Desde o despertar do nacionalismo, a partir da campanha “O Petróleo é Nosso”, até a indignação da sociedade em razão dos escândalos de corrupção, a empresa reverteu cenários de crise. Atualmente, busca diversificar o portfólio em negócios de baixo carbono por meio de novas fontes energéticas.
Sentado à imponente mesa negra de jacarandá instalada no gabinete de despachos do Palácio do Catete, então sede do governo federal, no Rio de Janeiro, o presidente Getúlio Vargas, em cerimônia solene com a presença de todos os assessores, molhou a pena no tinteiro e assinou a Lei 2.004. A assinatura, em 3 de outubro de 1953, selava, após uma tramitação de 22 meses na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, a criação oficial da maior empresa nacional de todos os tempos, a Petróleo Brasileiro S/A, vulgo Petrobras.
Sete décadas depois, apesar das adversidades enfrentadas por administrações controversas e denúncias de corrupção, a empresa conseguiu: adaptar sua estrutura aos novos tempos, preservou a solidez e, hoje, divide com a mineradora Vale o topo no ranking de empresas mais valiosas do País listadas na Bolsa de Valores, a B3. Em fevereiro deste ano, o valor de mercado da Petrobras era de US$ 70,5 bilhões, segundo o relatório de administração divulgado pela companhia. Em 2022, ainda de acordo com o documento, também registrou o maior lucro líquido de sua história: R$ 188,3 bilhões.
Na visão do seu criador, a fundação da nova empresa de sociedade de economia mista, mas com controle da União, garantia o monopólio estatal sobre a exploração e a produção nacional do petróleo. A área era considerada estratégica em uma nação que se urbanizava cada vez mais e necessitava de energia para suprir as cidades, os meios de locomoção e a nascente indústria, responsável por grande parte do desenvolvimento econômico nacional a partir de meados do século 20.
“O petróleo já havia se transformado em recurso vital para qualquer economia nos anos 1950. Seus derivados eram os mais eficientes para movimentar motores e para lubrificar as máquinas das indústrias”, afirma a jornalista Roberta Paduan no livro Petrobras: uma história de orgulho e vergonha (Objetiva). “O Brasil, no entanto, não havia encontrado jazidas significativas do chamado ouro negro. Dependia quase que totalmente de importações. Ter petróleo, portanto, era uma questão de segurança nacional”, diz Roberta.
O setor privado, que, até então, dominava a área por meio de empresas estabelecidas no País, como a gigante norte-americana Standard Oil Company, poderia continuar atuando nas refinarias já existentes e na distribuição de produtos, como a gasolina e o óleo diesel.
Havia também o certame político. Em 1947, durante o governo do general Eurico Gaspar Dutra, surgiu a campanha “O Petróleo é Nosso”, opondo nacionalistas que defendiam o monopólio estatal e os chamados “entreguistas”. Esses últimos preferiam a condução do setor por empresas estrangeiras, sob o argumento de que elas detinham grande experiência na área e já atuavam no Brasil. “O debate sobre a política do petróleo, acirrado pela campanha do petróleo, dominava a atenção pública há décadas, intensificando-se a partir de 1945. O tema predominou no centro das discussões públicas, mais do qualquer outro assunto, contribuindo para a criação dessa empresa de monopólio estatal”, explica o brasilianista Thomas Skidmore, no livro Brasil: de Getúlio a Castello (Companhia das Letras).
. Vargas queria que a data de sanção do projeto, aprovado em definitivo e remetido ao Executivo pelo Congresso Nacional no fim de setembro, coincidisse com o aniversário da Revolução de 1930, que o alçou ao poder após a deposição do ex-presidente Washington Luís e o fim da República Velha. Naquele outubro de 1953, precisava demonstrar a força política do seu governo, desgastada pelas denúncias de corrupção na imprensa e pelos duros ataques da oposição, capitaneada pelo líder da União Democrática Nacional (UDN), o político e jornalista Carlos Lacerda.
Após a solenidade de criação da Petrobras, o presidente correu ao microfone da Rádio Nacional instalado no Catete, pronunciando um discurso que seria retransmitido para todo o País, pela Voz do Brasil:
“Ultrapassada a primeira metade do meu mandato presidencial, conforta-me verificar que, apesar de tantos obstáculos, o meu governo apresenta um acervo considerável de serviços e realizações”, discursou Vargas, listando uma série de ações relativas ao desenvolvimento da indústria de base. Dentre esses feitos, está a construção da Usina de Paulo Afonso, a segunda usina siderúrgica de Volta Redonda (RJ), a ampliação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, e estudos para um Plano Nacional de Eletrificação, embrião da futura Eletrobras, que seria inaugurada em 1962.
“A criação da Petrobras foi um marco histórico, tanto político como econômico. Havia uma necessidade de industrialização e de geração de energia muito grande, sendo o petróleo a principal fonte para que isso fosse possível”, explica Drielli Peyerl, doutora em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora do livro O petróleo no Brasil (Editora da Universidade Federal do ABC — EdUFABC). “O petróleo era uma das commodities mais buscadas no mundo, e o país que possuísse grandes reservas se tornaria um dos grandes players econômicos do mercado global naquele momento”, completa.
A Petrobras iniciou as atividades de campo em 1954, assumindo todas as funções e propriedades do antigo Conselho Nacional de Petróleo (CNP). O referido órgão havia sido criado pelo próprio Vargas, durante o Estado Novo, e era, até então, responsável pelas atividades estatais na área petrolífera, a maior parte na Bahia, primeiro lugar onde se descobriu o recurso natural em território nacional. O general Juracy Magalhães, que, à época, era adido militar nos Estados Unidos, foi escolhido para presidir a companhia. No começo das operações, a produção não chegava a 10 mil barris de petróleo por dia, menos de 10% do consumo brasileiro naquele tempo, que oscilava em torno dos 120 mil barris diários.
“Na visão de Getúlio, e de boa parte dos governantes brasileiros, petróleo era uma questão de segurança nacional, e ninguém melhor do que um militar para tratar do assunto”, explica Roberta Paduan no seu livro, em que aborda a história da companhia e os escândalos de corrupção que comprometeram as saúdes financeira e administrativa da empresa.