Sete lições de Portugal sobre reforma

06 de julho de 2021

A Reforma Administrativa é tema de capa da edição 464 da PB, em reportagem especial que aborda as incongruências das contas públicas, aponta necessárias mudanças e expõe as resistências que podem enfraquecer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso. Para acompanhar a evolução do debate, ao longo dos meses de junho e julho, publicamos regularmente novos conteúdos sobre o assunto.

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Entra governo, sai governo, o Brasil segue enfrentando já, há um bom tempo, problemas com a gestão de recursos tanto financeiros como de pessoas. O fato é que gastamos elevadas quantias, mas não necessariamente garantimos uma boa qualidade dos serviços em saúde, educação e segurança. Especialistas apontam que uma engrenagem mais moderna e eficiente daria fôlego ao governo para formular políticas públicas que melhor atendam à população e ajudem a restaurar a igualdade de oportunidade no País. E o presente cenário de pandemia reforça ainda mais a necessidade de um setor público capaz de enfrentar quadros socioeconômicos complexos com mais competitividade.

Após uma profunda recessão, com mudanças na administração pública, Portugal atingiu a retomada econômica. E a modernização da governança tem sido o motor dos resultados positivos, principalmente na recuperação do emprego. Meritocracia na contratação, encolhimento de carreiras, programa de redução salarial e demissão voluntária foram algumas das medidas adotadas.

Para se ter ideia, a renda média dos funcionários públicos brasileiros subiu 20,4% desde 2012, enquanto a remuneração do setor privado aumentou apenas 7,1%. O cálculo é da consultoria IDados. Para além do reajuste, a própria remuneração dos servidores é superior à do privado. A pesquisa identifica que, ao fim de 2020, os funcionários públicos chegaram a ganhar 76% a mais do que os trabalhadores comuns. Caso os servidores tivessem jornada e vencimentos equiparados aos do setor privado, a economia acumulada com despesas da folha de pessoal chegaria a R$ 178,7 bilhões, em 2030, e a R$ 400,3 bilhões, em 2034, de acordo com projeções do CLP – Liderança Pública.

Lições de como fazer operar, com menos entraves, as engrenagens da máquina pública nacional podem ser tiradas de experiências que deram certo em outros países. Um dos mais notáveis exemplos recentes de reforma administrativa que deu certo vem de Portugal. Após atravessar uma profunda recessão na década passada, com mudanças na administração pública, a nação lusitana atingiu a retomada econômica. Além disso, a modernização da governança tem sido o motor dos resultados positivos, principalmente na recuperação do emprego. Meritocracia na contratação, encolhimento de carreiras, programa de redução salarial e demissão voluntária foram algumas das medidas adotadas.

O número de órgãos públicos foi reduzido de 518 para 187, enquanto as 1.715 carreiras, transformadas em apenas três gerais, com funções de níveis básico, intermediário e superior. Em 2011, foi determinante a adoção de um sistema independente de recrutamento dos cargos superiores da administração pública.

A seguir, listamos sete eixos essenciais para a obtenção de resultados positivos na reforma administrativa implementada por Portugal

1. Processo em etapas: as reformas ocorreram em etapas, a partir de 2008, e precisaram ser aprofundadas em 2011, pois a ameaça de ser expulso da Zona do Euro já assombrava o povo português.

2. Redução de órgãos públicos: a reforma administrativa portuguesa pode ser compreendida como uma série de medidas tomadas ao longo de nove anos, entre 2004 e 2013. No começo, em 2006, foi criado o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (Prace). Uma das medidas reduziu de 518 para 187 o número de organismos públicos.

3. Modelo privado: nesse período, as reformas buscavam não só enxugar o quadro de funcionários, mas também mudar a cultura do funcionalismo, com as valorizações de eficiência, eficácia e responsabilização. O setor privado serviu como modelo para boa parte das mudanças na área de gestão.

4. Redução de carreiras: uma medida adotada foi a Lei 59/2008, que transformou um total de 1.715 carreiras em apenas três gerais, com funções de níveis básico, intermediário e superior. Há também um regime para 30 carreiras especiais, compostas por professores de todos os níveis, médicos, juízes, diplomatas e policiais, entre outras.Essa medida refletiu na diminuição do quadro de funcionários públicos, o que, a longo prazo, gerou efeitos na economia, sobretudo a partir da redução da despesa com pessoal. Houve uma queda do número de funcionários públicos lusitanos de pouco mais de 727 mil, em 2011, para 698,6 mil, em 2019, de acordo com a Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP).Ou seja, menos 4%, ou 29,1 mil postos de trabalho em oito anos.

5. Foco na gestão: em 2011, foi criado o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (Premac), com o objetivo de aprofundar a filosofia organizacional iniciada com o Prace. Outra reforma determinante daquele ano foi a adoção de um sistema independente de recrutamento dos cargos superiores da administração pública.

6. Contratação por mérito e seleção independente: trata-se do sistema chamado Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (Cresap), agência independente de seleção para os cargos mais altos da administração pública de lá, como os diretores superiores (no Brasil, conhecidos como “secretários”).A agência, criada a partir da Lei 64/2011, tem como princípio organizar concursos ancorados em critérios como competência de liderança, colaboração, motivação, orientação estratégica, orientação para o cidadão e serviço público, sensibilidade social, experiência profissional e formação acadêmica. Após o certame, os peritos da Cresap elaboram uma lista com os três mais bem colocados. Esta lista é apresentada ao governo, que escolhe quem será selecionado ao fim.

7. Transparência e comunicação: uma valiosa lição da experiência portuguesa é a de que, para gerar economia – e não mais desconfiança na população –, é imprescindível investir na transparência dos gastos públicos e na comunicação com a sociedade.Portugal se tornou liderança no âmbito da introdução das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). E não fechou em seus governantes e gestores o debate sobre a inovação na administração pública. Foram realizados congressos sobre o assunto, nos quais se destacaram as boas práticas da administração governamental combinadas à apresentação de melhorias no setor.

A Lei 59/2008 transformou um total de 1.715 carreiras em apenas três gerais, com funções de níveis básico, intermediário e superior. Há também um regime para 30 carreiras especiais. Isto se refletiu na diminuição do quadro de funcionários públicos, o que, a longo prazo, gerou efeitos na economia, sobretudo com a redução da despesa com pessoal.

EM QUE PÉ ESTÁ A REFORMA NO BRASIL?

Para tentar equacionar os gastos, o governo encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, que pretende promover uma Reforma Administrava acabando com regalias, como estabilidade e adicionais por tempo de serviço. O deputado federal Darci de Matos (PSD/SC) é o relator do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.

A União e os Estados poderiam economizar nos próximos dez anos R$ 128 bilhões, com mudanças atuantes no aumento do tempo necessário para promoções e progressões, redução do salário inicial das carreiras e redução na taxa de reposição dos servidores que se aposentam ou morrem. O cálculo faz parte do impacto de medidas de gestão de pessoas sobre as despesas com pessoal da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal (IFI).

Na projeção do IFI, somente novos servidores estariam sujeitos às três medidas. Os impactos seriam de R$ 57 bilhões, para a União, e de R$ 71 bilhões, para os Estados. As maiores economias seriam para São Paulo (R$ 15,9 bilhões), Bahia (R$ 7,2 bilhões), Paraná (R$ 6,7 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 4,9 bilhões).

A IFI calcula, também, um corte adicional de R$ 43,2 bilhões, com uma suspensão temporária de progressões e promoções na hipótese de acionamento de medidas adicionais de contenção de despesas por dois anos, valor divido meio a meio entre União e Estados. Esta mudança valeria inclusive para os atuais servidores.

Assim, a PEC 32 seria a primeira etapa de um conjunto de medidas com vista a contribuir para o equilíbrio fiscal. Contudo, a proposta vem recebendo críticas por deixar de fora os atuais servidores e determinadas categorias – juízes, procuradores, promotores, deputados, senadores e militares deverão ser poupados nas mudanças de regras. Além disso, condicionada a futuras regulamentações para alterar tópicos considerados sensíveis, a medida não deve gerar economia aos cofres públicos no curto prazo.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP/AL), definiu com os líderes partidários as pautas prioritárias de votação até o fim deste semestre. Dentre os projetos que poderão ser votados nos próximos 15 dias, está o plano do fim dos supersalários.

A proposta que dificulta o pagamento de verbas que ultrapassem o teto salarial do serviço público é um condicionante para a aprovação da Reforma Administrativa. O Projeto de Lei (PL) 6.726/16 já passou pelo Senado e aguarda votação na Câmara dos Deputados desde 2018. A proposta normatiza as regras para o pagamento de verbas e gratificações que ultrapassem o limite constitucional, como os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje fixados em R$ 39.293,32.

Eduardo Ribeiro Paula Seco
Eduardo Ribeiro Paula Seco