE REPORTAGEM ORIGINALMENTE PUBLICADA NA REVISTA PB #465. AS EDIÇÕES COMPLETAS ESTÃO DISPONÍVEIS NA BANCA DIGITAL GO READ.

Luana Melody Brasil Paula Seco
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