A Reforma Administrativa é tema de capa da edição 464 da PB, em reportagem especial que aborda as incongruências das contas públicas, aponta necessárias mudanças e expõe as resistências que podem enfraquecer a PEC em tramitação no Congresso. Para acompanhar a evolução do debate, ao longo do mês de junho publicamos semanalmente novos conteúdos sobre o assunto.
O funcionalismo brasileiro trafega na contramão da realidade das contas públicas. Em 2019, os servidores públicos ganhavam, em média, R$ 4.172 por mês, quase o dobro do salário médio no setor privado, além de regalias que custam R$ 204 milhões por ano ao Estado, segundo o Ministério da Economia. Hoje, a máquina pública gasta o equivalente a 13% do Produto Interno Bruto (PIB) com salários e benefícios de servidores na ativa, revelam dados do Banco Mundial. A média nos países que integram a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 9,9%. Estes números foram destacados na nota técnica “O peso do funcionalismo público no Brasil em comparação com outros países”, elaborada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Aos gastos fixos do governo, somam-se os altos salários e os privilégios pagos ao Poder Judiciário, que correspondem a 1,3% do PIB, segundo o documento. Assim, o Brasil supera, neste quesito, países como Espanha (0,12%), Argentina (0,13%) e Reino Unido (0,14%).
O governo encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, que pretende promover uma Reforma Administrava acabando com regalias como estabilidade e adicionais por tempo de serviço. O deputado Darci de Matos (PSD/SC) é o relator do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Figura na proposta que todos os servidores sejam submetidos a avaliações de desempenho. Caso o resultado se apresente negativo, o funcionário fica sujeito à demissão. Ficará vedada a concessão de férias por mais de 30 dias, adicional e licença-prêmio por tempo de serviço. O recebimento de salário integral na aposentadoria será usufruído apenas por funcionários de carreiras típicas de Estado, como diplomatas. E futuros servidores que não exerçam este tipo de cargo não terão direito à aposentadoria integral.
Trata-se de uma medida essencial para oxigenar a estrutura governamental. Contudo, a proposta vem recebendo críticas por deixar de fora atuais servidores e determinadas categorias – juízes, procuradores, promotores, deputados, senadores e militares –, que deverão ser poupadas nas mudanças de regras.
A Constituição estabelece um limite de remuneração para servidores públicos, o chamado “teto de remuneração”. Esse limite é medido pelo subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 39.293,32. Portanto, quem ganha mais do que isso está recebendo um supersalário.
Além disso, uma portaria do Ministério da Economia publicada no dia 30 de abril elevou o salário de cerca de mil servidores federais em até 69%, estourando o teto constitucional. O documento criou uma espécie de “teto duplo”, pois estabelece que o limite remuneratório incidirá separadamente para cada um dos vínculos no caso de aposentados e militares inativos que continuem em atividade no serviço público.
O impacto fiscal da medida é estimado pelo governo em aproximadamente R$ 66 milhões ao ano. O ministério alega que a aplicação deste entendimento foi aprovada pela Advocacia-Geral da União (AGU) em dezembro de 2020.
A contradição do governo ao adotar uma medida que aumenta salários de uma pequena parcela do funcionalismo, ao mesmo tempo que os servidores públicos estão com pagamentos congelados, compromete os planos para uma Reforma Administrativa ampla.
A Constituição estabelece um limite de remuneração para servidores públicos, o chamado “teto de remuneração”. Esse limite é medido pelo subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), atualmente em R$ 39.293,32. Portanto, quem ganha mais do que isso está recebendo um supersalário, segundo o julgamento constitucional. Fato é que a regra vem sendo driblada por meio do pagamento de supostas indenizações excepcionais a algumas carreiras, incluindo juízes, ministros, procuradores e outros profissionais. O salário é “turbinado” com penduricalhos, como “auxílio-creche”, “auxílio-aluguel” e outros benefícios.
“É uma indenização por prejuízo nenhum, apenas uma forma oculta de pagar remunerações maiores para o teto”, critica Carlos Ari Sundfeld, professor titular da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Direito). “Temos de mexer nisso, sem dúvidas, mas mexer na Constituição de novo? Não. O que devemos fazer agora é aprovar um PL [Projeto de Lei] que regulamentará com clareza o que é indenização que pode ser paga além do teto, estabelecendo limites e resolvendo dúvidas de interpretação para que deixe de ocorrer a manipulação praticada em muitos segmentos.”
Embora apenas 0,23% dos servidores tenham rendimentos superiores ao teto, com um adicional médio mensal de R$ 8,5 mil, esses ordenados geram um custo de R$ 2,6 bilhões por ano aos cofres públicos, de acordo com levantamento do CLP – Liderança Pública.
Resolver esta disfunção salarial é o foco do PL 6.726/18, de autoria do deputado Rubens Bueno (Cidadania/PR). Se nada for feito neste sentido, os supersalários vão sugar R$ 26 bilhões em recursos públicos em dez anos, de acordo com o CLP.
A contradição do governo ao adotar uma medida que aumenta salários de uma pequena parcela do funcionalismo, ao mesmo tempo que os servidores públicos estão com pagamentos congelados, compromete os planos para uma Reforma Administrativa ampla.
Iniciadas as atividades da comissão especial da Reforma Administrativa na Câmara dos Deputados, parlamentares de frentes em defesa do serviço público formulam estratégias para o debate do mérito do texto. O objetivo é conseguir apoio para aprovar emendas que amenizem o que eles julgam danos aos servidores, como o fim da estabilidade para a maioria das carreiras e a criação do vínculo de experiência antes da investidura no cargo. Como o governo conta com apoio da maioria dos integrantes da comissão, derrubar a PEC elaborada pelo Executivo seria menos provável.
O regimento determina que a apresentação de emendas deva acontecer no prazo de dez sessões do Plenário da Casa, e a emissão do parecer do relator, em 40 sessões. Assim, a previsão é que os debates, inclusas audiências públicas cujos requerimentos já foram aprovados na semana passada, durem cerca de dois meses e meio. A próxima etapa será a votação da proposta em dois turnos por todos os deputados.