Um buraco de R$ 7 trilhões

04 de maio de 2023

Dívida pública nacional atinge 73% do PIB e, caso não seja controlada, pode tornar País refém dos juros altos e de baixo crescimento. Agora, novo arcabouço fiscal promete amenizar a trajetória de crescimento, mesmo que parte do mercado ainda observe o plano com doses de ceticismo.

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Um montante de cerca de R$ 7,4 trilhões, ou 73% de tudo aquilo que o Brasil produz. Os dados do Ministério da Economia mostram o tamanho da dívida nacional e que, caso não seja controlada, pode voltar a subir, tornando o País refém dos juros altos e de um crescimento aquém do esperado.

Nem sempre o montante foi tão alto. Nos últimos dez anos, contudo, houve uma profunda transformação na estrutura da dívida pública brasileira — marcada pela aceleração das despesas governamentais, chegando ao auge de quase 87% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim de 2020. Agora, o novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo Lula promete amenizar a trajetória de crescimento em relação ao PIB, mesmo que parte dos agentes do mercado ainda observe o plano com doses de ceticismo.

MEANDROS DA DÍVIDA

A dívida pública surge toda vez que o governo gasta mais do que arrecada. Segundo o Tesouro Nacional, quando os impostos e as receitas não são suficientes para cobrir despesas, o governo é financiado, por seus credores (pessoas físicas, empresas, bancos etc), por meio de títulos, e isso dá origem à dívida pública.

Esse problema estrutural brasileiro vem de longe e segue acompanhando as nuances macroeconômicas e a política brasileira. “A história da dívida pública é ainda particularmente interessante para melhor conhecer os diversos ambientes econômicos enfrentados pelo País nos últimos anos”, diz o economista Guilherme Binato Villela Pedras, autor de História da dívida pública no Brasil: de 1964 até os dias atuais. Mais recentemente, desde a crise política de 2014, contudo, o PIB já dava sinais de desaceleração. Por isso, a trajetória da dívida pública começou a crescer, dada a redução da receita em razão de menos crescimento da economia e aceleração dos gastos públicos.

O resultado dessa combinação foi um aumento substancial do endividamento público em 2015 e, sobretudo, em 2016, passando de 57,2% para 73,7% no período, e atingindo o pico em 2020. “A composição da dívida apresentou variações, refletindo as diversas conjunturas econômicas experimentadas pelo Brasil”, explica Pedras. Agora, de acordo com dados do Banco Central (Bacen), em março de 2023, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) atingia 73% do PIB, uma alta de 0,5 ponto porcentual ante janeiro. Segundo a autoridade monetária, em valores, a dívida passou de R$ 7,3 trilhões para R$ 7,4 trilhões. Essa dívida bruta do governo geral — emitida por meio de títulos comprados por investidores, que esperam por uma remuneração para financiar os gastos do Poder Público — inclui governo federal, INSS e governos estaduais e municipais, além de algumas estatais. Dentre os maiores detentores da dívida pública brasileira, destacam-se instituições financeiras, com cerca de 29% dos títulos, fundos de investimento (23%), fundos de previdência (22%), investidores estrangeiros (9%), governo (4%) e seguradoras (3%).

ARCABOUÇO CAUSA DÚVIDAS

Para controlar essa alta das despesas e um aumento da dívida, o governo Lula apresentou o novo arcabouço fiscal. O principal ponto do instrumento é limitar as despesas do governo, grande culpada pela alta dívida. Por isso, pelo controle de gastos, a nova regra fiscal prevê que as despesas só poderão crescer 70% da variação da receita dos últimos 12 meses. Assim, caso o governo arrecade R$ 1 trilhão no período anual, poderia gastar até R$ 700 bilhões.

O problema, no entanto, é que parte dos agentes do mercado ainda não se convenceu de que o governo irá respeitar, de fato, a nova regra fiscal. Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, o governo deveria mirar as reformas estruturais para segurar o crescimento da dívida, além de reduzir despesas também no curto prazo. “A Reforma Administrativa é positiva no longo prazo. Já no curto prazo, seriam necessárias medidas de maior contenção geral, o que não tem acontecido”, ressalta.

De acordo com Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, o cumprimento do novo arcabouço pode, sim, melhorar a trajetória da dívida, desde que o governo consiga, também, aumentar as novas receitas, respeitando as metas de custos. “Entendo que o novo arcabouço fiscal tem dois eixos: o primeiro, uma regra de gastos. O segundo, metas para o resultado primário [receitas menos despesas, sem contar juros da dívida]. A aplicação e o cumprimento à risca da primeira parte teriam o condão de melhorar a trajetória da dívida, sim. Já a segunda parte, caso cumprida, poderia gerar uma melhora mais expressiva, mas dependerá muito de receitas novas”, afirma.

“[A dívida alta] prejudica a economia porque o investimento não prospera com custo de crédito elevado e desconfiança na capacidade do governo de honrar seus compromissos.” Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo

IMPACTOS

Para além dos montantes trilionários da União, o aumento da dívida pública pode fazer com que empresas e consumidores paguem mais caro por produtos e serviços essenciais, como uma linha de crédito ou um carro financiado. O encarecimento, por sua vez, enfraquece a demanda por esses produtos e serviços, desacelerando toda a atividade econômica. “[A dívida alta] prejudica a economia porque o investimento não prospera com custo de crédito elevado e desconfiança na capacidade do governo de honrar compromissos. O ruim não é ter dívida. Dívida é coisa boa, porque financia políticas públicas, desde que você seja um bom pagador”, comenta Salto.

Segundo o Banco Mundial, países de rendas baixa e média, como o Brasil, têm, em média, uma relação dívida/PIB de 61%. De acordo com Rafaela, do Inter, a pressão do governo pela redução de juros, que estão no maior patamar dos últimos seis anos, pode ser inócua em razão do comportamento errático que a trajetória da dívida pode tomar. “Como resultado da incerteza fiscal, os juros devem continuar elevados por algum tempo, e o Bacen, que é independente, deve manter o tom de cautela, o que resulta em adiamento das expectativas de cortes da Selic”, afirma.

Vinicius Pereira Maria Fernanda Gama
Vinicius Pereira Maria Fernanda Gama