O público de mais de 1,6 milhão de pessoas que lotou a praia de Copacabana, no início do mês de maio, para assistir ao encerramento da Celebration Tour de Madonna é o mais recente exemplo do poder dos megaeventos no Brasil. Os fãs que se reuníram na areia da praia, avenida beira-mar e janelas de edifícios da orla para celebrar a rainha do pop não pagaram ingresso: desta vez, a conta, de quase R$ 60 milhões, foi paga por patrocinadores, Estado e Prefeitura do Rio de Janeiro. Desse total, R$ 10 milhões foram aportados pela prefeitura, e mais R$ 10 milhões pelo governo estadual. O restante, cerca de R$ 40 milhões, foram bancados por empresas, especialmente o banco Itaú e a cervejaria Heineken. O prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes, calculou que o show movimentou em torno de R$ 300 milhões na cidade apenas em um fim de semana, enquanto o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, declarou: “Difícil encontrar algo com retorno maior do que esse”.
Também na rua (e sem ingresso), eventos como o carnaval no Rio e em São Paulo e a parada paulistana do Orgulho LGBTQIA+ têm presença garantida no calendário, trazendo cifras relevantes para ambas as cidades. O carnaval deste ano fez circular R$ 5,7 bilhões no Estado de São Paulo, e outros R$ 5 bilhões só na cidade carioca. A parada do Orgulho LGBTQIA+ da capital paulista, que acontece no próximo domingo (2), espera público de 3 mihões de pessoas e deve gerar R$ 500 milhões à economia da região.
No entanto, engana-se quem acha que a multidão que compareceu para ver Madonna foi inflada pela gratuidade do evento. Os números dos shows em arenas e estádios, com ingressos salgados para a renda média, prova que ânimo e bolso não faltam ao público brasileiro. Após o fenômeno Taylor Swift, em novembro passado, as três apresentações da cantora no Rio injetaram, pelo menos, R$ 158 milhões na economia do município, segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico. As entradas variavam de R$ 475 (meia arquibancada) a R$ 1,05 mil (inteira pista). Agora, o Brasil se prepara para receber Bruno Mars. A procura foi tanta que, a princípio, o artista faria quatro apresentações entre outubro e novembro, mas teve que dobrar o número para conseguir atender à demanda. Em 2024, São Paulo já recebeu a 11ª edição do Lollapalooza em março, e o Rio terá, em setembro, mais uma edição do Rock in Rio. Os ingresso da pré-venda, por R$ 795 a entrada inteira, se esgotaram em menos de três horas.
“Estamos em uma fase muito boa de entretenimento, e isso contribui muito para o turismo”, afirma Guilherme Dietze, presidente do Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Ele destaca que um dos pontos mais importantes dessa avalanche de shows pelo País é a redução da sazonalidade. “O Turismo sofre com a sazonalidade. Ampliar esses eventos a outros períodos é importante para manter o setor aquecido também em outras épocas”, avalia Dietze. O fato é que o setor tem cadeia muito longa, de transporte a local, hospedagem, comércio, bares e restaurantes, entre outros. Para se ter uma ideia, só o Estado de São Paulo deve ultrapassar os 49 milhões de turistas até dezembro, número recorde da série histórica, o que deve gerar 46 mil novos postos de trabalho formais diretos e movimentar R$ 304 bilhões.
A vinda da Madonna ao Rio de Janeiro trouxe à tona outro debate: o uso de recursos públicos nos megaeventos. Dietze, da FecomercioSP, pondera que é importante avaliar o retorno e o senso de prioridade para os investimentos públicos. No caso, a Prefeitura do Rio estima um aumento na arrecadação de 20% apenas no Imposto Sobre Serviços (ISS) em maio deste ano, na comparação com o mesmo mês do ano passado. O recolhimento total deve somar R$ 60,9 milhões somente em maio, um aumento de R$ 10,2 milhões em relação a 2023. No entanto, segundo Dietze, “os dados do show da Madonna estão superestimados”. Ainda que a Riotur, órgão de Turismo da prefeitura carioca, tenha avaliado 1,6 milhão de pessoas no show, uma estimativa realizada pelo Datafolha aponta que o espaço onde aconteceu o show da artista, na praia de Copacabana, comportaria, no máximo, 875 mil pessoas.
Diogo Moreira Carneiro, consultor e professor na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), comenta que, à medida que movimento da economia se torna mais intenso, os megaeventos acabam contribuindo mais para o crescimento da arrecadação à administração pública, por meio dos impostos cobrados sobre consumo. “No caso dos municípios, trata-se dos Impostos sobre Serviços (ISS). Naturalmente, há de se observar que esses eventos, geralmente, exigem esforços adicionais também por parte do município, como engenharia de trânsito, reforço em policiamento e segurança, entre outros. Se esses esforços podem gerar gastos extras, a apuração de custos e benefícios também é importante”, diz.
Segundo Carneiro, além do benefício fiscal a ser observado para a administração pública, é preciso considerar ainda outros benefícios adicionais, como o bem-estar da população e a melhoria da imagem do município ou Estado a sediar o evento. Destaca-se, ainda, o interesse político, principalmente em períodos eleitorais. Em certos casos, há críticas a respeito da realização de verdadeiras campanhas com verbas públicas, uma vez que a figura da administração se confunde com a imagem do ocupante do cargo. A premissa principal que justifica a realização dessas ocasiões é o estimulo à economia local, ou seja, incentivar gastos nos estabelecimentos sediados no município. “Claro que o impacto se torna maior quando há estímulo ao Turismo, que implica a entrada de mais consumidores dispostos a gastar em empreendimentos locais”, explica. Ainda de acordo com o professor, eventos representam um importante estímulo à categoria — e, de um modo geral, o Turismo é um fator importante para impulsionar a economia. “Em países como Espanha e Portugal, o setor é responsável por, aproximadamente, 10% do PIB — e próximo a 3% em países como Estados Unidos e Alemanha, segundo estudo da OCDE com dados de 2018”, comenta Carneiro. Definir prioridades, no entanto, não é tarefa simples. Realizar megaeventos é importante do ponto de vista de bem-estar social, por exemplo, além dos ganhos econômicos, que podem ser revertidos para a sociedade como um todo.
Definir prioridades e objetivos também é desafio para as marcas. O professor Marcelo Boschi, coordenador do Master em Marketing Estratégico da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), afirma que, a longo prazo, o investimento em grandes eventos pode trazer um importante retorno aos patrocinadores, mas destaca que o caso do Itaú é um ponto fora da curva, uma vez que a apresentação da rainha do pop fez parte de uma campanha maior em comemoração aos cem anos do banco. “A campanha não envolveu apenas o show da Madonna, mas também Jorge Ben Jor, Sylvester Stallone e outras personalidades. É uma campanha multimilionária que não se via, no Brasil, há mais de uma década.”
Boschi alerta, no entanto, que a estratégia desses investimentos deve ser planejada com cautela e levando em consideração o objetivo e o público que se pretende atingir. “Quando marcas escolhem estar próximas desses megaeventos, patrocinando direta e indiretamente, elas têm como objetivo criar visibilidade. Mas esse objetivo embute uma armadilha. Posso estar falando de um megaevento onde o público seja muito diferente do público da marca, o que pode gerar desconforto”, alerta.